PROCESSO:


R-4865/99 (A2)

ASSUNTO: IRS. Conceito de despesas de saúde. Aquisição de aparelho purificador de ar.
DECISÃO: O processo foi arquivado por se ter concluído que a pretensão concreta do Reclamante – ver aceite como despesa de saúde, para efeitos de IRS, o encargo por si suportado com a aquisição de aparelho purificador do ar – não se encontrava suficientemente fundamentada, desde logo porque as provas por si apresentadas não permitiam aferir do exacto grau de relevância do referido aparelho no tratamento da doença respiratória de que padece.

Apesar de no caso concreto do Reclamante se ter concluído pela inexistência de fundamentos sólidos para a defesa da sua pretensão junto da administração fiscal, foi pelo Provedor de Justiça remetida comunicação à Direcção de Serviços do IRS, esclarecendo qual a sua posição quanto à interpretação, concretização e aplicação do conceito de “despesa de saúde” para efeitos de IRS (v. ofício infra).





Ofício dirigido à entidade visada na queixa







Exmº Senhor
Director de Serviços do IRS


Acerca do assunto objecto da v/ comunicação em referência, que desde já agradeço, informo ter determinado o arquivamento do processo no âmbito do qual haviam sido solicitados os esclarecimentos assim prestados. Não quero, no entanto, deixar de partilhar com V. Exª algumas das conclusões alcançadas após estudo da questão objecto do referido processo.


Desempenha a Direcção-Geral dos Impostos – a par da jurisprudência e da doutrina – um importante papel na aplicação de determinados conceitos jurídico-fiscais que o legislador não definiu nem concretizou mais do que o estritamente necessário, a fim de permitir que o intérprete e aplicador da norma melhor possa adaptá-la à evolução da realidade social e às particularidades de cada caso concreto.


Embora esta opção legislativa apresente óbvias vantagens de flexibilização e adaptabilidade do sistema fiscal, contém também inevitáveis desvantagens, desde logo a de poder gerar algumas situações de incerteza e insegurança nas relações tributárias.


Uma das formas de minorar este inconveniente é a adopção e divulgação dos critérios a utilizar na interpretação e concretização dos conceitos legais abertos, como é o caso do conceito de despesas de saúde. Úteis se revelam, pois, instruções como as constantes das Circulares da DGCI nºs 26/91 e 3/99, de 30 de Dezembro e 23 de Fevereiro, respectivamente, quer para efeitos de uniformização interna de procedimentos, quer para melhor elucidação dos cidadãos em geral sobre esta matéria.


É porém extremamente importante evitar que estas instruções da DGCI não façam aquilo que o próprio legislador entendeu não dever fazer, isto é, importa que não pormenorizem demasiado, que não visem prever e regulamentar todos os casos concretos. Por isso se disse que estes instrumentos da administração devem servir para adoptar e divulgar critérios de interpretação e aplicação de conceitos, não para adoptar e divulgar definições ou soluções para todos os casos.


Julgo poder afirmar com certeza que nada do que acima ficou dito colide com o entendimento de V. Exª sobre este assunto. Creio, também, que a elaboração de Circulares nesta matéria, pela DGCI, tem tido subjacente este mesmo entendimento, salvaguardando a possibilidade de apreciação casuística de situações que o justifiquem.


É precisamente quanto a este ponto que não quero deixar de solicitar a especial atenção de V. Exª: tomando por referência o caso das despesas de saúde, por ser esse que está em causa no presente processo, julgo essencial assegurar que serviços e técnicos da DGCI não assumam, à partida, posições irredutíveis ou de certeza absoluta quanto ao não enquadramento de determinadas realidades neste conceito, mantendo sempre presente a ideia de que a finalidade médica ou terapêutica de determinado bem, produto ou serviço há-de depender das suas próprias características, é certo, mas dependerá também, em grande parte, da situação clínica específica daquele que o utiliza.


Daí que tenha querido conhecer-se a posição da DSIRS quanto à possibilidade de intervenção dos serviços de inspecção tributária nesta área: só uma intervenção casuística destes serviços – eventualmente com recurso a pareceres médicos, solicitados ao sujeito passivo ou a entidade independente – que permita aferir do grau de utilidade/indispensabilidade do bem, produto ou serviço face à concreta situação clínica do seu utilizador, permitirá apurar se a função essencial de tal bem é, ou não, naquele caso concreto, de carácter médico.


Como disse, creio que as Circulares da DGCI sobre a matéria não prejudicam, antes permitem, a adopção desta prática. Apenas julguei importante partilhar com V. Exª este meu entendimento já que o último ponto da informação que acompanhou a v/ comunicação em referência me deixou a dúvida sobre se o que quereria dizer-se era que a natureza de determinados bens ou aparelhos revela, à partida, que os mesmos nunca poderão ter funções de carácter essencialmente médico e que, por isso, não se justifica, quando esteja em causa esse tipo de bens ou aparelhos, qualquer intervenção dos serviços de fiscalização.


Não creio que deva ser adoptada uma via tão radical de afastamento, à partida e sem mais, do carácter essencialmente médico que determinados bens possam ter, já que essa conclusão sempre deverá ser ponderada com a apreciação da particular situação clínica de determinadas pessoas.


Não é exigível, evidentemente, a realização de diligências exaustivas de fiscalização a propósito de todo e qualquer desacordo entre contribuinte e fisco quanto à qualificação de determinada despesa, mas creio que como ponto de equilíbrio entre a mera aplicação automática dos critérios constantes das Circulares acima mencionadas e a realização de diligências de fiscalização exaustivas em todos os casos, poderá ser adoptada a regra de que a natureza médica do bem, produto ou serviço, há-de sempre ser aferida à luz da situação clínica do seu utilizador, sendo certo que, quanto menos evidente for a natureza médica do bem, maiores deverão ser as exigências de prova dirigidas ao contribuinte, no sentido de demonstrar que a compra tem objectivos essencialmente médicos.


Se, porém, este lograr efectuar tal prova, nomeadamente mediante a apresentação de Pareceres ou Relatórios médicos atestando a especial relevância do bem ou produto no tratamento da sua situação, deverá o respectivo encargo ser aceite como despesa de saúde (sem prejuízo, evidentemente, de a DGCI procurar, se assim o entender, comprovar ou refutar os Pareceres ou Relatórios médicos através de outros de idêntica natureza), mesmo que aquele bem ou produto seja normalmente utilizado, pela generalidade dos cidadãos, para fins não estritamente clínicos.


Aplicado este raciocínio ao caso concreto exposto à Provedoria pelo contribuinte acima referenciado, concluí não se justificar qualquer intervenção adicional deste órgão do Estado, uma vez que o próprio interessado informou ter optado por não reclamar da liquidação de IRS resultante da alteração da sua declaração no sentido de não incluir na mesma a despesa com um purificador do ar como despesa de saúde, não tendo apresentado provas suficientemente detalhadas que permitam aferir do grau de importância deste aparelho no tratamento da doença respiratória de que padece.


Este o fundamento do arquivamento do processo em referência, determinado com base no disposto no artigo 31º, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril.


Agradeço a V. Exª a colaboração prestada ao longo da respectiva instrução e apresento-lhe os meus melhores cumprimentos,



O Provedor de Justiça


H. Nascimento Rodrigues