PROCESSO:


R-5164/00 (A2)

ASSUNTO: IRS. Subsídio de residência. Docentes de português no estrangeiro.
DECISÃO: O processo foi arquivado por se ter concluído pela inexistência de fundamentos para qualquer intervenção do Provedor de Justiça na matéria objecto de queixa.


IRS. Subsídio de residência. Docentes de português no estrangeiro.





SÍNTESE:


1. A queixa


Foi solicitada a intervenção do Provedor de Justiça acerca de questão que o interessado – docente de ensino português no estrangeiro – havia oportunamente colocado à Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), relacionada com a tributação, em IRS, dos montantes auferidos pelos referidos profissionais a título de subsídio de residência.


Segundo o Reclamante, os docentes de português no estrangeiro deveriam ser tributados em IRS apenas pelo valor do respectivo vencimento, excluindo-se dessa tributação o subsídio de residência, uma vez que só assim este subsídio os compensaria verdadeiramente pelo acréscimo de despesas que suportam relativamente aos seus colegas docentes que exercem funções em território nacional.


Acrescentava ainda o interessado que, caso o subsídio de residência fosse tributado, também os descontos para efeitos de aposentação e aquilo a que se referia como sendo “deduções específicas à colecta” deveriam ser calculados com base na soma do vencimento e do subsídio de residência e não apenas com base no vencimento. Eram ainda invocadas na queixa situações concretas de outros trabalhadores que, segundo o Reclamante, se encontrariam em situação idêntica à dos docentes de português no estrangeiro, beneficiando, porém, ao contrário destes, da exclusão de tributação do subsídio de residência.


 


2. A instrução do processo e a apreciação do assunto


Ouvida a Direcção de Serviços do IRS (DSIRS), informou a mesma considerar que os suplementos de instalação e residência auferidos pelos docentes de português no estrangeiro deveriam ser qualificados como rendimentos do trabalho dependente para efeitos de IRS, logo, deveriam ser englobados, para efeitos de tributação, conjuntamente com o montante recebido a título de remuneração pela prestação de trabalho.


Em defesa desta tese invocou a DSIRS o disposto no artigo 2º, nº 3, c), 4), do Código do IRS, que considera como rendimentos do trabalho dependente as “remunerações acessórias (…) auferidas devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e que constituam para o respectivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente (…) os subsídios de residência ou equivalentes…”


Apreciada a questão, concluiu o Provedor de Justiça que, face à amplitude dos conceitos fiscais de “rendimento do trabalho dependente” e de “remunerações acessórias”, difícil se tornava contrariar aquela tese, especialmente desde a entrada em vigor, em 1995, da actual redacção do artigo 2º do Código do IRS que expressamente incluiu os subsídios de residência ou equivalentes no elenco exemplificativo de remunerações acessórias, realidade até então prevista apenas de forma genérica, sem concretização especial, como agora acontece.


Perante o actual quadro legal revela-se portanto impossível defender a não tributação, em IRS, dos subsídios recebidos pelos docentes de português no estrangeiro. Acresce que a tributação de vantagens acessórias tem assumido crescente importância no combate à evasão fiscal (daí, também, o facto de a sua enumeração na alínea c), do nº 3, do citado artigo 2º do CIRS ser meramente exemplificativa), sendo uma forma de garantir que aqueles que recebem, pela sua prestação de trabalho, remunerações de idêntico valor, são tributados de igual modo pois, independentemente da forma (pecuniária ou não) que assume tal remuneração, a sua capacidade contributiva é idêntica.


Questão diferente – e já não do foro fiscal – é a de saber se os docentes de português no estrangeiro estão justamente remunerados face aos seus colegas que exercem funções em território nacional, ou se o facto de a lei fiscal prever a tributação dos suplementos de residência que lhes são pagos os coloca em situação de desvantagem perante os que não têm necessidade de acorrer a gastos extraordinários decorrentes da residência no estrangeiro.


Esse, porém, é um assunto que não cabe ao Provedor de Justiça resolver, antes devendo ser os representantes dos trabalhadores que se encontram nesta situação a articular posições e a propor e negociar eventuais melhorias salariais que considerem justas. O aumento dos vencimentos brutos destes docentes ou o aumento do montante bruto dos suplementos em questão seria uma forma de compensar a sobrecarga tributária que decorre da sujeição destes suplementos a IRS, mas neste tipo de negociações salariais não deve o Provedor de Justiça intervir, já que existem mecanismos próprios para o efeito, como é o caso da negociação colectiva.


Desta tomada de posição foi dado conhecimento ao interessado, tendo ainda sido clarificadas junto do mesmo algumas questões abordadas na queixa apresentada, a qual revelava que, pelo menos em alguns aspectos, poderiam registar-se alguns equívocos merecedores de esclarecimento.


 


3. Esclarecimentos adicionais


No que diz respeito ao que era referido na queixa como “dedução específica à colecta”, foi esclarecido que no cálculo do IRS existem dois tipos diferentes de deduções: deduções específicas e deduções à colecta, não existindo a figura da “dedução específica à colecta”.


As deduções específicas são, como o próprio nome indica, específicas de cada categoria de rendimentos e deduzem-se ao rendimento bruto de cada categoria, sendo o respectivo valor fixado ou calculado consoante, precisamente, o tipo de rendimento em causa. Por exemplo, a dedução específica dos rendimentos prediais é composta pelo conjunto das despesas de manutenção e conservação dos prédios.


Já a dedução específica dos rendimentos de trabalho dependente, como é o caso dos auferidos pelos docentes de português no estrangeiro, é composta por um conjunto de parcelas, designadamente:







– determinada percentagem do rendimento bruto auferido, com um limite máximo fixo e actualizado anualmente ou o valor das contribuições obrigatórias para regimes de protecção social, se este valor for superior àquele limite;

– indemnizações pagas pelos trabalhadores por rescisão dos contratos de trabalho sem pré-aviso;


– quotizações sindicais.


Como resulta desta enumeração (constante do artigo 25º do Código do IRS), o montante da dedução específica não varia consoante as funções docentes sejam exercidas em Portugal ou no estrangeiro (aliás, como bem referia o interessado na queixa, os docentes de português no estrangeiro têm domicílio fiscal em Portugal, logo, as regras de tributação que lhes são aplicáveis são exactamente as mesmas que se aplicam aos cidadãos que exercem funções em território nacional).


Pode acontecer, por exemplo, que as parcelas que compõem a dedução específica dos rendimentos destes docentes sejam maiores ou menores que as de outros docentes, mas tal há-de decorrer do facto de os respectivos rendimentos ou descontos para sistemas de protecção social serem diferentes. Ora, quanto ao que deve ser qualificado como “rendimento” para efeitos de IRS continua a valer o que acima foi dito: os subsídios de residência são, face à actual legislação fiscal, rendimentos do trabalho que acrescem à retribuição normal e são com ela conjuntamente tributados e conjuntamente considerados sempre que seja necessário aferir o montante total do rendimento bruto auferido pelos sujeitos passivos.


Quanto às deduções à colecta (1), são hoje regulamentadas pelos artigos 80º e seguintes do Código do IRS e permitem aos sujeito passivo deduzir despesas suportadas, por exemplo, com a saúde, educação, lares, imóveis, seguros, benefícios fiscais, etc.


Tal como no caso das deduções específicas, nada neste tipo de despesas permite concluir que não sejam dedutíveis por docentes em Portugal e no estrangeiro de forma idêntica, salvaguardadas as diferenças resultantes daquilo que é, efectivamente, diferente na situação de cada um. Por exemplo, a relevância fiscal de despesas suportadas no estrangeiro poderá ficar dependente do reconhecimento e regularização dos respectivos documentos comprovativos e, ainda, do disposto no artigo 22º do Código do IRS quanto à equivalência, em escudos, de valores (rendimentos ou despesas) fixados em moeda diversa do escudo, mas nesse caso não se poderá falar de tratamento diferente de situações idênticas, antes sendo um caso em que o tratamento diferenciado é imposto pela diferente natureza de cada uma das situações.


Quanto à situação fiscal do pessoal das embaixadas, consulados e missões diplomáticas, referida na queixa como exemplo de uma situação idêntica à do Reclamante que, segundo o mesmo, teria merecido tratamento mais favorável por parte da administração fiscal, refira-se que o assunto fora oportunamente objecto de apreciação e intervenção da Provedoria de Justiça, pelo que o mesmo era aqui bem conhecido, tendo chegado a ser formulada Recomendação no sentido da não tributação daqueles trabalhadores até 1997, inclusive. Porém, a questão nada tinha a ver com a que era objecto da queixa deste Reclamante.


Com efeito, a questão que opunha os trabalhadores das embaixadas, consulados e missões diplomáticas à administração fiscal tinha a ver com a interpretação da norma constante do artigo 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a qual estabelece uma isenção de rendimentos para aqueles funcionários, verificados que sejam determinados requisitos. Não estava em causa, naquele caso, o enquadramento de rendimentos auferidos a título de subsídio de residência, mas sim o regime aplicável às remunerações auferidas pela normal prestação de trabalho daqueles funcionários.


Por último, e quanto aos valores a considerar para efeitos de regimes de protecção social ou outros (apenas o valor da remuneração ou este acrescido do subsídio de residência), é questão totalmente independente da incidência de IRS. Com efeito, não raro o sistema fiscal utiliza e é estruturado com base em conceitos que têm diferente significado em outros ramos do direito ou para outros efeitos.


Isto é, o facto de o montante recebido por força da prestação de trabalho ser considerado rendimento sujeito a IRS não influencia nem é influenciado pela qualificação desse mesmo rendimento para quaisquer outros efeitos. O que as normas de incidência de um imposto visam abranger são as realidades que, face ao objectivo e natureza de tal imposto, se conclui que devem ser sujeitas ao mesmo. Ora, visando o IRS tributar, no caso dos trabalhadores dependentes, não só os rendimentos auferidos directamente como retribuição, mas também as vantagens acessórias (sejam elas em dinheiro ou em espécie) que advêm da prestação laboral, é a esta luz que há-de apreciar-se o regime fiscal aplicável aos subsídios de residência e é por esse motivo que se concluiu, no presente processo, ser correcta a posição da administração fiscal sobre a questão.


 


4. Conclusão


Concluiu o Provedor de Justiça, em suma, pela inexistência de fundamento para qualquer intervenção na matéria objecto de queixa: quanto à questão fiscal, porque tal intervenção careceria de base legal; quanto à questão laboral e remuneratória, porque não lhe compete influenciar eventuais negociações que sejam encetadas sobre a matéria.




 

(1) Em termos simples, a colecta é o valor apurado depois de aplicada a taxa de IRS ao valor resultante da soma dos rendimentos líquidos das várias categorias de rendimentos sujeitos a imposto.
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