Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra
Número:48/A/97
Processo:R-760/92
Data:9.06.1997
Área: A1

Assunto:AMBIENTE – SAÚDE PÚBLICA – CURRAL DE OVINOS – CANIL.

Sequência:Sem resposta conclusiva.

Dos Factos

1. Através do ofício n.º …, comuniquei a V.ª Ex.ª ter determinado a reabertura do processo à margem identificado, uma vez que em ulterior exposição dirigida a este Órgão do Estado contestava a reclamante a tolerância dessa Câmara Municipal relativamente a nova situação de insalubridade e incomodidade causada pelo reactivar das instalações pecuárias sitas no Facho de Santana, bem como pela instalação, no local, de um canil de reprodução.

2. Solicitei a V.ª Ex.ª que tendo concluído pela procedência da reclamação apresentada, determinasse a introdução das medidas correctivas tendentes a satisfazer as exigências impostas pelos arts. 115º e segs. do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, ou, não sendo possível garantir a ausência de incomodidade para as habitações circundantes, sobre a hipótese de vir a ser interdita a utilização das instalações (art. 115º, § único, do RGEU).

3. No que se referia à alegada existência de um canil de reprodução, requerí que fossem facultadas as informações necessárias para ser alcançada uma conclusão quanto à pendência de procedimento de licenciamento sanitário, de acordo com o regime constante das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30.III.1929, bem como quanto à conformidade das instalações reclamadas com o disposto na respectiva Tabela anexa em matéria de localização.

4. Ao Exmo. Delegado Concelhio de Saúde, atenta a possível afectação da saúde pública e as atribuições e competências respectivas em matéria de fiscalização dos estabelecimentos insalubres, incómodos, tóxicos ou perigosos (art. 8º, n.º 1, alínea g), do Decreto-Lei n.º 336/93, de 29 de Setembro), solicitei que fosse realizada uma vistoria ao local.

5. Realizada a vistoria em 28 de Maio do ano findo, foi verificada a existência de “uma situação de insalubridade do ambiente que pode pôr em risco a saúde pública bem como causar incómodo aos moradores locais”, razão pela qual foi proposta “a transferência do ovil para local apropriado e longe de zona urbana” (art. 115º, § único, do RGEU).

6. Em resposta aos esclarecimentos solicitados, foi por V.ª Ex.ª informado ter sido notificado, em 01.10.1996, o proprietário das instalações para, no prazo de quinze dias, proceder à transferência do ovil para local afastado de áreas urbanas, limpeza do local e esvaziamento da fossa existente.

7. Decorrido o prazo para cumprimento do despacho, de novo, foi V.ª Ex.ª inquirido quanto à reposição das condições ambientais, quer do ovil, quer do canil reclamado, designadamente por via da execução coactiva da intimação municipal.

8. A resposta prestada em …pelo Exmo. Vereador…, faz referência a um parecer jurídico que em nada esclarece quanto havia sido solicitado. Com efeito, são por demais conhecidas da Provedoria de Justiça as normas legais ali invocadas, e revela-se desnecessária a sua enunciação, porquanto das respectivas estatuições não são retiradas as devidas consequências no plano da conformação da situação material em causa.

Do Direito

9. Desconforme se encontra, assim, a edificação em questão com as normas relativas às condições higio-sanitárias das edificações destinadas ao alojamento de animais, constantes do disposto nos arts. 56º e 115º e segs., do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951.

10. Impede-se no art. 56º, a execução, em zonas urbanas, de construções ou instalações onde possam depositar-se imundícies – tais como cavalariças, currais, vacarias, pocilgas, lavadouros, fábricas de produtos corrosivos ou prejudiciais à saúde pública e estabelecimentos semelhantes – sem que os respectivos pavimentos fiquem perfeitamente impermeáveis e se adaptem às demais disposições próprias para evitar a poluição dos terrenos e das águas potáveis ou mineromedicinais.

11. Contendo esta norma uma exigência relativa ao projecto das edificações cuja utilização é potencialmente perigosa para a saúde pública, impõe-se a mesma à Câmara Municipal no âmbito do procedimento de licenciamento das obras de construção respectivas, em especial no momento da apreciação do projecto de arquitectura (arts. 1º, n.º 2, 36º, n.º 1, 41º, n.º 1, 47º, n.º 1, alínea a), e 63º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro), enquanto norma legal, de índole técnico-funcional, a que estão sujeitos os projectos de obras de construção.

12. Não obstante, porque a exigência em questão se reporta a condições de índole higio-sanitária das edificações, releva também, do ponto de vista da salvaguarda de valores ambientais (cfr. quanto a normas que são, em simultâneo, normas urbanísticas e ambientais, Diogo Freitas do Amaral, Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente: objecto, autonomia e distinções, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1, 1994, p. 21), impondo-se a sua observância, uma vez construídas as edificações, e competindo à Câmara Municipal ordenar ao proprietário a execução dos trabalhos em falta (art. 10º, do RGEU).

13. Por seu turno, o art. 115º do RGEU dispõe que as instalações para alojamento de animais apenas podem ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações quando construídas e exploradas em condições de não originarem, directa ou indirectamente, qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações.

14. Por seu turno, no § único deste artigo, comete-se às Câmaras o poder de interdizer a construção ou a utilização de anexos de animais nos logradouros ou terrenos vizinhos dos prédios situados em zonas urbanas quando as condições locais de aglomeração de habitações não permitirem a exploração desses anexos sem risco para a saúde e comodidade dos habitantes. Nos arts. 116º a 120º, encontram-se fixados os requisitos a que deve obedecer a implantação e a construção das edificações destinadas a alojamento de animais.

15. Como referido anteriormente a propósito do art. 56º do RGEU, a norma contida no art. 115º impõe-se à Câmara Municipal no momento da apreciação do projecto das instalações, implicando a formulação de um juízo prospectivo sobre a susceptibilidade de perturbação das edificações vizinhas, mas exige, também, uma acção fiscalizadora contínua sobre a exploração do estabelecimento pecuário que permita avaliar das implicações que a respectiva laboração produz no ambiente e na saúde pública.

16. Desta forma o âmbito da esfera de protecção desta norma, excede, em larga medida, os domínios estritos do direito do urbanismo, na acepção de conjunto de normas e institutos que disciplinam a expansão e a renovação dos aglomerados populacionais e o complexo das intervenções no solo e das formas de utilização do mesmo (CORREIA, Fernando Alves, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 49), visando como fim imediato, também, a tutela de valores ambientais e de saúde pública. Valores estes, tanto mais carecidos de protecção, quanto a actividade a desenvolver nestas edificações não esteja sujeita ao sistema de licenciamento sanitário constante das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30.3.1929.

17. Assim acontece no que respeita à exploração de currais de ovelhas. Reconhecendo-se, em abstracto, que estes estabelecimentos são susceptíveis de apresentarem os inconvenientes que impõem a sujeição às prescrições do licenciamento sanitário, certo é que não foram os mesmos incluídos na respectiva Tabela anexa, pelo que apenas subsistem como único parâmetro aferidor do nível adequado de protecção ambiental e de salubridade as disposições dos arts. 56º e 115º a 120º do RGEU.

18. Pelos motivos expostos, urge exercer os poderes que às Câmaras Municipais são legalmente cometidos para salvaguarda do interesse público em matéria de ambiente e saúde pública. Com efeito, a competência da Câmara Municipal de Sesimbra, consagrada nas disposições legais acima citadas é, de acordo com o princípio contido no art. 29º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, irrenunciável, pelo que o não exercício dos poderes administrativos adequados constitui uma omissão ilegal e, como tal, merecedora de censura por parte do Provedor de Justiça.

19. Já quanto à execução coactiva da intimação municipal dirigida ao proprietário das instalações reclamadas, necessário se revela proceder à instauração de procedimento a tanto destinado, dando, para esse efeito, início aos trâmites e formalidades previstos nos arts. 149º e segs. do Código do Procedimento Administrativo.

20. Com efeito, a reposição dos níveis ambientais e de salubridade exigíveis apenas será possível através da transferência do estabelecimento reclamado, conforme concluiu a comissão de vistorias, pelo que a resolução da questão se encontra pendente da plena operatividade do acto administrativo que tal consequência determinou. No caso em apreço, tal efeito apenas será alcançado através da execução por via coactiva do acto em questão, uma vez recusar-se o proprietário ao respectivo cumprimento.

21. No que se reporta ao funcionamento do canil de reprodução, não parece a respectiva localização susceptível de satisfazer a exigência constante do art. 4º das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30.3.1929. Tratando-se de um estabelecimento de 1ª classe (n.º 4 da Tabela anexa às Instruções), impõe aquela disposição que se situem em local afastado das habitações, dentro de uma zona preventiva em terreno seu. Não é este o caso, uma vez que o canil reclamado se encontra dentro dos limites do perímetro urbano do lugar da Corredoura, contíguo a prédios de habitação.

22. Sendo legalmente impossível a essa Câmara Municipal vir a conceder alvará de licença sanitária que habilite o funcionamento do canil, cumpre reintegrar a legalidade infringida e fazer cessar, de uma vez por todas, a ofensa ilícita do direito dos vizinhos ao ambiente, determinando o imediato encerramento do estabelecimento, nos termos previstos pelo art. 30º das citadas Instruções.

Em face do exposto,RECOMENDO:

1. Que seja promovida a execução coactiva do despacho de V. Exa, com data de 8 de Julho de 1996, notificado ao Sr…, em 1 de Outubro do mesmo ano, que ordenou a transferência do ovil para local afastado de áreas urbanas, nos termos do § único do art. 115º do RGEU.
2. Para tal fim, deve ser notificado o proprietário das instalações, nos termos e para efeitos do disposto no art. 152º do Código do Procedimento Administrativo, da decisão de ser executada a ordem, com indicação dos termos em que a mesma irá ser realizada (art. 157º, n.ºs 1 e 2, do CPA).
3. Que, com fundamento na disposição contida no art. 30º das Instruções aprovadas pela Portaria n.º 6065, de 30.3.1929, e para prossecução das atribuições municipais de salubridade pública (art. 49º, n.º 14, do Código Administrativo), delibere a Câmara Municipal de Sesimbra ordenar o imediato encerramento do canil de reprodução.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel