Ex.mo Senhor


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Nossa Ref.ª


Proc.º R – 146/11 (A2)



 


 


Assunto: Reclamação apresentada na Provedoria de Justiça. Benefício da discriminação positiva. Cobrança de portagens.



 


 


A queixa por V. Ex.ª apresentada sobre o assunto em epígrafe mereceu a melhor atenção da parte deste órgão do Estado e determinou a realização de diligências instrutórias junto da concessionária “ASCENDI O&M, S.A.”, com o objectivo de obter uma resposta à exposição que havia apresentado em Novembro de 2010 que permitisse compreender a forma como foram contabilizadas as passagens nas vias ora portajadas e que estariam isentas dessas taxas.



Em resposta, e como se julga que V. Ex.ª já foi, ou será em breve, contactado por essa empresa, a ASCENDI detectou um “ligeiro erro na aplicação do desconto de uma das viagens, com um impacto de 0,08€”, prevendo-se a devolução desse valor a V. Ex.ª através de crédito a emitir através da Via Verde Portugal.



Não obstante, considera a ASCENDI ter sido reconhecido a V. Ex.ª o benefício da discriminação positiva nas utilizações a que teria direito, uma vez que, nos termos da legislação em vigor, essas isenções “são consideradas para cada uma das concessões e não globalmente para todas elas, nem para cada uma das auto-estradas em que cada uma delas se possa decompôr”.



Esta posição assumida pela ASCENDI foi analisada pela Provedoria de Justiça à luz da legislação aplicável e do contexto em que foi atribuído o benefício da discriminação positiva a determinados utentes dessas vias de comunicação.



Efectivamente, o conceito “SCUT” vem sendo utilizado, desde o momento em que foi estabelecida a possibilidade de exploração de determinadas infra-estruturas através do regime de portagem sem cobrança aos utilizadores, através do Decreto-Lei n.º 267/97, de 2.10, com diversos sentidos e para designar diferentes realidades ainda que conexas: como “concessões”, como infra-estruturas rodoviárias e, ainda, como regime de portagem.



Repare-se que, logo no art.º 1.º, n.º 1 daquele diploma, refere-se que “SCUT” são as concessões e no n.º 2 do mesmo preceito explicita-se que, por “concessões SCUT” entende-se a “concepção, construção, conservação e exploração de lanços de auto-?estrada em regime de portagem sem cobrança aos utilizadores “. Ou seja, na sua génese, as “SCUT” são, de facto, concessões e não auto-estradas ou regimes de portagem.



Esta mesma acepção acolheu o Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão de 1.07.1999 (R. 44 249), que se debruçou sobre a formação de uma concessão “SCUT” como um contrato de concessão de obras públicas.



Vários anos passaram, entretanto, desde a instituição desse novo regime de construção e de exploração de auto-estradas e, uma vez chegado o momento de introduzir e de cobrar taxas de portagem nessas vias, o conceito “SCUT” vulgarizou-se de tal modo que passou, desde logo por facilidade de linguagem, a designar as próprias infra-estruturas rodoviárias de suporte e o sistema de cobrança de um valor pela utilização das mesmas.



Assim se explica que, na Portaria n.º 1033-A/2010, de 6.10, se refira, logo no preâmbulo e no art.º 1.º, o termo “SCUT” para designar as “auto-estradas sem custos para o utilizador”, no art.º 2.º esse conceito seja utilizado enquanto infra-estrutura rodoviária e no art.º 3.º a utilização de “SCUT”, quando associada à expressão “área de influência” presuma a referência às concessões. No preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 39-G/2010, de 4.06 , repare-se, ainda, que são várias as referências às “SCUT” para designar o regime de portagem sem cobrança aos utilizadores, mas também que, logo no ponto 1 se usa a expressão “SCUT” quando se faz menção à concessão de determinados “lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados”.



Assim, após análise dos vários diplomas que suportaram a instituição das SCUT, do respectivo regime e do sistema de cobrança de portagens, pode concluir-se que esse conceito não é inequívoco, uma vez que potencia algumas dúvidas em torno do alcance que deve ter e das realidades que deve designar, face à forma pouco rigorosa com que vem sendo utilizada na diversa legislação.



Em caso de dúvida sobre o sentido de um determinado preceito legal, a melhor hermenêutica jurídica manda que se recorra aos princípios plasmados no art.º 9.º do Código Civil, em matéria de interpretação da lei. Fazendo uso dos vários elementos (sistemático, histórico e teleológico) que poderiam ser convocados para fixar o sentido que determinado preceito deverá ter, aceitar-se-á, com relativa facilidade, a interpretação defendida pela ASCENDI, no que diz respeito ao disposto no art.º 2.º, n.º 1 da Portaria n.º 1033-A/2010, de 6.10, no sentido de que as “10 utilizações mensais da respectiva SCUT” referem-se às 10 utilizações mensais em cada concessão, aí se compreendendo as diversas vias que a integram.



Efectivamente, em termos históricos, como se começou referir, a expressão “SCUT” corresponde à “concepção, construção, conservação e exploração de lanços de auto-?estrada”, substantivos que integram a concessão deste tipo de vias.



Por outro lado, o contexto em que se insere o preceito em causa abona a favor da mesma tese: o preâmbulo da Portaria n.º 1033-A/2010, de 6.10, menciona, expressamente, no segundo parágrafo, as concessões SCUT do Norte Litoral, do Grande Porto e da Costa da Prata (bem como as restantes SCUT).



Finalmente, em termos de objectivos a cumprir, dir-se-á ainda que a atribuição do benefício da discriminação positiva implica, naturalmente, pela perda de receita que acarreta, um impacto nos contratos de concessão objecto de negociação com cada empresa concessionária, pelo que se julga que fará todo o sentido que o regime de descontos e de isenções seja autonomizado por concessões e não por auto-estradas.



Adicionalmente, ainda, haverá a considerar que, no site do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações explica-se, no separador “FAQ sobre Introdução de portagens nas auto-estradas SCUT” que “(…) o sistema de isenções e descontos nas taxas de portagem aplica-se às populações e empresas, ou seja, aquelas que tenham residência ou sede na área de influência da concessão (…)”.



Não obstante, resulta do que ficou dito que os termos em que foi legalmente estabelecido esse regime de isenção suscitam várias dúvidas interpretativas, sobretudo para o utente que, enquanto cidadão comum, é habitualmente leigo em questões jurídicas, sendo certo que um assunto que envolve um universo tão alargado de destinatários deve ser absolutamente inequívoco em sede de procedimentos e de deveres a cumprir.



Nestes termos, cada vez se coloca com maior pertinência a questão da necessidade de aperfeiçoamento dos regimes legalmente vigentes, nesta e noutras matérias que envolvem a introdução de portagens nestas vias, para o que a Provedoria de Justiça continuará a diligenciar junto das concessionárias, das entidades de cobrança e da Tutela, no sentido de assegurar, não só a resolução pontual das dificuldades sentidas por cada utilizador para cumprir escrupulosamente as obrigações assumidas enquanto utente destas vias, como também para garantir uma maior exequibilidade dos procedimentos aplicáveis e uma transparência acrescida na cobrança das taxas de portagem.



Face ao exposto, mais se informa que foi determinado o arquivamento do processo a que havia dado origem a queixa de V. Ex.ª.



Dado o interesse público de que se reveste este assunto, certamente que qualquer evolução que o mesmo venha a conhecer – seja em resultado da intervenção da Provedoria de Justiça, seja em consequência de eventuais aperfeiçoamentos do sistema em vigor que o Governo entenda implementar – virá a ser do domínio público.



 


 


Com os meus melhores cumprimentos.



 


O Provedor-Adjunto de Justiça



 


 


Jorge Noronha e Silveira