Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Número: 15/A/97
Processo: 2707/94
Data: 19.03.1997
Área: A1
Assunto: AUTARQUIAS LOCAIS – FORMULÁRIOS OFICIAIS – ERRO NA DESIGNAÇÃO – RESPONSABILIDADE POR INFORMAÇÕES – RESERVA DA FUNÇÃO JURISDICIONAL
Sequência: Acatada
1. Apresentada queixa sobre alegado funcionamento de órgão jurisdicional na Câmara Municipal de Cascais, documentada com cópia de guia de receita emitida por departamento ou serviço designado por Tribunal das Contribuições e Impostos e sediado na Câmara Municipal de Cascais, entendi, no exercício dos poderes instrutórios que me são conferidos pelos art. 28.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, requerer a V.ª Ex.ª a prestação de esclarecimentos sobre o assunto.
2. A coberto do ofício n.º … , de … .1995, pronunciou-se V.ª Ex.ª sobre o conteúdo das funções exercidas pelo Tribunal das Contribuições e Impostos.
3. Apreciados os poderes que o legislador cometeu ao chefe de secretaria da Câmara Municipal, através das normas contidas nos arts. 1.º e 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 163/79, de 31 de Maio, os quais se cingem às funções exercidas pelo chefe de repartição de finanças no âmbito dos procedimentos sobre os quais dispunham os Títulos II, III e V, do Código de Processo das Contribuições e Impostos, sobre os quais, no presente, regem os arts. 98.º e 99.º, 129.º e 130.º, 237.º, 242.º, 243.º e 244.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 47/95, de 10 de Março, concluí não dispor o chefe de secretaria da Câmara Municipal de poderes para a prática de actos jurisdicionais de composição de litígios, mantendo-se, pois, intocado o princípio constitucional da reserva do exercício da função jurisdicional, plasmado no art. 205.º da Constituição.
Acautelou o legislador as garantias dos contribuintes, aos quais é facultada a impugnação judicial das decisões da administração que afectem os seus direitos e interesses legítimos.
4. Não posso, porém, deixar de censurar a utilização, por essa Câmara Municipal, da designação Tribunal das Contribuições e Impostos, circunstância susceptível de induzir os munícipes em erro, seja quanto à natureza dos actos praticados pelo chefe da secretaria, seja quanto à existência de um tribunal como tal intitulado.
O emprego da denominação “Tribunal das Contribuições e Impostos”, outrora atribuída e reservada, por lei, a órgãos incumbidos da Administração da Justiça, a que acresce a delimitação, em guia de receita emitida pela Câmara Municipal, de espaço reservado à redução a escrito de sentença, pode criar nos administrados a convicção de que prossegue a Câmara Municipal atribuições do poder judicial e originar responsabilidade do município por motivo de errónea informação.
A apropriação de tal designação pela Câmara Municipal atenta contra a dignidade e o respeito devido aos tribunais, órgãos de soberania aos quais cumpre a administração da justiça.
Hão-de os órgãos administrativos, nas relações que mantêm com os administrados, observar o postulado da boa fé, que não se compagina com a utilização de qualquer artifício ou a adopção de procedimento que induza em erro os administrados.
O risco de confusão é tanto maior quanto é certo terem sido abolidos os Tribunais das Contribuições e Impostos, na sequência da publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril.
Aos tribunais tributários de 1.ª instância compete a instrução e julgamento das infracções cometidas em relação à liquidação e cobrança de impostos cujo produto constitui receita municipal e de derramas, nos termos em que o prevê o art. 22.º, n.º 3 da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro.
Cumpre-lhes, do mesmo modo, a cobrança coerciva de dívidas às autarquias locais e a decisão de recursos interpostos de decisões dos órgãos executivos das autarquias locais sobre reclamações e impugnações contra a liquidação e cobrança de taxas, mais-valias e demais rendimentos gerados em relação fiscal (vd. art. 22.º, n.ºs 2 e 5 da Lei n.º 1/87).
De acordo com as motivações expostas,
RECOMENDO
A V.ª Ex.ª que determine que os serviços camarários procedam à inutilização do modelo de guia de receita, em anexo reproduzido, e que se abstenha a Câmara Municipal do uso da designação “Tribunal das Contribuições e Impostos” ou de qualquer outra expressão ou termo que evoquem o exercício de funções cometidas aos órgãos judiciais, em expediente relativo a actos praticados pelo chefe de secretaria da Câmara Municipal, ao abrigo dos arts. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 163/79, de 31 de Maio.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL