Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações
Número:67/A/97
Processo:R-4712/96
Data:30.09.1997
Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA – FALTA DE APROVEITAMENTO ESCOLAR – EXTINÇÃO DO DIREITO.
Sequência: Não Acatada
1. O Sr…, pensionista n.º…, dirigiu-me uma reclamação onde alega, essencialmente, que a falta de aproveitamento escolar no ano lectivo de 1992/1993, que determinou a extinção do direito à pensão de sobrevivência que vinha a receber, fora consequência do agravamento da asma brônquica, doença crónica de que padece. E, que esse agravamento resultara da sua colocação na Universidade de Aveiro.
2. Efectivamente, a cessação do pagamento da pensão de sobrevivência foi determinada por força da falta de aproveitamento escolar, nos termos do art.º 47º, n.º1, al.c) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º142/73, de 30 de Março.
3. Apesar de o pensionista ter reclamado daquela decisão, a mesma foi mantida com base num parecer do Gabinete Médico dessa Caixa Geral de Aposentações, de acordo com o qual “… o facto de sofrer de asma brônquica não justifica a perda do ano escolar; se assim fosse, e como é uma doença crónica que vem desde a infância mais anos teriam sido perdidos.”.
4. Na verdade, porém, não estava em causa saber se de facto aquela doença era impeditiva do aproveitamento escolar, mas, antes, saber:
a) se da colocação do reclamante na Universidade de Aveiro resultara um agravamento da doença;
b) e, em que medida, esse agravamento, a ter-se verificado, se constituia como circunstância atenuante ou dirimente da responsabilidade do pensionista na perda do ano escolar.
5. Presentes os elementos de natureza médica disponíveis verifica-se que:
a) no parecer de 12 de Maio de 1993, do Sr. Dr…, Chefe da Clínica de Pneumologia do Hospital Pulido Valente, se refere que o reclamante “… sofreu, desde a sua deslocação para Aveiro, agravamento clínico da asma brônquica com crises de predomínio nocturno…”.
b) a Sra Dra… (médica pneumologista do mesmo Hospital) declarou, em 31 de Janeiro de 1994, que a estadia do reclamante “…em Aveiro no ano lectivo 92/93 para frequentar o 1º ano do Curso de Biologia da Universidade de Aveiro, trouxe agravamento quanto ao número e gravidade das crises de dispneia com consequente mau aproveitamento escolar e transferência para o mesmo curso na Universidade de Lisboa.”.
6. De facto, a situação clínica do reclamante foi o fundamento da sua transferência, a título excepcional, para a Faculdade de Ciências de Lisboa.
7. O parecer do Gabinete Médico dessa Caixa Geral de Aposentações, para além de dar conta de um facto já conhecido, isto é, que o reclamante sofria de asma brônquica e que esta era de natureza crónica, limita-se a exprimir um raciocínio meramente lógico, cuja pertinência, atentas as circunstâncias, é aliás, duvidosa. Isto porque, não tendo o reclamante tido falta de aproveitamento escolar quer antes, quer após a sua estadia em Aveiro, mais lógico seria, pelo menos, questionar se a causa determinante do insucesso escolar fora o agravamento do estado de saúde do reclamante verificado durante a sua estadia em Aveiro.
8. O Gabinete Médico dessa Caixa Geral de Aposentações não se pronunciou, pois, inicialmente, quanto à verificação do agravamento da situação clínica do reclamante, nem quanto às respectivas consequências e, nomeadamente, quanto à questão de saber se estas acarretavam a impossibilidade de o reclamante poder ter tido aproveitamento escolar naquele ano lectivo.
9. O parecer elaborado no âmbito daquele mesmo Gabinete, de 7 de Agosto de 1997, remetido a esta Provedoria de Justiça em anexo ao ofício n.º1894, de 21 de Agosto de 1997 dessa C.G.A., em boa verdade, nada acrescenta ao parecer anterior, antes encerra contradições e erros manifestos.
9.1 Desde logo, porque não é fundamentada a afirmação de que se não verificara um agravamento do estado de saúde do reclamante.
9.2 Na verdade, como o seu autor anuncia, o parecer baseia-se exclusivamente numa análise documental, referenciando-se, especificamente, os seguintes documentos de natureza médica:
a)documento no qual foi exarada a opinião do Senhor Médico Chefe do Gabinete Médico dessa Caixa, em 23 de Fevereiro de 1994;
b) parecer da Dra…, psiquiatra;
c) e, parecer do Dr… de 12 de Maio de 1993.
9.3 Ora, se por um lado, o primeiro documento não se pronuncia sobre o agravamento (pois, apesar de não se conhecer a respectiva fundamentação, tal circunstância não é referida nas respectivas conclusões), os restantes pareceres clínicos, por outro lado, concluem no sentido de que se verificou um agravamento. Não se percebe, por isso, como pode o perito médico concluir, com base naqueles pareceres, que a doença não se agravou.
9.4. Para além disso, o aludido parecer contém outro erro evidente. É que, mencionando, inicialmente, o parecer do Dr… de 12 de Maio de 1993, refere depois que, de acordo com este relatório, “…o doente só foi estudado no Serviço da Especialidade a 23/11/1993, tendo-se comprovado múltiplos testes de sensibilidade positiva, marcando a natureza alérgica da asma,…”. É, pois, evidente que num parecer de 12 de Maio de 1993 não pode relatar-se um exame realizado em Novembro seguinte.
9.5 Aqueles exames foram realizados não em 23 de Novembro de 1993, mas em 23 de Abril do mesmo ano. E, na apreciação da presente questão, não é indiferente o momento em que se verificou a avaliação clínica da situação do reclamante. De facto, pertinente é saber qual o estado clínico do reclamante no período referente ao ano lectivo 1992/1993.
9.6 Acresce que, a melhoria referida no parecer do Dr… é apontada como consequência da saída da região de Aveiro: “R. C. … sofreu desde a sua deslocação para Aveiro, agravamento clínico da sua asma brônquica c/ crises de predomínio nocturno e com melhoria com a saída da região de Aveiro.”.
10. Neste contexto, não é possível compreender que o autor do parecer embora enuncie à partida os elementos que iria ter em conta na sua análise, no final, conclua em sentido absolutamente contrário às premissas neles enunciadas. É, pois, forçoso concluir que a conclusão do parecer do Gabinete Médico dessa Caixa Geral de Aposentações, de 7 de Agosto de 1997, não tem qualquer fundamento e padece de erro evidente.
11. Sendo factores determinantes para a avaliação da presente questão o conhecimento da verificação ou não verificação do agravamento da situação clínica do reclamante e, em caso afirmativo, a determinação da medida em que esse agravamento teria constituído impedimento ao aproveitamento escolar do reclamante, é certo que a decisão a ela relativa havia, natural e necessariamente, que fundamentar-se numa opinião ou parecer médico.
12. No entanto, atento o exposto, também é certo que o Gabinete Médico dessa C.G.A. não se pronunciou, cabalmente, quer quanto à verificação do agravamento da situação clínica do reclamante, quer quanto às eventuais consequências dele decorrentes por forma que fosse determinado se a falta de aproveitamento escolar resultava ou não de causa não imputável ao reclamante.
13. Tal parecer médico contém juízo de valor que há que inserir no domínio da discricionariedade técnica. Todavia, tem a jurisprudência defendido a sindicabilidade das decisões quando baseadas em pareceres eivados de erro ou contradição manifestos. Tese esta que os serviços dessa Caixa, aliás, perfilham, como resulta do ofício n.º 1196, de 30 de Maio de 1997, dirigido a esta Provedoria de Justiça, onde se afirma não poder decidir-se, em matéria do foro médico, em oposição ao parecer da Junta médica, quando não se verificar existência de contradição flagrante ou erro grosseiro nesse parecer.
14. Assim sendo e uma vez que a decisão relativa à extinção do direito à pensão de sobrevivência adoptou os fundamentos do parecer médico, não pode deixar de concluir-se que tal decisão, atento o disposto no art.º 125º, n.º2, do Código de Procedimento Administrativo, carece de fundamento , tendo, nessa medida, violado o disposto no art.º 124º, n.º1, als.a), b), c) e e) do mesmo Código.
15. Dado que os elementos médicos referentes ao estado de saúde do reclamante, no período relevante para a apreciação do presente caso, dão conta de um agravamento do mesmo, bem assim como das consequências negativas quanto às possibilidades de o reclamante ter aproveitamento escolar, parece-nos justa a revisão do processo.
16. Acresce não existir qualquer razão de mérito que desaconselhe essa reapreciação. De facto, o interesse público é noção que não se opõe necessariamente ao interesse particular, devendo antes representar o melhor equilíbrio entre os interesses em presença. Nestas circunstâncias, não prosseguir o interesse do reclamante em receber a pensão de sobrevivência sem que a tal se oponha qualquer interesse público digno de relevo ou de prevalência sobre aquele, é solução que claramente atenta contra os princípios da proporcionalidade e da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos ( arts. 266º, n.ºs. 1 e 2 da C.R.P.e 4ºe5º do C.P.A.).
17. Em face do exposto,RECOMENDO:
A V.Exa. a revogação do acto que determinou a extinção do direito à pensão de sobrevivência do reclamante em 7 de Março de 1994, com o consequente pagamento das prestações em dívida.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel