Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira
Número:57/A/97
Processo:R-1008/93
Data:14.07.1997
Área: A1
Assunto:AMBIENTE – OFICINA DE REPARAÇÃO DE AUTOMÓVEIS – OBRAS DE AMPLIAÇÃO – LICENÇA DE UTILIZAÇÃO – LICENÇA DE CONSTRUÇÃO – DESCONFORMIDADE – RUÍDO – CONTAMINAÇÃO DA ÁGUA – DESPEJO ADMINISTRATIVO – DEMOLICÃO – REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS.
Sequência: Acatada
I-Exposição de Motivos
1. Requerida a intervenção deste Órgão do Estado a respeito de situação de prejuízo causada pelo funcionamento de oficina de reparação de automóveis denominada “Stand…”, no lugar de Ordonhe, freguesia de Argoncilhe, desencadeou a Provedoria de Justiça diversas diligências destinadas a conhecer da procedência da queixa apresentada, junto da Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Norte e da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.
2. No essencial, em resultado da actividade instrutória desenvolvida, foram apurados os seguintes factos:
2.1. Em 13.01.1987, deferiu a Câmara Municipal requerimento apresentado pelo Sr… para aprovação de um projecto de cobertura destinada ao abrigo de automóveis, pertencente a uma oficina possuída pelo requerente nas proximidades do local da construção projectada. Em 11.11.1986, fora indeferido anterior requerimento apresentado pelo munícipe, com a mesma finalidade e para aquele mesmo local. Licenciou a Câmara Municipal a construção de “um coberto para abrigo de automóveis com um piso”. Impôs a Câmara Municipal, como condições do licenciamento, a construção de fossa estanque e séptica e a exclusiva utilização da cobertura para os fins requeridos.
2.2. O Sr… requereu autorização para ampliação desta mesma obra, o que veio a ser indeferido em 27.04.1990.
Inconformado com o teor da decisão municipal e renitente à obediência que lhe é devida, o munícipe veio, ainda assim, a ampliar aquela construção. A ampliação foi embargada em 29.04.1992. O teor do auto de embargo refere-se ao local como constituindo uma oficina de reparação de automóveis.
2.3. Verificaram os serviços de fiscalização, em 9.06.1992, que não se mostrava respeitado o embargo, nem, tão pouco, a utilização prevista para a obra licenciada em 1987. Com efeito, foram observadas, no local, “actividades de chapeiro, mecânica geral, lubrificação, electricidade de automóvel, lavagens e pintura de automóveis, actividades que, pela afectação ambiental que provocam (ruídos, fumos, poluição das águas com hidrocarbonetos) têm justificado as frequentes reclamações apresentadas pelos residentes nas imediações”. A Câmara Municipal participou criminalmente os factos que indiciavam a desobediência ao embargo municipal decretado.
2.4. Concluídas as obras, jamais foi requerida a sua legalização, nem tão pouco foi encetado qualquer procedimento nesse sentido.
2.5. O infractor requereu licenciamento para a construção de uma outra cobertura, sobre a qual recaiu também decisão de indeferimento de 21.02.1994.
2.6. Através de comunicação ao munícipe de 24.10.1994, a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira ordenou a suspensão imediata da actividade exercida. Não obstante, fora solicitado à DRIE-Norte e à DRARN?Norte, em 21.10.1994, que interviessem numa vistoria a realizar conjuntamente ao local, tendo em vista definir medidas a adoptar. Em 7.06.1995 foi realizada a vistoria à denominada oficina “Stand…”, concluindo pela prática das actividades reclamadas. Ficou de ser confirmada a autorização pela Direcção Geral de Energia de um sistema de depuramento de óleos usados e de ser realizado ensaio de medição acústica. A Câmara Municipal pediu, em 10.07.1995, à Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Norte que facultasse o relatório das conclusões, em especial no que concerne aos aspectos hidrogeológicos e ao ruído, “considerando que a instalação é clandestina e se fez em zona de aglomerado residencial, junto de moradias e de um infantário”.
2.7. De acordo com declarações prestadas pelo Exmo. Vereador…, no âmbito de acção inspectiva que envolveu a deslocação de agentes desta Provedoria de Justiça à Câmara Municipal de Santa Maria da Feira em 10.11.1996 e em 11.10.1996, a situação mantinha-se inalterada, não tendo sido, desde então, facultadas quaisquer informações sobre o assunto à Provedoria de Justiça.
2.8. Por seu turno, esclareceu a Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Norte, em 8.04.1996, que não possui a oficina licença para descarga das águas residuais provenientes da lavagem de automóveis.
Mais informou o referido órgão que a actividade de preparação de tintas utilizadas nos trabalhos de reparação de veículos automóveis envolve a emissão de compostos orgânicos voláteis, e dá lugar à emanação de odores que se fazem sentir nas casas de habitação contíguas.
Reconheceu a Câmara Municipal a ilegalidade das obras realizadas pelo Sr…, de ampliação do coberto, bem como a ilicitude das utilizações praticadas pelo munícipe, em desconformidade com os fins projectados e licenciados. Foram também observados os inconvenientes que as actividades praticadas acarretam, à revelia de determinações municipais, e constatada a afectação dos recursos naturais e da qualidade de vida dos moradores vizinhos. A Câmara Municipal, pese embora o manifesto desrespeito, sem qualquer motivo razoável, pela autoridade das suas ordens e decisões, não faz uso dos poderes que a lei lhe confere para repor a legalidade infringida e fazer cessar as incomodidades que deram causa ao exercício do direito de queixa. Ao não dispor pela reintegração da ordem jurídica violada, antes recorrendo aos serviços desconcentrados da Administração Central, é a Câmara Municipal responsável por uma omissão injusta e ilegal, tanto mais reprovável quanto reforça a confiança do infractor na consolidação de actos ilegais, por inércia dos órgãos e serviços com competências próprias em sede de ordenamento territorial e urbanístico. Não deve a Câmara Municipal permitir que se convalidem situações de ilegalidade, criadas e alimentadas pelos munícipes, em menosprezo de determinações desse órgão, nem se divisam razões atendíveis para a legalização, por não merecerem protecção os seus interesses como proprietário, tanto mais que à flagrante violação da lei acresce a desobediência deliberada a ordens municipais de embargo e de cessação do exercício de utilizações ilícitas, e o manifesto desrespeito pelas condições do licenciamento concedido.
De acordo com a motivação exposta,RECOMENDO:
A) Que determine o exercício, pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, do poder de ordenar o despejo administrativo, com fundamento no disposto no artigo 165º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 44 258, de 31 de Março de 1962, relativamente às instalações ocupadas pelo Sr…, destinadas a abrigo de automóveis, por motivo de desconformidade entre o uso licenciado e a utilização prosseguida.
B) Que ordene a demolição das obras de ampliação, por não terem merecido aprovação municipal, fixando um prazo para execução dos respectivos trabalhos, nos termos previstos no art. 58º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.
C) Que determine que, em caso de incumprimento pelo munícipe das ordens de demolição proferidas, por não se mostrarem realizados os respectivos trabalhos no prazo fixado para o efeito, sejam os respectivos actos de execução praticados pelos serviços camarários, ou, em caso de impossibilidade, por terceiro, a expensas do notificado, nos termos previstos no artigo 58º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e no art. 155º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel