Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Número:55/A/97
Processo:R-1040/94
Data:10-07.1997
Área: A2
Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – MULTA FISCAL – PAGAMENTO EFECTIVO – PEDIDO DE RELEVAÇÃO – DEFERIMENTO – REEMBOLSO – CONVALIDAÇÃO DO ACTO – INDEFERIMENTO POSTERIOR – ILEGALIDADE – CÓDIGO MUNICIPAL DO IMPOSTO DE SISA E DO IMPOSTO SOBRE AS SUCESSÕES E DOAÇÕES.
Sequência: Acatada
Trago junto de Vossa Excelência um assunto que, muito embora tenha já sido apreciado na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, se encontra ainda pendente, desde logo porque o interessado continua convicto da razão que lhe assiste, posição com a qual não posso deixar de concordar pelos motivos que adiante enunciarei. Dado o tempo decorrido desde o início do processo cuja reapreciação solicito a Vossa Excelência, e para maior facilidade de exposição, importa destacar os principais factos e datas da respectiva ocorrência. Em 3 de Julho de 1986, efectuou o Reclamante supra identificado, na Tesouraria da Fazenda Pública de Velas (São Jorge – Açores), pagamento de multa no valor de Esc. 900$00, por atraso na entrega da participação de óbito de sua mãe, E…, falecida em 4 de Abril daquele mesmo ano. Dois dias decorridos sobre o pagamento da multa, dirigiu o interessado a Sua Excelência o Ministro das Finanças pedido de relevação da falta que dera origem ao pagamento da multa, justificando detalhadamente os motivos do atraso registado na participação do óbito, relacionados com a necessidade de prévia obtenção de vários documentos junto de diferentes serviços públicos. Por despacho de 7 de Novembro de 1986, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, viria a ser atendida a pretensão do Reclamante, tendo a respectiva falta sido relevada.
Notificado desta decisão, aguardou o interessado a consequente restituição do valor pago a título de multa, até 20 de Outubro de 1990, data em que requereu expressamente tal restituição, única forma de concretizar e dar sentido útil ao despacho de 7 de Novembro de 1986 acima referido. Sobre este requerimento viria a recair o despacho de 26 de Abril de 1991, igualmente do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, despacho exarado sobre a informação que se anexa (doc. n.º 1), a qual fora precedida de informação e despacho prévios, em sentido oposto, cuja cópia também se anexa, para melhor elucidação (doc. n.º 2). Pode, portanto, desde já concluir-se que a decisão tomada não foi pacífica, acabando, em minha opinião, por ser adoptada a solução que menos serve a justiça e a legalidade. Verifica-se, com efeito, que o despacho de indeferimento de 26.04.91, proferido quase cinco anos após aquele outro que relevara a falta do Reclamante, faz daquele primeiro despacho letra morta com base no único fundamento de ter sido proferido sem ser considerado o facto de a multa correspondente à falta relevada já haver sido paga à data em que tal relevação foi solicitada. Realce-se, desde logo, que o facto de o prévio pagamento da multa não ter sido levado em conta na tomada da decisão de relevação da falta ficou a dever-se, apenas, a lapso da administração fiscal, como, aliás, se afirma expressamente na informação anexa como documento n.º 1. Tal lapso, se detectado atempadamente, poderia ter sido corrigido, mas apenas nos termos então previstos no artigo 18.º, n.º 2.º, da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei n.º 40 768, de 8 de Setembro de 1956). Isto é, enquanto acto constitutivo de direitos – que efectivamente é, mesmo se a tal qualificação for aplicada a tese algo restritiva do conceito de acto constitutivo de direitos perfilhada por Robin de Andrade a fls 93 e seguintes de “Revogação dos actos administrativos”, 2.ª edição, Coimbra Ed., 1985 – , o despacho de 07.11.86 poderia ter sido revogado, desde que tal revogação se fundasse em ilegalidade e ocorresse dentro do prazo fixado por lei para o recurso contencioso (um ano, de acordo com a doutrina largamente maioritária, por ser este o prazo mais alargado dos previstos no artigo 28.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho). Findo o referido prazo de um ano, ocorreu a convalidação do acto que relevou a falta do contribuinte, pelo que tal acto passou a constituir caso resolvido, designação comummente utilizada pela jurisprudência e doutrina maioritárias, que equiparam a força de tal acto à do caso julgado, insusceptível, por isso, de arguição da sua ilegalidade e invalidade. Vejam-se, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STA de 09.12.82, 06.02.86 e 20.01.87, in Acórdãos Doutrinais n.ºs 254 (págs. 195), 303 (págs. 348) e 318 (págs. 709), respectivamente. Bem andou, pois, o então Director de Serviços, (vd. doc. n.º 2), ao defender a impossibilidade de revogação do despacho de relevação da falta e ao extrair deste facto – indiscutível face à lei vigente – a única conclusão possível: o dever de a administração restituir ao contribuinte a importância da multa paga, única forma de executar um acto constitutivo de direitos cuja validade deixara de ser questionável e cujo sentido útil só poderia ser alcançado mediante a restituição do referido montante. Ora, a questão da convalidação não foi devidamente ponderada na tomada da decisão de 26.04.91, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, constante do documento n.º 1, anexo. Um dos fundamentos daquela decisão de recusa de restituição do valor da multa paga é a invocação da doutrina firmada acerca de caso análogo, o qual, apreciado neste órgão do Estado, veio a revelar-se diferente do agora em apreço, precisamente quanto ao decurso do prazo de convalidação do acto revogado. No âmbito desse mencionado “caso análogo”, o Parecer proferido pela Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças (n.º 118/89, Ent. 1365/89) a propósito da questão objecto do processo 25/5, Livro 9/5082, informação n.º 1593, da então 6.ª Direcção de Serviços da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, concluiu pela forma que me permito transcrever, para melhor elucidação:
“Nestes termos, emite-se parecer no sentido do indeferimento do requerimento da empresa (…) e no sentido de que deve ser revogado o despacho de 6.9.89 do Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais [autorizando a redução de multa quando já havia decorrido o prazo durante o qual tal prerrogativa podia ser concedida], dado o vício de que enferma [falta de fundamento legal], como atrás ficou referido, para o que está em tempo (…) dada a possibilidade de impugnação contenciosa do mesmo”.
Esclareça-se que tal Parecer data de 31.10.89.
Neste ponto, portanto, o caso descrito não é análogo ao que agora se aprecia, diferindo, mesmo, no essencial: num dos casos (o agora citado) sublinha-se o facto de a revogação do despacho que reduz a multa ser ainda possível, no outro (o do Reclamante no presente processo) defende-se a revogação de acto já consolidado. Um segundo argumento invocado na informação em que se fundamentou o despacho de 26.04.91, é a falta de apoio legal para proceder à solicitada restituição da multa paga, já que, afirma-se, “só podem ser restituídas as importâncias indevidamente pagas – art.º 36.º da carta de Lei de 8.SET.1908 -, e a multa paga antes de concedida a relevação é legalmente devida”. Antes da relevação da falta, a multa em apreço era efectivamente exigível e por isso foi paga. Porém, após ter sido proferido o despacho de 07.11.86 que relevou a falta consistente na entrega, com atraso, da participação de óbito da mãe do Reclamante, tal actuação deixou de ser punível e a respectiva multa deixou de ser legalmente devida, pelo que podia – e devia – ter sido restituída. A acrescer ao que se vem afirmando acerca da validade do acto que relevou a falta do contribuinte e à consequente necessidade de execução do mesmo, alcançável através da restituição do montante de Esc. 900$00, pago pelo interessado a título de multa, diga-se que só esta solução pode repor a justiça de um caso em que, mais do que o valor da multa, está em causa o respeito de direitos e expectativas dos administrados e o respeito pelos princípios da justiça e da imparcialidade, cuja protecção decorre do disposto no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto,RECOMENDO:
Que seja restituído ao Reclamante supra identificado o valor pago a título de multa por entrega, fora de prazo, da participação a que se refere o artigo 60.º do Código Municipal do Imposto de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, única forma de atribuir conteúdo útil ao despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que relevou a falta da qual resultou a aplicação da referida multa.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel