Primeiro-Ministro
Número:18/B/97
Processo:IP-33/85
Data:2.09.1997
Área: A1
Assunto:AMBIENTE – CONFLITOS DE VIZINHANÇA – COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA CÂMARA – TRIBUNAIS ARBITRAIS – JURI AVINDOR – SEPARAÇÃO DE PODERES – MEDIDA LEGISLATIVA.
Sequência:Acatada
I-Exposição de Motivos
Considerações Preliminares
1. Competindo ao Provedor de Justiça assinalar as deficiências legislativas que verifique, emitindo, consequentemente, recomendações que contribuam para a sua alteração ou revogação, quando for esse o caso, entendo dever exercer o poder de recomendar a promoção de alterações substanciais ao regime contido no Decreto n.º 28040, de 14 de Setembro de 1937, em matéria de resolução por órgãos não jurisdicionais de conflitos de vizinhança sobre plantações ou sementeiras de espécies florestais de crescimento rápido que contrariem o disposto na Lei n.º 1951, de 9 de Março de 1937 e no Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937. Isto, sem prejuízo do que veio o Tribunal Constitucional a decidir, declarando com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de algumas dessas normas, com o efeito de devolver aos Tribunais o poder de dirimir esta categoria de conflitos.
2. Muito embora se trate de matéria compreendida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art. 168º, n.º 1, alínea q] da Constituição), julgo, no entanto, não dever deixar de me dirigir ao Governo, atendendo aos poderes de iniciativa legislativa que a Constituição prevê (art. 171º, n.º 1) e, fundamentalmente, aos antecedentes da presente recomendação, consubstanciados em diligências várias promovidas junto de diversos ministérios.
3. Na origem desta minha intervenção encontram-se frequentes reclamações contra atrasos na organização e instrução de processos instruídos nas câmaras municipais por requerimento de particulares que pretendem fazer os seus direitos contemplados na citada legislação.
4. Desde há muito que o Provedor de Justiça vinha expondo esta situação, chamando a atenção, não só para os inconvenientes que a manutenção do actual regime legislativo importa, como também, apontando a inconstitucionalidade das suas normas por infracção aos princípios da separação de poderes do Estado e de reserva da função jurisdicional aos Tribunais, sugerindo, além do mais, alguns meios aptos a resolver sem elevados custos, nem previsíveis adversidades, os numerosos litígios emergentes da sementeira e plantação de eucaliptos, acácias mimosas e ailantos “a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos” (art. 1º do Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937).
Das normas do Decreto-Lei n.º 28 039 e do Decreto n.º 28 040, de 14 de Setembro de 1937
5. Na verdade, o legislador conferira às Câmaras Municipais o poder de ordenar o arranque de certas espécies florestais a requerimento dos interessados, desde que não relevem para apreciação da questão aspectos concernentes à propriedade ou posse dos prédios (art. 2º do Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937). Fixou, de resto, uma interdição aos Tribunais de apreciarem a matéria, já que, ainda no caso de previamente ser suscitado incidente respeitante à propriedade ou posse, os tribunais ordinários se encontrariam cingidos, por força do mesmo preceito (parte final), à matéria do incidente.
6. Do mesmo passo, foi instituído o júri avindor (art. 3º), ao nível paroquial, composto por três homens bons da freguesia, incumbido de três poderes: de conciliação, de apreciação dos pressupostos de facto determinantes da decisão da câmara municipal e de fixação da justa indemnização, nos casos em que esta seja devida.
7. Os poderes deste órgão são concretizados no Decreto n.º 28040, de 14 de Setembro de 1937, o qual regula ainda a sua composição e funcionamento, para além de definir a articulação da decisão que profere com o poder de ordenar o arranque confiado, como se viu, ao presidente da câmara. Este, após ser-lhe concluso o processo, “fará notificar o requerido para proceder ao arrancamento em prazo designado, segundo as decisões do júri, e, na falta de cumprimento, ordenará que sejam arrancadas por pessoal da câmara” (art. 8º).
8. Dispõe-se ainda no mesmo diploma caber recurso da decisão do júri avindor para os Tribunais, contudo, restrita à fixação do valor da indemnização (art. 11º).
Das razões da Intervenção do Provedor de Justiça
9. Assim, em todo o mais, apenas seria recorrível o acto do presidente da câmara municipal, e circunscrito o objecto do recurso ao conhecimento da legalidade do procedimento que o antecedeu. Na verdade, determina-se no art. 83º, n.º 2 do Código Administrativo que “das decisões definitivas e executórias do presidente da câmara municipal, quando tomadas no exercício da sua competência de magistrado administrativo e superior autoridade municipal, só pode interpor-se recurso contencioso e com fundamento em incompetência, excesso de poder ou violação de lei, regulamento ou contrato administrativo”, sem que esta norma haja sido revogada pela do art. 114º da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro,, ao invés do que ocorreu com as dos arts. 79º e 80º, como afirma ESPÍRITO SANTO LOPES (Plantações de Eucaliptos, Acácias e seu Arranque, Coimbra, 1981, p. 44).
10. Pese embora o facto de o presidente da câmara municipal já não dever ser tido como um magistrado administrativo, de acordo com Parecer n.º 173/79, de 24-1-1980, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (DR, II Série, 123, de 28-5-1980), o certo é não se poder, sem mais, afastar o apertado crivo da recorribilidade das decisões sobre arranque de espécies florestais de rápido crescimento. deve dizer-se, ainda, que a conclusão a que chega o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República no aludido parecer assenta na premissa de ter ocorrido “a supressão das atribuições dos presidentes das câmaras municipais que lhe conferiam a dignidade de magistrados administrativos”, o que, afinal, fica por demonstrar.
11. Nem se creia, tão pouco, que o júri avindor haja sido extinto com a entrada em vigor da Lei n.º 28/77, de 6 de Dezembro, por no seu art. 83º se determinar a extinção de todos os órgãos jurisdicionais não previstos naquela lei, como chegou a ser decidido em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-11-1978 (BMJ, 281, p. 287). O júri avindor não é um órgão jurisdicional, antes constitui um órgão não jurisdicional que prossegue funções de natureza jurisdicional, sendo precisamente este o ponto onde se levanta o problema da sua conformidade com o disposto no art. 205º da Constituição. Por outro lado, recorrível é o acto do presidente da câmara municipal, também ele compreendendo parte do exercício dos poderes confiados constitucionalmente aos Tribunais.
12. De resto, ilustrativas das situações de morosidade que vêm sendo indicadas e da completa desarmonia de entendimentos que têm vindo a ser dados ao problema são as respostas recolhidas na instrução de vários processos na Provedoria de Justiça.
13. Assim, passo a transcrever alguns elementos recolhidos na instrução de processos pela Provedoria de Justiça:
(1) “A Câmara Municipal tem vindo a fazer tentativas de nomeação do Júri Avindor que até esta data têm sido infrutíferas, por recusas sucessivas. Hoje mesmo, e mais uma vez serão contactadas as Juntas de Freguesia para colaboração no processo. Apesar da na freguesia em causa não existir o referido Júri, a Câmara Municipal na tentativa de resolver o assunto que se arrasta há já bastante tempo, notificou o Senhor … para no prazo de 90 dias a contar de 7 de Março de 1985, proceder ao arranque das árvores. Dadas as dificuldades de as acções serem resolvidas por via administrativa, somos de opinião que se devia fazer um estudo para que fossem os tribunais a desenvolver os processos” (Procº R- 207/85, resposta do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, transmitida a coberto do ofício n.º 678, de 8-4-1985).
(2) “Com a entrada em vigor da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro que atribui aos Tribunais Judiciais a exclusividade do exercício da função jurisdicional, deixaram as Câmaras municipais de possuir competência no domínio dos denominados �Processos de arranque de eucaliptos” “A partir de então tais processos passaram a ser remetidos para o Tribunal Judicial da Comarca, que lhes tem dado seguimento” (Procº…, resposta do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, transmitida a coberto do ofício n.º …).
(3) “O Senhor presidente da Câmara Municipal, em …, ordenou a notificação do requerido, para proceder ao arrancamento das árvores, até 30 de Junho de 1993. O requerido foi notificado em 24 de Junho de 1993 e, em 8 de Agosto de 1993 o fiscal municipal verificou que os eucaliptos não tinham sido arrancados. O referido processo foi então remetido ao Mº Juíz do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, pela Câmara Municipal de Mira, sob o pretexto de que, ao Tribunal Comum pertence dirimir a questão. O Mº Juíz ordenou a devolução dos autos à Câmara Municipal de Mira e, agora o processo foi remetido à Delegada do Procurador da República com o fundamento de que �ao Tribunal Comum pertence dirimir esta questão” (Procº …, parecer anexo à resposta do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Mira, transmitida a coberto do ofício n.º …).
(4) “Esta Junta de Freguesia informa que nesta Autarquia já existiu um Juri Avindor, mas dado as suas complicações com requerentes e proprietários dos prédios a investigar a sua realidade também de alguns processos que tinham andamento por parte do Juri e de seguida não tinham outro andamento, segundo as reclamações ditas pelo dito Juri, o certo é que esta Junta de Freguesia já contactou todas as pessoas que no seu entender reúnem o bom senso desta terra o certo é que ninguém aceita formar o novo Juri Avindor. Atentos a estes casos a Junta de Freguesia informou a Câmara que (…) não encontrou iniguém para assumir essa responsabilidade, caso a Câmara entenda que deve ser formado que o nomeie dentro das suas possibilidades” (Procº …, resposta do Senhor Presidente da Junta de Freguesia de Balasar, concelho da Póvoa do Varzim, transmitida a coberto do ofício n.º …).
(5) “Para cumprimento do disposto no art. 3º do Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937, foi o processo enviado ao Júri Avindor da freguesia de Canedo, através do n/ofício n.º… . Aguardamos o envio do processo acompanhado do auto de diligências do Júri Avindor” (Proc.º …, resposta do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, transmitida a coberto do ofício n.º …).
Da instrução do Processo pela Provedoria de Justiça
13. Com o desiderato de ver devidamente ponderada a revogação das normas apontadas, já por ofícios de …, a Provedoria de Justiça pediu aos Gabinetes de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna e de Sua Excelência o Ministro da Justiça que se pronunciassem acerca da “possibilidade de deferir aos Tribunais competência para dirimir as questões suscitadas entre os cidadãos interessados no arrancamento das mencionadas plantações ou sementeiras e os proprietários destas últimas.”
14. Através das citadas comunicações, especificavam-se ao Governo os inconvenientes da situação e que fundamentavam as plúrimas reclamações apresentadas ao Provedor de Justiça : “nalguns casos, a dificuldade de nomeação ou de substituição do júri avindor a que se refere o art. 3º do citado Dec. n.º 28040, apesar de o respectivo § 1º restringir os motivos de escusa e substituição para o exercício daquelas funções; noutras hipóteses decorrem da morosidade com que o júri avindor procede à realização dos actos e diligências que lhe cumpre efectuar, não obstante o preceituado no § 4º do mesmo Decreto; e, por vezes, resultam ainda da necessidade de se repetirem diligências que não foram adequadamente realizadas, ou de se suprirem omissões entretanto verificadas, ou até de se obterem do júri avindor quaisquer esclarecimentos complementares que os Presidentes das Câmaras Municipais considerem oportuno solicitar-lhes, nos termos do art. 8º, § 1º do Decreto n.º 28040”.
15. Respondeu o Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça, em …, indicando ter solicitado parecer ao Gabinete de Apoio Técnico e Legislativo.
16. Respondeu o Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, em …, pronunciando-se a favor de uma revisão do Decreto-Lei n.º 28039 e do Decreto n.º 28040, com base em parecer do Gabinete de Apoio às Autarquias Locais.
17. Em 4-2-1986, foi recebido um parecer do referido Gabinete de Apoio Técnico Legislativo, o qual mereceu concordância de Sua Excelência o Ministro da Justiça, e de cujo teor sobressai que “se decorridos dois meses sobre a apresentação do pedido na Câmara Municipal, os interessados não obtiverem qualquer resposta e não ocorrerem os casos de força maior a que se refere o § 4º do art. 7º do Decreto n.º 28040, poderão recorrer aos tribunais para realização do seu direito”, concluindo-se pela necessidade de ser ouvido o Ministério da Agricultura para “no caso de concordar com esta proposta, colaborar na elaboração do respectivo diploma legal”.
18. Subsequentemente, foi a Provedoria de Justiça informada do despacho de 11 de Janeiro de 1986, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Agricultura, determinando “a disponibilidade dos Serviços deste Ministério p/colaborarem nas alterações legislativas, que sejam consideradas convenientes”. É de referir que este despacho foi proferido com base em informação do da Direcção-Geral das Florestas, onde se conclui pela revogação tácita da Lei n.º 1951, de 9 de Março de 1937 (inversamente ao que se defende no parecer do Minstério da Justiça), e no qual se propôs, entre outras medidas, que: “sejam mantidas as disposições legais, quanto às distâncias das plantações de eucaliptos, acácias dealbate e ailantos, nas condições expressas no Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937; fiquem preservadas todas estas espécies já plantadas legalmente, quando da construção futura de prédios, muros, hortas, poços ou captações de água; continue a existir a constituição do júri avindor fazendo dele parte um técnico dos serviços periféricos da Direcção-Geral das Florestas, por se tratar de assuntos do seu âmbito, requerendo este parecer, quando o achar conveniente, de outros organismos”.
19. Em 2-9-1986, veio a ser recebida nova informação do Ministério da Justiça, aprovada por despacho ministerial de 1-9-1986, em cujo teor se refutam alguns pontos da posição sustentada pelo Ministério da Agricultura, muito embora se convirja no aspecto relativo à necessidade de revisão dos actos legislativos em causa. Em conclusão, sugere-se a constituição de um grupo de trabalho com vista à obtenção de uma solução consensual.
20. De modo a conhecer a evolução que o assunto, entretanto, haja sofrido, designadamente, no tocante à constituição do aludido grupo de trabalho, foram inquiridos, em 4-11-1986, os Gabinetes de Sua Excelência o Ministro da Justiça, de Sua Excelência o Secretário de Estado da Agricultura e de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território.
21. A primeira resposta, enviada do Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça, veio a ser obtida em 19-2-1987, mas limita-se a informar ter sido inquirido o Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
22. Mais informou o Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado da Agricultura, por ofício de …, que obtivera concordância a proposta do Ministério da Justiça.
23. Subsequentemente, em 29-10-1987, é conhecida a posição do novo Governo, através de ofício do Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça, segundo o qual, teria sido retomada a análise da questão.
24. A isto, viria a ser acrescentado, em 7-4-1988, pelo mesmo Gabinete, uma informação de 26-2-1988, recolhida junto da Câmara Municipal de Lisboa pela Direcção-Geral da Administração Autárquica. Da mesma informação se retira perfilhar o município a posição que sustenta a necessidade de revisão, muito embora se exprima, do mesmo passo, posição desfavorável à devolução dos poderes camarários e do júri avindor aos Tribunais comuns, atendendo aos frequentes atrasos judiciais.
25. Por uma vez mais, foi pedida ao Ministério da Justiça informação complementar (ofº … ) ,ponderando que, “a não se encontrar outra alternativa adequada ao regime actualmente definido no Decreto-Lei n.º 28039 e no Decreto n.º 28040, ambos de 14 de Setembro de 1937, em matéria de resolução dos conflitos gerados pela plantação ou sementeira, em condições ilegais, das árvores a que aludem os referidos Diplomas, a competência para resolução desses conflitos passará a pertencer aos Tribunais (arts. 205º e 206º da Constituição da República Portuguesa), caso venha a ser reconhecida e declarada a inconstitucionalidade das normas que presentemente deferem essa competência às Câmaras Municipais, através dos respectivos Presidentes ( art. 2º do Decreto-Lei n.º 28039 e art. 8º do Decreto n.º 28040)”.
26. Atendendo a este pedido informativo, através do ofício n.º …, esclareceu aquele Gabinete que o Ministério da Justiça iria propor ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território e ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, a criação de uma comissão destinada a estudar o assunto ” e, porventura, propor alteração legislativa”.
Da Nomeação da Comissão Inter-Ministerial Para Estudo das Questões
27. Em 29-12-1988, e após nova diligência promovida pela Provedoria de Justiça, foi tomado conhecimento da criação por despacho ministerial conjunto de um grupo de trabalho para elaborar proposta de revisão do regime actual.
28. Com efeito, foi publicado no Diário da República, II Série, de 7-12-1988, o citado despacho, nomeando um representante por parte de cada um dos três ministérios envolvidos, e em cuja nota explicativa se pode ler: “O regime legal relativo ao arrancamento de plantações ou sementeiras feitas contra o disposto na lei tem-se revelado ineficaz e tem criado inúmeros problemas. Com efeito, têm-se verificado enormes atrasos na tramitação ou resolução dos processos de arrancamento, organizados, ao abrigo do Decreto 28040, de 14-9-1937, nas câmaras municipais com base em requerimentos de cidadãos proprietários de terrenos vizinhos àquelas plantações ilegais. Esses atrasos, que têm conduzido ao pronunciado arrastamento dos processos por largos anos (por vezes, cerca de dez) , devem-se, na maioria dos casos, a dificuldades de funcionamento do júri avindor, entidade composta por três homens bons da freguesia com competência para promover a conciliação dos interessados, verificar e determinar a matéria de facto e fixar a indemnização justa, nos casos em que for devida. Constatando-se este facto e a necessária desactualização da legislação em vigor face às realidades actuais; tendo ainda em conta que a problemática das plantações ou sementeiras ilegais merece da lei um tratamento mais rigoroso, atendendo ao valor social da terra e à necessidade de reordenamento do território e de tutela de interesses públicos relevantes, como sejam, por exemplo, o da defesa dos solos agrícolas, das culturas e dos recursos hídricos ou o da segurança das construções; verificando, finalmente, a necessidade de um processo que seja justo e eficaz, mas também suficientemente rápido para não permitir o crescimento ou a formação completa das árvores plantadas ao arrepio da lei; tendo tudo isto em consideração, julga-se ser necessária a alteração do regime actual, no sentido atrás exposto, para o que é conveniente o estudo aturado, por parte de todos os departamentos envolvidos, das implicações que essa alteração poderá provocar”.
29. Do trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho veio a resultar um conjunto de conclusões e propostas de entre as quais é de salientar um anteprojecto legislativo, apontando para uma solução arbitral.
30. Seria de esperar, então, uma solução para o problema que se vinha, afinal, arrastando há cerca de quatro anos.
Das Propostas Conclusivas dos Trabalhos da Comissão e sua Sequência
31. Todavia, passados que se encontram onze anos sobre a primeira intervenção da Provedoria de Justiça sobre este assunto, nada de novo viria a ter lugar no plano legislativo que pudesse, por um lado, suprimir a inconstitucionalidade das normas repetidas vezes individualizadas, e por outro, pôr cobro à muito deficiente estrutura de composição destes litígios.
32. Decorridos onze anos, continua o Provedor de Justiça a receber queixas provenientes dos mais diversos pontos do País, relativas à indefinição mantida e aos múltiplos prejuízos sofridos pelos particulares, atingidos no seu direito fundamental de acesso à Justiça (art. 20º, n.º 1 da Constituição).
33. Na verdade, em 7-6-1991, informava o Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça “que já foi recebida a posição da Associação Nacional de Municípios Portugueses, sobre o projecto mantendo-se em curso a ultimação do mesmo”, seguindo-se novo esclarecimento da mesma fonte, em 30-10-1991, indicando que o projecto de Decreto-Lei se encontraria em ultimação no Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
34. Em 19-6-1992, o quadro mantinha-se quase inalterado, porquanto, de acordo com resposta a nova diligência desta Provedoria, informava o Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça aguardar-se poder ultimar o projecto a breve trecho.
35. Sem que nada viesse a ser adiantado sobre o assunto, foi inquirido o Gabinete de Sua Excelência o Ministro do Planeamento e da Administração do Território, através do ofício n.º 10187, de 19-7-1993, cuja resposta, de 6-1-1994, apontava para agendamento próximo de reunião de Secretários de Estado.
36. Decorrido novo período de silêncio por parte dos Gabinetes interlocutores, determinei a presença nas instalações desta Provedoria de um representante de cada um dos três departamentos governamentais envolvidos, a fim de ter lugar uma reunião que permitisse conferir novo impulso à resolução do problema.
37. Em conformidade, realizou-se em 8-11-1994, a reunião convocada, em cujo decurso foi explicado o conteúdo do projecto formulado pela citada Comissão e exposto o relatório que o antecedeu.
38. Este último dá conta de um inquérito dirigido a todos os municípios, veiculado pela Associação Nacional de Municípios Portugueses, de onde se concluiu, como mais relevante que “se apurou a existência total de 1 262 processos, sendo de chamar a atenção para a circunstância de muitas câmaras municipais só terem fornecido números para os anos de 1984 a 1988, enquanto que muitas outras indicaram a existência de processos com o seu início em anos anteriores”.
39. Do projecto de diploma merecem transcrição os seus principais traços característicos, de resto, em síntese produzida pelos seus autores: “Sendo a ineficácia e a morosidade os principais problemas detectados no ainda vigente processo de arrancamento de eucaliptos e outras espécies florestais, natural se torna a preocupação dos signatários em tentar descobrir e harmonizar um conjunto de normas processuais, tendentes a tornar o futuro processo mais eficaz e célere. Assim, e como fundamentais novidades introduzidas no projecto de diploma, surgem o Tribunal Arbitral necessário (com uma competência alargada para dirimir o conflito de interesses em causa) e a Direcção-Geral das Florestas (organismo da Administração Pública ao qual incumbirá assegurar o apoio técnico e administrativo ao longo do processo). São ainda de destacar, desta feita na parte substantiva, as seguintes alterações ao regime legal vigente:
-o alargamento das espécies florestais contidas no âmbito de aplicação do diploma;
-o alargamento de 30 para 40 metros da distância que deve mediar entre as espécies florestais de rápido crescimento e as nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos (aliás, em conformidade com o disposto na Base I, da Lei n.º 1951, de 9 de Março de 1937)”.
40. Refira-se que o trabalho desenvolvido por esta Comissão contou, ainda, com o contributo do Senhor Dr. Espírito Santo Lopes, autor da única obra jurídica conhecida que a doutrina dedicou ao assunto.
41. O projecto conta com 21 artigos, repartidos, no essencial, entre as disposições de carácter substantivo – para cuja elaboração confessa ter atendido a estudos de natureza silvícola e ambiental -, a definição dos poderes do Tribunal Arbitral necessário e sua composição, as normas de carácter processual, e por fim, a expressa revogação do § único do art. 5º do Decreto n.º 13658, de 20 de Maio de 1927, na redacção do Decreto n.º 16953, de 8 de Junho de 1929, a Lei n.º 1951, de 9 de Março de 1937, o Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937 e o Decreto n.º 28040, de 14 de Setembro de 1937.
42. Esta solução não veio, jamais, a merecer aprovação legislativa, apesar de nada parecer obstar à sua natural sequência. Parece corresponder às necessidades de celeridade processual, evitando, do mesmo passo, um afluxo não despiciendo de novos processos nos Tribunais comuns, e permite salvaguardar, através da composição propugnada (um árbitro a designar pela Direcção-Geral das Florestas) a presença na tomada da decisão dos interesses públicos administrativos subjacentes na segurança das edificações, na preservação dos recursos hídricos e no ordenamento territorial. Não devo também deixar de sublinhar a articulação que se formula com a disciplina contida no Decreto-Lei n.º 175/88, de 17 de Maio.
Da Jurisprudência do Tribunal Constitucional
43. Ulteriormente, e confirmando as teses que vinham sendo sustentadas pelo Provedor de Justiça, veio o Tribunal Constitucional a decidir, em sede de fiscalização concreta, julgar inconstitucionais as normas em causa.
44. Assim, tanto no acórdão n.º 630/95, de 8 de Novembro de 1995 (DR, II, 92, de 18-4-1996), como também no acórdão n.º16/96, de 16 de Janeiro de 1996 (DR, II, 113, de 15-5-1996, p. 6482), o Tribunal decidiu pela violação das normas constitucionais dos arts. 113º, n.º 2, 114º, n.º 1, e 205º, n.ºs 1 e 2.
45. Entendeu a suprema jurisdição constitucional, em abono da posição sustentada pelo Ministério Público, que estas mesmas normas, “quando interpretadas de modo a consentirem que um puro acto administrativo, praticado por um órgão autárquico, dirima um mero conflito privado de vizinhança entre proprietários de terrenos vizinhos” (Ac. n.º 16/96, de 16 de Janeiro de 1996).
46. Para o Tribunal Constitucional, no sistema cuja revisão se recomenda, “não é o interesse público que se visa aí promover, mas sim a solução de um conflito de interesses entre proprietários de terrenos” (idem).
47. Não devo, porém, deixar de referir ter sido proferida declaração de voto de vencido no primeiro dos citados acórdãos do Tribunal Constitucional, cujo teor bem reflecte, segundo creio, que não é – nem pode sê-lo – clara e evidente a distinção entre o exercício da função jurisdicional e o exercício da função administrativa, pois, como admite o Tribunal “é certo que a defesa dos espaços florestais e a protecção do ambiente se inscrevem no âmbito do interesse público, desprendendo-se da historicidade dos diplomas em apreço e dos objectivos por eles perseguidos o propósito de, ao lado dos interesses individuais e particulares dos cidadãos ali acautelados, se intentar também proteger, ao menos indirectamente, interesses da própria colectividade”.
48. Mas o ponto está – e o Tribunal não hesitou em reconhecê-lo – em que “aqueles órgãos, enquanto tais, isto é, enquanto órgãos de composição de conflitos, não se assumem como órgãos administrativos no desempenho de uma pura actividade administrativa”. Isto parece suficientemente demonstrado pela circunstância de a sua intervenção (câmara municipal e júri avindor) depender de iniciativa processual dos interessados particulares.
49. Esta jurisprudência viria a ser consagrada em fiscalização abstracta sucessiva, através do Acórdão n.º 963/96, do Tribunal Constitucional (DR, II, n.º 234, de 9-10-1996), proferido nos termos do disposto no art. 281º, n.º 3 da Constituição, nele se concluindo por declarar inconstitucionais com força obrigatória geral a primeira parte da norma contida no art. 2º do Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de setembro de 1937, e as normas do art. 1º e seu § 1º, arts. 2º e 8º do Decreto n.º 28040 da mesma data. A decisão fundou-se na violação do disposto no art. 205º, n.º 1 da CRP, quando articulado com outras normas e princípios constitucionais identificados no acórdão. Isto significa que a decisão atingiu, apenas e tão só, a competência que era confiada ao presidente da câmara municipal para dirimir os conflitos emergentes, sem quebra das disposições substantivas em matéria de plantio de eucaliptos, acácias e outras espécies florestais de crescimento rápido e sem prejuízo também da função do júri avindor (embora esta perca sentido no contexto do esvaziamento da autoridade municipal para executar as suas decisões e para solicitar a sua intervenção).
Dos Interesses Públicos de Ordem Administrativa
50. O que deverá reter-se, neste preciso aspecto, é que, a par da necessária composição de litígios entre os proprietários de prédios vizinhos, relativamente à sementeira e plantação de espécies florestais de rápido crescimento, encontra-se o interesse público na preservação dos recursos hídricos, na segurança das construções e no ordenamento florestal, o qual é assegurado, no entanto, pela aplicação dos regimes contidos nos Decretos-Lei n.ºs 175/88, de 17 de Maio e 139/89, de 28 de Abril, bem como na Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho.
51. E nem se julgue que a revisão legislativa que ora se recomenda deixa menos protegidos estes interesses públicos por acompanhar a subtracção da intervenção de órgãos da Administração Pública, porquanto se cura nestes últimos citados diplomas de reger a sua prossecução. Tanto assim é, e reflectindo o interesse público administrativo no cumprimento das disposições substantivas do Decreto-Lei n.º 28039 e do Decreto n.º 28040, que a Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho, proíbe “nos termos do Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937, a plantação ou sementeira destas espécies a menos de 20 metros de terrenos cultivados e a menos de 30 metros das nascentes, terras de cultura, regadio, muros e prédios urbanos” (n.º 1, alínea e] ), sendo certo que as actividades silvícolas em questão se encontram sujeitas a licenciamento.
II-Conclusões
A. Considerando ser causa de múltiplos inconvenientes para os cidadãos o sistema que vigorava de composição de conflitos entre proprietários de prédios vizinhos até à publicação do Acórdão n.º 963/96, do Tribunal Constitucional, de 9-10-1996, relativamente à sementeira e plantação de espécies florestais de rápido crescimento, tal como resultava da articulação de competências da Câmara Municipal, do seu presidente e do júri avindor, nos termos do que era disposto no Decreto-Lei n.º 28039 e no Decreto n.º 28040, ambos de 14 de Setembro de 1937;
B. Por serem inconstitucionais (e, como tal, já declaradas com força obrigatória geral) as normas destes diplomas, ao confiarem a órgãos administrativos o exercício de poderes contidos na função jurisdicional, em ofensa ao princípio da separação de poderes e da reserva da função jurisdicional aos Tribunais;
C. Visto ter sido desenvolvido apreciável trabalho pela Comissão incumbida de analisar o assunto e, em conformidade, proposto projecto de revisão legislativa;
D. Registando o facto de se arrastarem desde 1985 as diligências promovidas pelo Provedor de Justiça com vista a uma solução que reintegre os cidadãos lesados no acesso à Justiça;
E. Verificando encontrarem-se acautelados os interesses públicos de ordem ambiental, silvícola e de ordenamento territorial através da aplicação do regime resultante do Decreto-Lei n.º 175/88, de 17 de Maio, Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril e da Portaria n.º 528/89, de 11 de Julho, desde que mantido o disposto no art. 1º do Decreto-Lei n.º 28039, de 14 de Setembro de 1937 ou refundido o seu conteúdo em novo diploma;
F. Ciente, por fim, de se justificar um meio de resolução dos litígios entre vizinhos, neste âmbito, com características de celeridade e com especiais exigências de conhecimentos tecnico-científicos, em atenção às espécies florestais em causa (que reclamarão dos Tribunais o frequente recurso a peritos) – solução de arbitragem ponderada pela referida Comissão; e,
G. Visando aplicar um modelo promissor de solução de conflitos ainda não suficientemente incrementado na nossa ordem jurídica, apesar da faculdade aberta pela norma contida no art. 211º, n.º 2 da Constituição,RECOMENDO:
ao Governo superiormente dirigido por Vossa Excelência que promova junto da Assembleia da República a iniciativa legislativa de revisão das normas contidas no Decreto-Lei n.º 28 039, de 14 de Setembro de 1937, e no Decreto n.º 28 040, da mesma data, em ordem à cessação de indefinições na sua aplicação, e não já com o propósito, de expurgar normas inconstitucionais do ordenamento jurídico, entretanto declaradas inconstitucionais, mas ponderando, segundo se sugere, as conclusões extraídas dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão nomeada por despacho conjunto de 19 de Novembro de 1988, publicado no Diário da República, II Série, n.º 282, de 7 de Dezembro de 1988.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel