Ministra para a Qualificação e o Emprego
Número: 4/B/97
Processo: 5618/96
Data: 24.02.1997
Àrea: A2

Assunto: TRABALHO.SECTOR PRIVADO – LEI DAS 40 HORAS

Sequência: Não Acatada

Exposição de Motivos

Antes de mais agradeço a Vossa Excelência a colaboração prestada nos esclarecimentos constantes do oficio n.º … , de … de 1996, importantes para a instrução do presente processo.
Atendendo às sucessivas evoluções da matéria em questão desde a data da apresentação da queixa, em Dezembro passado, às diferentes audiências que me foram solicitadas e concedidas e, ainda, às relevantes declarações de responsáveis do Governo e da Administração do Trabalho, e à intervenção da Comissão Parlamentar de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, parece-me justificável começar por expor as diferentes posições que sobre a Lei das 40 horas foram tornadas públicas.

O presente processo foi aberto na sequência de queixa apresentada ao Provedor de Justiça pela CGTP-IN, e tem como objecto principal a interpretação da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho que, no entender da CGTP-IN, vem sendo feita pelo Governo, Inspecção-Geral do Trabalho, entidades empregadoras e Comissão de Acompanhamento do Acordo de Concertação de Curto Prazo, no que se refere à redução dos períodos normais de trabalho superiores a 40 horas, em 1 de Dezembro de 1996.

Está assim em causa, essencialmente, esclarecer se a Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, veio determinar uma redução do período normal de trabalho ou, antes, uma redução do período de trabalho efectivo. Dito de outra maneira, interessa apurar se as pausas devem ou não ser deduzidas aos períodos de trabalho a reduzir e, em caso afirmativo, que tipo de pausas deverão ser objecto dessa exclusão.

O Texto da Lei

Conforme se refere na epígrafe da Lei, é seu objectivo estabelecer “a redução dos períodos normais de trabalho superiores a 40 horas por semana”. A epígrafe do art.º 1.º sublinha esta finalidade ao mencionar a “redução de períodos normais de trabalho” estatuindo, na alínea a) do seu n.º 1 que, em 1 de Dezembro de 1996 “são reduzidos de duas horas, até ao limite de quarenta horas”…”os períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana”.

Por sua vez, o n.º 3 deste art.º 1 determina que “as reduções do período normal de trabalho semanal previstas na presente lei ou em convenção colectiva para o mesmo fim definem períodos de trabalho efectivo, com exclusão de todas as interrupções de actividade resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou da lei e que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador.”

Finalmente, o n.º 4 deste art.º l.º esclarece que, “sem prejuízo do disposto no número anterior, a manutenção ou a eliminação das interrupções de actividade nele referidas será definida por acordo ou por convenção colectiva”.

A Posição da CGTP-IN

Considera a CGPT-IN que as reduções horárias previstas no texto da Lei são reduções do período normal de trabalho e que “as referidas interrupções que não contam como tempo de trabalho efectivo serão, designadamente, as interrupções para refeições ou os tempos alargados de repouso”. Assim, não considera a central sindical estarem excluídas da redução “as interrupções já garantidas por lei ou por convenção colectiva e que são consideradas tempo de serviço para diferentes efeitos, maxime remuneratórios, como, por exemplo, as pausas técnicas, para café, para “bucha” ou refeição ligeira ou, mesmo, as pausas de meia hora para refeição no regime do trabalho por turnos, desde que assim sejam consideradas pelas respectivas regulamentações”.

Neste sentido, a redução de duas horas deverá ser interpretada de forma a que os trabalhadores tenham uma diminuição de duas horas efectivas de trabalho (reais ou equiparadas) e não apenas uma diminuição de duas horas do tempo de permanência na empresa, como resultaria, por exemplo, da redução de duas para uma hora do período destinado à refeição do almoço fundamenta, ainda, a CGTP-IN a sua interpretação da Lei, no

Relatório e Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o Recurso de Admissibilidade da Proposta de Lei n.º 14/VII, Apresentada pelo PCP

No que ao caso interessa, a Comissão parlamentar considera que a proposta de lei não vem consagrar um novo conceito de trabalho – trabalho efectivo – mas sim definir uma noção com uma finalidade especifica e exclusiva, com um conteúdo meramente instrumental para efeitos da redução do período normal de trabalho, sendo certo que todas as regras que consideram tempo de serviço os períodos em que não é prestado qualquer trabalho, continuam em vigor.

Mais. Afirma que a noção de “trabalho efectivo” constante da proposta de Lei “pode ser vista como vantajosa para os trabalhadores: estes terão uma diminuição de duas horas efectivas de trabalho e não apenas uma diminuição de duas horas de tempo de permanência na empresa”.

E continua o Relatório considerando que “as interrupções de trabalho excluídas do conceito de trabalho efectivo são aquelas que implicam a “paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador”, desde que “resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou de lei”.

“As interrupções em causa são, portanto, respeitantes a casos como, por exemplo: as interrupções para refeições ou tempos alargados de repouso e nunca a do caso dado como exemplo do recurso – um motorista que esteja parado enquanto o camião é carregado ou descarregado”.

E conclui o Relatório,neste aspecto, que o “que a proposta de lei consagra é que os trabalhadores obtenham, para além de interrupções já garantidas por lei ou convenção colectiva, a redução de mais duas horas no seu trabalho efectivo, sem prejuízo das interrupções anteriormente conquistadas”.

A Posição de Sua Excelência a Ministra para a Qualificação e o Emprego

Na sequência de esclarecimentos pedidos, afirmou Vossa Excelência que o texto da lei é transposto directa e integralmente do teor do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo, não sendo este um “texto apurado e rigoroso sob o ponto de vista técnico-jurídico”.

Manifestou inteira concordância com as interpretações da Lei, feitas pela Direcção-Geral das Condições de Trabalho, e do Acordo, preconizadas pela Comissão de Acompanhamento do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo, no sentido de a redução visar as 40 horas de trabalho efectivo e dever ser feita em termos de trabalho efectivo, tornando-se necessário, para o apuramento da redução, saber quais as pausas ou interrupções de trabalho que são, ou não, deduzidas ao período normal de trabalho.

“Não são deduzidas (contando, portanto, como tempo de trabalho efectivo) aquelas em que, embora não trabalhando (por exemplo, para tomar uma refeição), o trabalhador permaneça disponível e possa ser chamado a realizar tarefas próprias do seu posto de trabalho”.

De outro modo, “são deduzidas (não contando como tempo de trabalho efectivo) as interrupções em que o trabalhador pode dispor livremente do respectivo tempo, estando afastada qualquer hipótese de ser chamado à realização de tarefas”.

Esclarece ainda Vossa Excelência que, independentemente de serem ou não contabilizadas para efeitos de determinação do trabalho efectivo, as pausas consagradas em lei, convenção ou acordo permanecem nos horários de trabalho e devem ser observadas, e que “não existe qualquer possibilidade de resultar da aplicação da lei, interpretada nos termos descritos, um aumento do período semanal de permanência no local de trabalho” pois, “nos casos em que há redução (aqueles em que a semana de trabalho ultrapassa as 40 horas efectivas) há também, obviamente, redução do período normal de trabalho, isto é, do período de permanência no local de trabalho”.

Finalmente, expressa concordância com o teor do Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

A Posição Defendida pela Direcção-Geral das Condições de Trabalho

Com data de 19 de Novembro de 1996, foi dada a conhecer a interpretação que da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho é feita pela Direcção-Geral das Condições de Trabalho e que veio a servir de directiva nas inspecções realizadas pela Inspecção-Geral do Trabalho.

Assim, considera a DGCT que a redução se refere apenas a períodos normais de trabalho com mais de 40 horas semanais de trabalho efectivo e que as interrupções de actividade, independentemente da qualificação como trabalho efectivo feita pelas convenções, hão-de assim ser classificadas de acordo com os parâmetros constantes da Lei, para efeitos de redução do tempo de trabalho.

Nestes termos, são consideradas trabalho efectivo as pausas que não impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador.

Será o caso se, durante o horário de trabalho “o trabalhador permanece disponível para realizar as operações necessárias à continuidade do funcionamento dos equipamentos que estão a seu cargo. São pausas com diferentes concretizações práticas, com permanência no espaço habitual do trabalho ou em áreas contíguas o que é relevante é que, durante a pausa, o trabalhador esteja em local em que possa, em tempo útil, executar o trabalho necessário à continuidade do serviço”.

Ou, também, nas situações em que “o trabalhador está dispensado de realizar quaisquer operações durante a pausa, porque os equipamentos e a organização do trabalho permitem que o funcionamento do posto de trabalho durante a pausa de cada trabalhador seja assegurado por trabalhadores da mesma equipa ou turno. Nestas situações, o trabalhador não necessita de estar disponível para trabalhar durante a pausa”.

De igual modo, “são consideradas trabalho efectivo as interrupções de actividade determinadas pelo empregador, tais como “paragens técnicas”, e as resultantes de outros motivos ligados à empresa. Durante interrupções desta natureza, o trabalhador continua disponível para o trabalho”.

A Posição Assumida pela Comissão de Acompanhamento do Acordo de Concertação de Curto Prazo
(Governo, UGT, CIP, CCP, CAP)

Face às dúvidas suscitadas pelos critérios de redução do tempo de trabalho, entendeu a Comissão, em 6 de Dezembro de 1996, emitir um parecer, onde esclarece que as reduções do período normal de trabalho se programarão em termos de trabalho efectivo e que as interrupções do trabalho constituem trabalho efectivo quando não há substituição do trabalhador, o que acontece, por exemplo, “sempre que o trabalhador, durante a interrupção, se encontra no espaço habitual de trabalho, ou próximo desse espaço, e mantém a disponibilidade para voltar ao seu posto de trabalho caso ocorra qualquer problema nos equipamentos a seu cargo que não possa ser resolvido pelos restantes trabalhadores da mesma equipa ou turno”.

Contrariamente, considera-se “que nas interrupções no trabalho há substituição quando o trabalhador pode dispor livremente do seu tempo, saindo ou não das instalações da empresa, não lhe podendo ser exigida a execução de qualquer tarefa nem a responsabilidade pelo funcionamento do equipamento. O normal prosseguimento do trabalho é garantido por outro ou outros trabalhadores (que podem ser da mesma equipa ou turno)”.

O parecer considera que constituem “trabalho efectivo as interrupções de actividade determinadas pelo empregador, tais como �paragens técnicas� e as resultantes de outros motivos relativos à empresa. Durante as interrupções destas natureza, o trabalhador continua disponível para o trabalho”.

A Interpretação da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho preconizada pela UGT

Em audiência solicitada pela UGT esta central sindical referiu que as dificuldades de interpretação do texto da Lei decorriam da sua origem muito compromissória e negociada feita em sede de concertação social, e que o facto de ter havido uma redução para 40 horas do trabalho efectivo – e não do período normal de trabalho – foi uma condição absolutamente imprescindível à celebração do Acordo entre os parceiros sociais.

Por outro lado, chamou a atenção que as dificuldades de interpretação e aplicação da lei decorriam quer da mera transcrição feita do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo, quer da ausência de publicação de diploma interpretativo ou regulamentar por parte de Sua Excelência o Secretário de Estado do Trabalho.

Relativamente à relevância ou não das pausas para efeitos de redução do tempo de trabalho, a UGT considera que há que fazer uma distinção: as pausas que o trabalhador utiliza para fumar um cigarro ou deslocar-se à cantina durante breves minutos, por exemplo, continuando o respectivo sector produtivo em actividade (porque as pausas dos vários trabalhadores são rotativas) , devem ser contadas como trabalho efectivo; as pausas em que o sector produtivo pára (por exemplo, é a situação das fábricas em que a pausa a meio da manhã ou da tarde é efectuada simultaneamente por todos os trabalhadores, implicando a paralisação da actividade fabril),não devem ser consideradas trabalho efectivo. Esta é a interpretação da UGT relativamente às pequenas pausas, de habitualmente 20 minutos diários, divididos em dois períodos de 10 minutos.

Relativamente às pausas de 30 minutos habitualmente acordadas em sede de negociação colectiva com os trabalhadores que prestam trabalho em regime de turnos, considera a UGT que há que distinguir a situação do trabalhador durante esse período: se se mantém em situação de disponibilidade para ocorrer a necessidades do serviço durante esse período de tempo, deve ser considerada como trabalho efectivo. Se, pelo contrário, o trabalhador utiliza a pausa de modo a deixar de estar disponível para acorrer às necessidades da empresa, aquele período não é considerado trabalho efectivo.

A Interpretação que a CIP faz da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho

Também recebida em audiência, a CIP referiu que o facto de a redução do período normal de trabalho ser feita em termos de trabalho efectivo foi uma das condições de assinatura do Acordo de Concertação de Curto Prazo.

Relativamente à qualificação como trabalho efectivo das pausas de 30 minutos em regimes de trabalho por turnos, a posição da CIP é idêntica à da UGT, fazendo depender a sua equiparação a trabalho efectivo, da disponibilidade do trabalhador para acorrer a necessidades de trabalho que surjam durante o período de pausa.

Já quanto às pausas frequentemente acordadas em sede de contratação colectiva, de cerca de 20 minutos diários repartidos em dois períodos de 10 minutos (manhã e tarde), em regime normal de trabalho, entende a CIP que devem ter o mesmo tratamento que a pausa para almoço, isto é, não devem contar para determinação do trabalho efectivo. Admite, contudo, que as pausas de 2/3 minutos devem ser consideradas trabalho efectivo.

Reunião da Comissão Parlamentar de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social com Sua Excelência o Secretário de Estado do Trabalho e o Senhor Inspector-Geral do Trabalho

Da acta desta reunião, enviada pela Exm.ª Senhora Presidente da Comissão, parece relevante indicar alguns aspectos. O Senhor Secretário de Estado do Trabalho considerou que o objectivo da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, era o de “atingir a meta das 40 horas efectivas de trabalho por semana, pelo que as reduções a fazer seriam em termos de trabalho efectivo”. Reconheceu as dificuldades e divergências de interpretação do texto, afirmando que cabia aos tribunais resolver os conflitos existentes.

Relativamente ao conceito de trabalho efectivo afirmou ser um critério especifico e instrumental para a redução do horário de trabalho. Relativamente as pausas para refeição, o Senhor Secretário de Estado acrescentou que “se fossem períodos em que o trabalhador continuasse à disponibilidade da entidade patronal, as mesmas deveriam contar como tempo de trabalho efectivo”. Manifestou ainda concordância com o Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

A Posição da Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário

Tendo também solicitado uma audiência, a APTV veio dar a conhecer no âmbito deste processo a sua posição sobre a Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, considerando que a generalidade das associadas a estão a cumprir, e interpretando-a no sentido em que o faz o Governo, embora admita que poucas empresas podem pontualmente violar a lei.

Considera que o tempo de trabalho efectivo – cuja redução está em causa – é aquele em que o empregado está junto à máquina. Assim, os períodos de pausa para almoço (1 hora) ou as pausas de 30 minutos no trabalho de turnos de 8 horas, não podem ser trabalho efectivo, uma vez que os trabalhadores não estão disponíveis para o trabalho. Concordam que o trabalho efectivo é aquele em que o trabalhador está disponível.

A referência do período normal de trabalho nos países europeus, designadamente em França, Itália e Espanha é também, em média, de 40 horas de trabalho efectivo.

A Interpretação da Lei feita por Sua Excelência o Secretário de Estado do Trabalho

Considera o Senhor Secretário de Estado do Trabalho, em dois artigos publicados no jornal “Público” de 29 e 30 de Janeiro p.p., que a “lei não permite qualquer redução ou eliminação dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente no que respeita às interrupções de trabalho, vulgarmente designadas como pausas”. A existência e o tratamento dessas “pausas” (…) não são afectados pela lei e só podem sofrer alterações por acordo. As pausas que constituem direitos dos trabalhadores por estarem consagradas nos acordos, em normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou na lei, são inteiramente salvaguardadas”.

“A lei não permite, em caso algum, que os períodos normais de trabalho (permanência na empresa) sejam aumentados. Sempre que, por aplicação da lei, há lugar à redução para as 40 horas de trabalho efectivo, dai só resultará a redução dos correspondentes períodos normais de trabalho, e não a sua manutenção, muito menos o seu prolongamento.”

“Todas as práticas que, supostamente a coberto da aplicação da lei, envolvam a eliminação unilateral das “pausas”, a manutenção ou o prolongamento de períodos normais de trabalho, havendo lugar a redução para as 40 horas de trabalho efectivo, são manifestamente contrárias à lei”.

“A verdade é que a posição afirmada e mantida pela Administração do Trabalho é em tudo coincidente com as ideias fundamentais que ressaltam do Relatório e Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias”.

“De entre as pausas regulamentadas, não são tempo de trabalho efectivo aquelas em que se interrompe a laboração ou, apenas, pára o equipamento a cargo do trabalhador e aquelas em que, embora o equipamento continue a funcionar, o trabalhador fique completamente liberto de qualquer tarefa e, portanto, indisponível para qualquer intervenção que se torne necessária”.

“As pausas regulamentadas, durante as quais o trabalhador, embora inactivo (por exemplo a tomar uma refeição), se mantenha disponível para intervir em caso de necessidade, são consideradas tempo de trabalho efectivo”.

Em entrevista publicada nesta edição do jornal “Público”, o Senhor Secretário de Estado afirma que “o conceito tradicional da nossa legislação é o de período normal de trabalho, que significa período de permanência na empresa. O que esta lei prevê é a redução do tempo de trabalho, contabilizada em termos de trabalho efectivo, como acontece na generalidade das legislações europeias. A lei estabelece uma redução para 40 horas semanais de trabalho efectivo, e não para 40 horas de período normal de trabalho ou período de permanência na empresa”.

A Interpretação da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, feita pelo Prof. Jorge Leite

Em artigo de opinião publicado no jornal “Público” de 18 de Janeiro p.p. considera este juslaboralista que “a redução faz-se a custa” do tempo de trabalho efectivo e não à custa das interrupções que contam como tempo de trabalho efectivo”.

“Quando se diz que as reduções definem períodos de trabalho efectivo, quer dizer que o período a reduzir (a redução) é um período de trabalho efectivo, deste se excluindo, acrescenta a lei, aquelas interrupções que são período normal de trabalho equivalente, mas apenas equivalente, a tempo de trabalho efectivo.”

O Projecto de Lei do PCP

Relativamente a este assunto foi apresentado na Assembleia da República um projecto de Lei da autoria do Grupo Parlamentar do PCP, que “procede à clarificação de conceitos atinentes à duração do trabalho”.

Neste projecto “considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal no exercício da sua actividade ou das suas funções, incluindo aqueles em que houver paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhador” – n.º 1 do art.º 3.º.

“Considera-se Período Normal de Trabalho ou Duração Normal do Trabalho Semanal todo o tempo de trabalho com exclusão do período de trabalho suplementar” – n.º 2, do art.º 3.

“Considera-se trabalho efectivo para efeitos de organização do horário de trabalho, todo o tempo de trabalho”- n.º 3,do art.º 3.

“As reduções do período normal de trabalho, impostas por lei, por instrumento de regulamentação colectiva ou resultantes de acordo, determinam redução equivalente no tempo de trabalho compreendido naquele período, por forma a que nos casos de pausas ou de intervalos de descanso considerados tempo de trabalho o limite máximo resultante da redução, assim consagrado na lei para o período normal de trabalho ou para a duração normal do trabalho semanal, compreendam o tempo gasto naqueles” – art.º 4.º.

Comunicado do Gabinete de Imprensa do Ministério para a Qualificação e o Emprego

Em comunicado divulgado na comunicação social, em 16 de Janeiro, o Ministério faz o ponto da situação da aplicação da lei, concluindo pela sua correcta aplicação na generalidade das situações, de acordo com a interpretação feita pela Administração do Trabalho, esclarecendo, ainda, que:

“Não é legalmente admissível a eliminação ou descaracterização por decisão unilateral de entidades empregadoras, de pausas regulamentadas (por lei, convenção colectiva ou acordo), nomeadamente pela sua “conversão” em intervalos de descanso”.

“Não é legalmente admissível, em caso algum, o estabelecimento de novos horários de trabalho que, mediante a invocação da lei, impliquem o aumento dos períodos normais de trabalho praticados no mesmo estabelecimento, antes de 1 de Dezembro de 1996”.

Do Modo como Foram Feitas Reduções em Algumas Empresas

MeIka

Considera a CGTP que a empresa pratica um horário de 42,30 horas semanais, pretendendo reduzi-lo para 40 horas com supressão de pausas de 30 minutos diários, no regime de turnos.

Triunfo

De acordo com a CGTP, a redução para as 40 horas será feita à custa das pausas. Considera a IGT que a empresa reduziu o horário de 42,30 para 40 horas, eliminando uma pausa, com o acordo dos trabalhadores.

Autosil

O horário de 42 horas semanais, onde se incluíam duas pausas diárias de 30 minutos que não foram consideradas trabalho efectivo, manteve-se nas 42 horas. A IGT considera que o período de trabalho efectivo é de 37 horas.

Têxteis Proteu

A CGTP afirma que a redução para 42 horas foi feita à custa das pausas. Por sua vez a IGT considera que a redução foi de 44 para 41,10 horas, tendo obtido o acordo dos trabalhadores.

Jurisprudência

Considerando que as anteriores reduções de períodos normais de trabalho não se fizeram conforme o critério seguido na Lei n.º 21/96, apenas encontramos um acórdão da Relação do Porto, de 18.03.96, (in Colectânea de Jurisprudência, tomo II, 1996), que refere:

“A redução do limite máximo semanal do período normal de trabalho, de 45 para 44 horas, operada pela Lei n.º 2/91, de 17/1, não implica a redução em uma hora do horário de trabalho semanal dos trabalhadores da empresa”.

Entende o acórdão que os trabalhadores não prestavam qualquer trabalho durante a meia hora de intervalo de que dispunham em cada dia, pois as máquinas paravam e eles se ausentavam dos seus postos de trabalho para tomarem uma refeição, seja na empresa, seja fora dela, e para permanecerem fora do edifício fabril, gozando esse período a seu belo prazer.

“Sendo, assim, como era, é óbvio que o seu período normal de trabalho semanal era tão só de 42,30 horas, ficando, portanto, aquém do limite máximo das 44 horas fixado na Lei n.º 2/91.”

“Apenas se provou que o intervalo em causa sempre fez parte integrante do horário de trabalho, o que é coisa diferente de dizer-se que sempre fez parte integrante do período de trabalho”.

“No período normal de trabalho apenas se contam as horas de trabalho efectivamente prestadas, ou melhor, as horas que o trabalhador se obrigou a prestar, enquanto que no horário de trabalho se incluem também as horas intercalares de descanso”.

Conclui o acórdão referindo que o que os recorrentes deveriam ter pedido, era que a ré fosse condenada, não a reduzir o horário de trabalho, mas sim o período normal de trabalho, provando que “aquela meia hora sempre foi considerada como parte integrante do período de trabalho” e que, “aquando da sua contratação, ficara expressamente acordado que a dita meia hora contaria, para todos os efeitos, como tempo de trabalho”.

Apreciação da Questão

Poder-se-á dizer que o único ponto onde existe unanimidade é no reconhecimento que o texto da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, apresenta uma redacção deficiente, problemática, confusa e obscura, podendo-se justificar a sua interpretação autêntica.

Reconhecer que o articulado do texto legislativo revela pouco cuidado técnico-legislativo parece-me evidente. Pese embora, na sua origem, seja fruto de negociações e compromissos próprios da concertação social, isso não preclude o dever de usar da melhor técnica legislativa, principalmente, em matérias de tão delicada conformação.

Porque uma coisa é redigir e interpretar o Acordo de Concertação Social de Curto Prazo, que é um documento político e outra, completamente diferente, é redigir e interpretar a Lei que, ao materializar parte do conteúdo do Acordo, dele se objectiva e diferencia, passando a integrar a ordem jurídica e a submeter-se, designadamente, às normas e princípios constitucionais e às normas e princípios de interpretação da lei.

Por outro lado, aguardar pelo sentido que os Tribunais venham a conferir a esta ou àquela expressão legal pode permitir o arrastamento de perturbações sociais que, de outro modo, ficariam acauteladas.

Aliás, as dúvidas desde logo manifestadas pela aplicação da lei aquando da sua entrada em vigor, em 1 de Dezembro de 1996, há muito tinham justificado que o Governo tivesse procedido atempadamente aos esclarecimentos sobre o sentido da sua interpretação.

Na verdade, existem diferentes interpretações sobre se o que a Lei pretendeu reduzir foi o período normal de trabalho ou o período de trabalho efectivo e, neste caso, sobre o modo de determinação desse período de trabalho efectivo, ou seja, sobre a relevância dos diferentes tipos de pausas no trabalho.
Relativamente ao primeiro aspecto, a epigrafe da Lei – “Estabelece a redução dos períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana”-, a do seu art.º 1.º “Redução dos períodos normais de trabalho” -, e o disposto no n.º 1 deste art.º- “Os períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana são reduzidos nos seguintes termos” – não parecem deixar dúvidas de que o objecto de redução é o período normal de trabalho.

Só que o problema está na interpretação do disposto no n.º 3 do art.º 1.º, que define o modo como se faz a redução do período normal de trabalho: “as reduções do período normal de trabalho semanal previstas na presente lei ou em convenção colectiva para o mesmo fim definem períodos de trabalho efectivo, com exclusão de todas as interrupções de actividade resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou da lei e que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador”.

A contradição entre esta redacção complexa, que apela ao conceito de trabalho efectivo, com o disposto no n.º 1, atrás citado, resulta, conforme o acima referido, da sua transposição, sem mais, do texto negociado do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo para o articulado legislativo.

E parece poder ser interpretada em dois sentidos absolutamente diversos: ou que se pretende a redução dos períodos de trabalho efectivo superiores a 40 horas semanais para o que há que excluir todas as pausas que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador – conforme pretendem o Governo, as entidades empregadoras e a UGT – ou, diferentemente, no entender da CGTP-IN e do Prof. Jorge Leite, que a redução do período normal de trabalho há-de ser feita em termos de período de trabalho efectivo, salvaguardando todas as pausas que, para efeitos da Lei, foram equiparadas a trabalho efectivo.
Neste último sentido parece pronunciar-se, também, o Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ao referir que “a consagração do trabalho efectivo, na redução, pode ser vista como vantajosa para os trabalhadores: estes terão uma diminuição de duas horas efectivas de trabalho e não apenas uma diminuição de duas horas de tempo de permanência na empresa”.

E, ainda, que “o que a proposta de lei consagra é que os trabalhadores obtenham, para além de interrupções já garantidas por lei ou convenção colectiva, a redução de mais duas horas no seu trabalho efectivo, sem prejuízo das interrupções anteriormente conquistadas”.

A favor da primeira interpretação, enquanto elemento histórico, pode dizer-se que era essa a interpretação acordada em sede de Concertação Social e cuja materialização em lei foi condição da celebração do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo, assinado em Janeiro de 1996, conforme o afirmaram todos os intervenientes.

Sempre se poderá eventualmente vir a dizer, ainda de acordo com tal interpretação, que se a redução do período normal de trabalho não se operasse em termos de trabalho efectivo, tal significaria que um período normal de trabalho de 40 horas semanais representaria, sempre que existissem pausas, um período de trabalho efectivo seguramente inferior a 40 horas, o que poderia colocar, segundo esse ponto de vista, questões delicadas de competitividade empresarial, por via do aumento dos custos, face aos concorrentes europeus, em que o período normal de trabalho, medido em termos de trabalho efectivo é, em média, de 40 horas semanais.

A favor da segunda interpretação, também em termos históricos, pode-se afirmar que as anteriores reduções dos períodos normais de trabalho não utilizaram nunca o conceito de trabalho efectivo, e que a redução do período normal de trabalho superior a 40 horas semanais não pode ser redutível ao conceito de tempo de trabalho efectivo, pois significou um ganho dos trabalhadores como e enquanto contrapartida da consagração legal da polivalência e da adaptabilidade do trabalho, favoráveis às entidades empregadoras.

Por outro lado, em várias actividades, as pausas constituem factor importante na defesa da saúde e da segurança no trabalho, pelo que não se justificaria a sua supressão como condição da redução do horário de trabalho.

Acresce que sempre que se falou em horários de 40 horas – recorde-se que este objectivo já vem referido pelo menos desde o Acordo da Concertação Social de 1990 – o que estava em causa era a redução do período normal de trabalho, tal como sempre foi contado, já que o conceito de trabalho efectivo não estava consagrado na lei da duração do trabalho.

Assim, não podem deixar de se considerar frustradas as expectativas de todos os que esperavam ver reduzido o seu período normal de trabalho, tanto mais que a última lei de redução do período normal de trabalho – Lei n.º 2/91, de 17 de Janeiro -, salvaguardava expressamente os direitos adquiridos dos trabalhadores ao determinar no seu art.º 3.º que:

“da aplicação das disposições contidas no presente diploma não pode resultar prejuízo para a situação económica dos trabalhadores nem qualquer alteração das condições de trabalho que lhes seja menos favorável”.

Questão diversa que importa ainda apontar refere-se à relevância dos diferentes tipos de pausas, uma vez que não estão clarificadas as noções de “paragem do posto de trabalho” e de “substituição do trabalhador”.

Por exemplo, vejam-se as situações em que havendo paragem do posto de trabalho ou mesmo substituição do trabalhador – que face a determinada interpretação da Lei, não deveriam ser consideradas de prestação de trabalho efectivo -, vêm como tal a ser qualificadas por Vossa Excelência, por Sua Excelência o Secretário de Estado do Trabalho, pela Direcção-Geral das Condições de Trabalho e pela Comissão de Acompanhamento do Acordo de Curto Prazo, com recurso a um novo critério, que é o da disponibilidade do trabalhador.

Nestes termos, será considerado trabalho efectivo o período em que o trabalhador se mostra disponível para acorrer a qualquer necessidade decorrente da sua função – mesmo que ocorra paragem do posto de trabalho ou a substituição pontual do trabalhador -, não sendo como tal qualificado o período de tempo em que o trabalhador exerce plenamente a sua autodisponibilidade.

Conclusão

Nos termos constitucionais e legais, não me compete decidir, das duas interpretações possíveis, qual é a de maior mérito.

Todavia, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do art.º 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça – Lei n.º 9/91, de 9 de Abril -,compete ao Provedor de Justiça “assinalar as deficiências de legislação que verificar, emitindo recomendações para a sua interpretação (…)”.

Face a todo o exposto parece da maior importância que o texto da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, seja objecto de uma clarificação, realizada através da publicação de uma lei interpretativa, para por termo às dúvidas existentes.

Encontram-se reunidos os pressupostos jurídicos para que seja publicada uma lei interpretativa que proceda à interpretação autêntica da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, pois, como refere Baptista Machado (in Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Coimbra, 1958 pg. 286) torna-se “necessário decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado”.

Tenho dúvidas quanto à possibilidade de a jurisprudência encontrar, com o texto actual, a solução mais equilibrada, sendo certo que, entretanto, se prolonga e agrava o risco de conflitos sociais decorrentes das actuais dificuldades de interpretação da lei.

Assim sendo,

RECOMENDO

Que seja tomada a iniciativa legislativa no sentido de serem especialmente clarificados os seguintes aspectos da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho:

1. Saber se o limite das 40 horas de trabalho por semana tem por objectivo o período normal de trabalho ou, antes, o período de trabalho efectivo;

2. Na hipótese de estar em causa o período de trabalho efectivo, torna-se necessário definir este conceito, tendo em conta o seguinte:

2.1. A definição das pausas que venham ou não a integrar o conceito de trabalho efectivo;

2.2. Clarificar o modo como deveriam ter sido feitas as reduções de 2 horas em 01/12/96, isto é, se recorrendo ao conceito de trabalho efectivo, se ao de período normal de trabalho;

2.3. Considerar como ponto de partida para a definição de trabalho efectivo, a disponibilidade do trabalhador, já que é este o conceito que reúne o maior acordo dos parceiros sociais, para distinguir o que é, do que não é, trabalho efectivo;

2.4. Considerar legalmente como trabalho efectivo as pequenas pausas cuja justificação assenta no interesse da entidade empregadora em manter a produtividade, segurança e a saúde do trabalhador, no âmbito de processos produtivos massificantes e repetitivos;

2.5. Esclarecer que a Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, é aplicável única e exclusivamente às empresas e aos trabalhadores que, em 30 de Novembro de 1996, tinham um período de trabalho efectivo superior a 40 horas por semana;

3. Consagrar expressamente que da aplicação das disposições constantes da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, não pode resultar prejuízo para a situação económica dos trabalhadores, nem qualquer alteração das condições de trabalho que lhes seja menos favorável.

4. Tratando-se de interpretação autêntica, que se consigne a eficácia retroactiva das respectivas disposições, à data da entrada em vigor da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho.

Nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do art.º 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, remeti, nesta mesma data, cópia da presente Recomendação a Suas Excelências o Presidente da Assembleia da República e Primeiro Ministro.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL