Exmº Senhor
Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Número:40/A/96
Processo:R-1077/94
Data:13.03.1996
Área: A2
Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – SISA – LIQUIDAÇÃO – PRÉDIO DESTINADO A HABITAÇÃO PRÓPRIA – MONTANTE INDEVIDAMENTE PAGO – RESTITUICÇÃO.
Sequência: Acatada
Encontra-se pendente na Provedoria de Justiça processo acerca do qual foi já solicitada a colaboração da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, relativo à apreciação de recurso hierárquico apresentado pelo Senhor …, acerca de liquidação de sisa que considerou indevidamente paga.
O recurso hierárquico em questão deu entrada nesse Gabinete em 26 de Maio de 1994, tendo ao respectivo processo sido atribuído, ao que julgo saber, o n.º … .
É por discordar da decisão de indeferimento proferida em 30 de Maio do mesmo ano pelo então Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, que não posso deixar de trazer o assunto junto de Vossa Excelência.
A questão em apreço resume-se, essencialmente, à natureza – rústica ou urbana – do prédio transmitido e à afectação do mesmo à habitação do adquirente.
O indeferimento do pedido de isenção de sisa teve pôr base a tese de que o Reclamante não adquirira um prédio urbano destinado a habitação, pelo que não poderia beneficiar da isenção constante do artigo 11.º, n.º 22, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Recorde-se que o limite de isenção vigente à data da transmissão para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira era de 9.500.000$00, pôr força da aplicação do coeficiente de 1,25 – determinada pela Lei n.º 21/90, de 4 de Agosto – aos montantes de incidência de sisa (logo, ao montante máximo de isenção) vigentes, à data da aquisição, para o Continente (7.600.000$00, de acordo com a redacção dos artigos 11.º, n.º 22 e 33.º, n.º 2, do CIMSISSD, introduzida pela Lei n.º 2/92, de 9 de Março).
Afirma-se na informação sobre a qual foi exarado o despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo contribuinte que “inquestionavelmente, o recorrente adquiriu um prédio rústico e um prédio urbano com inscrições matriciais próprias” e ainda que “mesmo admitindo que prevalecia a tese do recorrente [de que adquirira um prédio urbano], o que só pôr mera hipótese se admite, o tratamento tributário dispensável à situação tributária em causa seria o mesmo uma vez que o “prédio urbano” que alega ter adquirido tinha, objectivamente, destino diferente do da habitação – “ESTAÇÃO METEOROLÓGICA E TELEFAX SEM FIOS”. Importa ver separadamente estas duas questões.
I-A Natureza do Prédio Adquirido
O Reclamante adquiriu por escritura pública, datada de 28 de Dezembro de 1992, um prédio sito na freguesia da Matriz, Horta, àquela data ainda omisso na matriz uma vez que resultava da junção de dois prédios inicialmente distintos – um rústico e um urbano – mas cuja declaração modelo 129 (doc. n.º 1) fora já apresentada com o objectivo de unificação dos dois prédios e consequente inscrição na matriz urbana, uma vez que o prédio rústico passaria a constituir logradouro do prédio urbano.
A referida declaração modelo 129 fora apresentada em 21 de Dezembro de 1992 pelos CTT – Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., na qualidade de proprietários do imóvel.
Não é pois correcto ignorar a pendência deste pedido de inscrição do prédio na matriz urbana – na qual viria, aliás, a ser inscrito sob o artigo 1194 – e concluir que o Reclamante adquiriu um prédio rústico e um prédio urbano com inscrições matriciais próprias, como é feito nas doutas informações sobre as quais foram exarados despachos de indeferimento da pretensão do Reclamante.
O que o Reclamante adquiriu em 28 de Dezembro de 1992 foi, indubitavelmente, um prédio urbano omisso na matriz, mas com inscrição já solicitada, conforme consta do respectivo conhecimento de sisa cuja cópia anexo (doc. n.º 2). Veja-se, nesse sentido, o Despacho de 17.12.74 – Pº 13/10 – Lº 6/14, transcrito a fls. 529 do CIMSISSD, anotado e comentado por F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, 3ª edição, Rei dos Livros, 1993, segundo o qual:
“Tratando-se de um prédio urbano modificado e melhorado com ampliação ainda não considerada na matriz, deve o mesmo ser avaliado como se de prédio omisso se tratasse…”
Isto é, não constando a nova realidade, ainda, da inscrição matricial, deve o prédio considerar-se omisso precisamente porque também não faz sentido levar em conta, seja para que efeito for, a inscrição matricial primitiva, que se sabe já desactualizada e em vias de ser alterada.
Por esse motivo, o artigo 53.º do CIMSISSD prevê, em tais casos de transmissão de prédios omissos, que a liquidação de sisa seja efectuada pelo preço convencionado estabelecendo simultaneamente que, caso venha a apurar-se um valor patrimonial superior àquele preço, deve ser feita uma liquidação adicional de sisa, tudo porque o artigo 19.º, § 2.º do citado Código determina que a sisa incidirá sobre o mais elevado destes dois valores, preço convencionado e valor patrimonial.
Considerando inexistir motivo para aplicação da isenção de sisa por aquisição de prédio destinado exclusivamente à habitação – decisão da qual também discordo mas que se discutirá adiante -, deu a Repartição de Finanças cumprimento ao disposto no citado artigo 53.º do CIMSISSD e liquidou a sisa pelo preço convencionado (8.000.000$00), tendo a avaliação posteriormente realizada concluído pela inscrição do imóvel na matriz predial urbana com o valor patrimonial de 3.600.000$00.
Não restam dúvidas, pois, que se no caso em apreço o valor patrimonial encontrado houvesse sido superior ao preço convencionado, teria ocorrido a correspondente liquidação adicional de sisa, provando-se assim a retroactividade da decisão de inscrição do prédio na matriz urbana com determinado valor patrimonial.
Não se compreende, pois, o motivo pelo qual a administração fiscal, através de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, recusou reconhecer em 1994, já depois da inscrição do prédio na matriz predial urbana, aquilo que a mesma administração fiscal, através da Repartição de Finanças da Horta, havia considerado indiscutível à data da transmissão, isto é, a natureza urbana do prédio transmitido. Recorde-se que a referida Repartição de Finanças, no momento de determinar a taxa aplicável à transmissão em causa, optou pela taxa vigente para as aquisições de prédios urbanos não destinados a habitação (10%) e não pela aplicável a outras transmissões (8%).
Recorde-se, por último, quanto a esta questão, que também o regime de que o imóvel beneficia actualmente em sede de Contribuição Autárquica é incompatível com outra conclusão que não a da sua natureza de prédio urbano desde a data da transmissão: por despacho de 30 de Março de 1994, do Exm.º Chefe da Repartição de Finanças da Horta, foi deferido o pedido de isenção de Contribuição Autárquica formulado pelo Reclamante, nos termos do artigo 52.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (Prédios urbanos construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos destinados à habitação), isenção que abrange os anos de 1992 (ano da aquisição) a 2001.
II-A Afectação do Prédio a Habitação
Valorizando o teor da inscrição matricial em detrimento da situação de facto e das declarações prestadas pelo adquirente do imóvel, considerou a administração fiscal que este era destinado a “estação meteorológica e telefax sem fios”, recusando reconhecer-lhe, para efeitos de aplicação da isenção de sisa prevista no artigo 11.º, n.º 22.º, do respectivo Código, o destino habitacional que o Reclamante afirmou pretender atribuir-lhe.
Antes de avançar mais no assunto, caberá recordar que também releva sobejamente, para este efeito, o que acabou de ficar dito quanto à isenção de Contribuição Autárquica de que o prédio goza actualmente, a qual depende, como se sabe, da efectiva afectação do imóvel a esse fim habitacional, nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Esclareça-se ainda, quanto a este assunto, que o deferimento do pedido de isenção de Contribuição Autárquica foi precedido – e bem – de inspecção directa ao local, a mando do Exm.º Chefe da Repartição de Finanças da Horta, com a finalidade de comprovar a indispensável afectação do imóvel ao destino habitacional alegado pelo contribuinte. Junta-se cópia da ordem de serviço ordenando tal diligência e da informação prestada sobre o assunto, comprovando que, efectivamente, o Reclamante havia afectado o imóvel à habitação (doc. n.º 3).
Ou seja, apesar de ter adquirido um prédio que o anterior proprietário não destinava à habitação, o Reclamante desde o início afirmou a sua intenção de o afectar a esse fim, conforme resulta da leitura da escritura de compra e venda, do conhecimento de sisa e da sua actuação posterior à compra do imóvel, com a transferência da sua residência para o local e o pedido de alteração da matriz – necessariamente após aquisição do prédio – no sentido de passar aí a constar o fim habitacional a que o havia destinado.
Se é certo que o destino do imóvel deve ser aferido objectivamente (como se afirma na informação sancionada por Sua Excelência o então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) e que à data da transmissão do imóvel não havia suporte matricial que indicasse a afectação do imóvel à habitação do adquirente (conforme afirmou perante este Órgão do Estado a Repartição de Finanças da Horta), não menos certo é que qualquer conclusão sobre o destino que o adquirente dá ao imóvel só é possível mediante a observação do seu comportamento após a concretização da transmissão.
Isto é, não basta que o adquirente manifeste a sua intenção de residir no local, é necessário que complemente tal intenção com o efectivo estabelecimento da sua residência no mesmo.
Porque assim é, ou seja, porque o que releva é a situação de facto e não qualquer elemento formal como seja o teor da inscrição matricial ou a existência de qualquer tipo de licença camarária à data da transmissão, é que o artigo 17.º-A do CIMSISSD dispõe que a isenção prevista no artigo 11.º, n.º 22 do mesmo Código, ficará sem efeito quando aos imóveis for dado destino diferente do da habitação num prazo de três anos a contar da data da aquisição.
Trata-se, pois, de uma isenção condicionada à afectação do imóvel ao fim habitacional que o adquirente se compromete a atribuir-lhe. Nem de outro modo poderia funcionar uma isenção cuja condição é a verificação de factos que só podem concretizar-se após a aquisição em causa.
Uma inscrição matricial ou uma licença camarária que atestem o fim habitacional do imóvel mais não provam que a susceptibilidade de afectação do mesmo àquela finalidade, nada dizendo quanto ao destino real, esse sim, objectivo, que lhe será dado.
Acresce que tais inscrições ou licenças existentes à data da transmissão têm, regra geral, mais a ver com o passado do imóvel e com o destino que lhe era dado pelo seu antigo proprietário do que com o destino que lhe virá a ser dado pelo adquirente e quanto a este aspecto não existem quaisquer dúvidas: o destino habitacional que a lei exige é o que lhe será dado pelo adquirente e beneficiário desta norma de isenção, independentemente da situação anterior do imóvel e do fim que o seu anterior proprietário lhe atribuiu.
As especificidades do imóvel terão levado a que, à cautela, se liquidasse sisa à data da aquisição. Tal atitude, sendo já criticável é, ainda assim, compreensível. Já o mesmo não acontece com a decisão de manutenção da tese da não afectação do imóvel à habitação do sujeito passivo de sisa em data posterior àquela em que se reconheceu essa afectação para efeitos de Contribuição Autárquica.
Pelo exposto,RECOMENDO:
1. Que seja revogada a liquidação de sisa referente à aquisição, pelo Reclamante, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Horta sob o artigo 1194, atendendo a que se trata de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação e que o valor a ter em conta para efeitos de sisa – o preço convencionado de 8.000.000$00, superior ao valor patrimonial – se encontra abaixo do limite de isenção vigente à data da transmissão na Região Autónoma dos Açores.
2. Que, em consequência daquela revogação da liquidação, o montante indevidamente pago pelo Reclamante a título de sisa (800.000$00) lhe seja restituído.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel