Inspector-Geral da Saúde
Processo:R-1364/96
Número: 88/A/96
Data:13.11.1996
Área: A2

Assunto:ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – LIGA PORTUGUESA CONTRA O CANCRO – DISPONIBILIZAÇÃO DE VERBAS PRIVADAS – GESTÃO FUNCIONAL DE VERBAS.

Sequência: Não acatada.

Agradeço a V.ª Ex.ª o envio, a coberto do v/ ofício n.º …., do relatório final referente ao processo de averiguações n.º 5/96-A, dessa Inspecção-Geral, o qual constituiu importante complemento de instrução do processo pendente na Provedoria de Justiça para apreciação do assunto em epígrafe.
Ouvidas as entidades intervenientes no processo de disponibilização de verbas pelo Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro (Liga – NRS) para o Centro Regional de Lisboa do Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil (IPOFG – C. Lisboa) e feito o enquadramento legal da relação subjacente a esta forma de cooperação entre ambas as instituições, entendi dirigir ao Exm.º Director do IPOFG – C. Lisboa, Prof. Dr. J…, o ofício cuja cópia anexo e para cujos fundamentos me permito remeter, por estarem, também, na base da presente Recomendação.

Não posso, pois, deixar de afirmar a minha discordância em relação às conclusões a que a Inspecção-Geral da Saúde chegou no âmbito do processo de averiguações supra identificado, nomeadamente:
1. Quanto ao ponto 4.1, alínea e), (última parte) do relatório final do processo de averiguações n.º 5/96-A:
” … não integrando nunca … (as verbas em causa) nem o património do IPO, nem o dos elementos com funções de Director ou de Administrador-Delegado, sendo a gestão das mesmas efectuada por estes, não na qualidade específica de Director e de Administrador-Delegado, respectivamente, mas como mandatários do Núcleo da Liga, individualmente considerados…”
Rejeito em absoluto a tese da existência de um mandato pessoal para gestão das verbas em causa, conferido pela Liga – NRS às pessoas que, em determinado momento, exercem as funções de Director e de Administrador-Delegado no IPOFG – C. Lisboa.
Concluo, pelo contrário, com base na evolução histórica das relações entre ambas as instituições e mediante a análise comparativa dos fins estatutários da Liga e das atribuições do IPOFG – C. Lisboa, que quem foi incumbido de gerir as verbas em causa foram os órgãos acima mencionados do IPOFG – C. Lisboa e não os respectivos titulares, pessoalmente considerados. Trata-se, portanto, de um caso de gestão funcional de verbas privadas da Liga – NRS.

Conforme melhor se desenvolve no texto do ofício cuja cópia anexo, o carácter funcional de tal gestão advém-lhe quer da natureza do IPOFG – C. Lisboa e respectivos órgãos, quer da natureza dos objectivos que devem nortear a aplicação das verbas em causa, estreitamente ligados à prossecução dos fins (públicos) próprios do IPOFG – C. Lisboa.
Quanto à natureza privada das verbas, apresenta-se indiscutível face à recusa expressamente afirmada pelo Presidente da Liga – NRS de efectuar qualquer doação, posição reforçada por todas as entidades intervenientes no processo ao mencionarem o facto de as verbas em causa não integrarem, nunca, o património do IPOFG – C. Lisboa, mantendo-se na esfera patrimonial da Liga – NRS até ao momento em que são gastas nos termos definidos pelo órgão do IPOFG – C. Lisboa encarregue da respectiva gestão.

2. Quanto ao ponto 4.1., alínea g), do relatório final do processo de averiguações n.º 5/96-A:
” … [as] despesas efectuadas em 1995 (…) podem enquadrar-se, ainda que, em alguns casos, apenas de forma indirecta, nas finalidades estatutárias da Liga, concretamente na finalidade prevista na alínea c) do art.º 2.º dos Estatutos…”
Do relatório em apreço nada consta quanto ao critério utilizado para distinguir despesas que se enquadram directamente nas finalidades estatutárias da Liga, daquela outras que só indirectamente atingem este objectivo.
Nada se diz, também, quanto ao tipo de gestão efectuada por cada um dos órgãos em causa (Director e Administradora-Delegada do IPOFG – C. Lisboa): é impossível retirar da conclusão supra citada, qualquer certeza acerca de quem actuou directamente na prossecução dos fins da Liga e mediante a realização de que despesas, tal como fica por apurar quem actuou, e através da realização de que despesas, de modo a prosseguir aqueles fins de forma meramente indirecta.
Dir-se-á que tal especificação se revelou desnecessária pois a Inspecção-Geral da Saúde viria a aceitar como boa praticamente qualquer forma de gestão das verbas em causa.
Não posso concordar com tal indefinição no âmbito de um processo de averiguações cujo objectivo é, precisamente, concluir com rigor pela existência, ou não, de conduta infractória e, em caso afirmativo, pela subsequente instauração de processo disciplinar ou de inquérito, consoante tenha ou não sido identificado o autor da conduta infractória (vd. artigo 88.º, n.º 3, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro).
Impunha-se, pois, maior rigor na análise da gestão das verbas disponibilizadas pela Liga – NRS quer para a Direcção, quer para a Administração do IPOFG – C. Lisboa.
A apreciação qualitativa da gestão de tais verbas foi efectuada neste órgão do Estado com base no critério que se considerou servir melhor a finalidade de cooperação Liga/IPOFG, consistente em aceitar como boa a gestão das verbas disponibilizadas sempre que as mesmas fossem utilizadas na melhoria de condições de actuação e funcionamento do IPOFG – C. Lisboa e/ou no apoio aos doentes do foro oncológico.
Quanto à parte da verba cuja gestão esteve a cargo, em 1995, da então Administradora-Delegada do IPOFG – C. Lisboa (1.250.000$00), concluí que as despesas efectuadas preenchiam aqueles requisitos, uma vez que foram integralmente afectas ao pagamento do projecto de ampliação do Centro de Lisboa do IPOFG e à aquisição de produtos médicos.
Já quanto à verba gerida pelo Exm.º Director do IPOFG – C. Lisboa, entendi sugerir a reposição da parte manifestamente utilizada em desconformidade com o critério acima definido, nos termos constantes do ofício anexo à presente.

3. Quanto ao ponto 4.1., alínea h), do relatório final do processo de averiguações n.º 5/96-A:
“… Actuando os elementos que exercem as funções de Director e de Administrador-Delegado como mandatários do Núcleo da Liga, no tocante à gestão das verbas em causa, é a este que compete delinear o escopo do mandato e apreciar a gestão feita”
Discordo da conclusão acima citada do relatório final do processo de averiguações n.º 5/96-A na medida em que se confina exclusivamente às relações de natureza privada existentes entre mandante e mandatário, quando o que está em causa é a gestão de verbas de uma entidade privada, é certo, mas efectuada por órgãos de um instituto público (v. artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 273/92, de 3 de Dezembro, acerca da natureza jurídica dos Centros Regionais de Oncologia).

Assim sendo, mesmo que o mandante não teça considerações críticas acerca da gestão efectuada pelos mandatários – e no caso vertente tais críticas acabaram por ocorrer -, não deverá a conduta destes deixar de ser apreciada em sede disciplinar.
A relação entre a Liga – NRS e os dirigentes do IPOFG – C. Lisboa é resultado das funções por estes exercidas no referido instituto público e a gestão das verbas da Liga – NRS em benefício do IPOFG – C. Lisboa equivale, não raro, ao exercício de competências próprias de cada um dos órgãos em questão.
Vejam-se, nomeadamente, as competências do Director e Presidente do Conselho de Administração do Centro de Lisboa do IPOFG constantes do artigo 17.º, n.º 1, alíneas b) e h), do Decreto-Lei n.º 273/92, de 3 de Dezembro e as competências do respectivo Administrador-Delegado, constantes do artigo 18.º, n.º 2, alíneas b) e f), do mesmo Decreto-Lei.

Nada obsta, pois, a que a actuação destes órgãos dirigentes de um instituto público seja disciplinarmente apreciada, nomeadamente para efeitos de apuramento do cumprimento, ou não, por cada um deles, do dever de isenção, previsto no artigo 3.º, n.º 4, do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro.
4. Quanto ao ponto 4.1., alínea j), do relatório final do processo de averiguações n.º 5/96-A:
“… Não tendo as verbas sido doadas nem ao IPO, nem ao Director, nem à Administradora-Delegada, nem àqueles que exerciam tais funções, individualmente considerados, e tendo estes actuado, no tocante à utilização das verbas em questão, como mandatários do Núcleo da Liga, não ocorreram as infracções apontadas pelo participante”
Resume esta conclusão o que ao longo das anteriores, acima citadas, havia sido defendido no relatório em apreço.
Porque parti de um pressuposto diferente – o do carácter funcional da gestão das verbas em causa -, sou levado a discordar desta conclusão final, convicto que estou da existência de irregularidades na gestão de parte da verba atribuída à Direcção do IPOFG – C. Lisboa no ano de 1995.

Esclareça-se, porém, que não partilho da opinião do participante quanto ao enquadramento das infracções eventualmente existentes.
O que julgo essencial é a reapreciação dos factos apurados e dos depoimentos colhidos pela Inspecção-Geral da Saúde, agora à luz da tese, cujos fundamentos tenho vindo a expor, da gestão das verbas da Liga – NRS por órgãos dirigentes de um instituto público: o IPOFG – C. Lisboa.

Pelo exposto,RECOMENDO:

Que, caso ainda seja legalmente possível, se proceda à revogação do despacho de V.ª Ex.ª, datado de 7 de Maio último, determinando “o arquivamento dos autos por não se ter apurado qualquer conduta infractória” e que, subsequentemente, seja ordenada a reapreciação da questão objecto do processo de averiguações n.º 5/96-A, na parte respeitante à gestão das verbas disponibilizadas para a Direcção do IPOFG – C. Lisboa, tomando como ponto de partida o teor da presente Recomendação, assim como o do ofício anexo.

Nesta data dei conhecimento do teor da presente Recomendação ao Exm.º Senhor Director do Centro de Lisboa do Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil, ao Exm.º Presidente do Núcleo Regional do Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro, a Sua Excelência a Ministra da Saúde, na qualidade de Administradora-Delegada do IPOFG – C. Lisboa no ano em causa, a Sua Excelência o Presidente do Tribunal de Contas e a Sua Excelência o Procurador-Geral da República.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel