Exm.º Senhor
Reitor da Universidade de Lisboa.
Número: 55/A/96
Processo.R.1927/93
Data:25.06.1996
Área: A3

Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – TRABALHADOR-ESTUDANTE – SUJEITO PASSIVO DE IRS – PROPINAS – DIREITO A ISENÇÃO E REDUÇÃO.

Sequência:Acatada

Está pendente na Provedoria de Justiça um processo aberto com fundamento na interpretação e aplicação à situação da reclamante, trabalhadora-estudante cujo agregado familiar é composto apenas por ela própria, das Portarias n.ºs 698/93, de 28 de Julho e 267/94, de 5 de Maio (regime de isenção e redução do pagamento de propinas). Esta, por entender que estava enquadrada no regime previsto na Portaria n.º 698/93, de 28 de Julho, requereu a isenção do pagamento de propinas (no ano de 1991, o seu rendimento global, para efeitos de I.R.S., foi de Esc. 2.027.200$00). Essa Universidade indeferiu o pedido de isenção formulado por entender que não têm direito a isenção ou redução de propinas os alunos que são, eles próprios, sujeitos passivos de I.R.S., sem dependentes e cujo rendimento anual ilíquido excede o mais baixo dos valores previstos no art.º 16.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), da Lei n.º 20/92, de 14 de Agosto e não ultrapassa o maior deles. Considera que no caso desses alunos não há um rendimento familiar anual, mas tão-só, o deles próprios, que não constituem uma família, pelo menos, em termos fiscais. Não estando esta situação abrangida pelo art.º 16.º atrás citado, concluiu essa Universidade pela existência de uma lacuna da lei, cuja integração, respeitando o espírito do sistema, repousa no critério da carência económica, por sua vez estabelecido nos diversos valores mínimos indicados naquele artigo. Posteriormente, no ano lectivo de 1993/94, a reclamante requereu a redução para metade no pagamento das propinas (fixadas em 80.000$00) ao abrigo da Portaria n.º 267/94, de 5 de Maio (no ano de 1992, o seu rendimento global, para efeitos de I.R.S., foi de Esc. 2.724.648$00) Apurei que, sobre esse pedido de redução no pagamento das propinas, ainda não recaiu qualquer decisão, por esta estar supostamente dependente de parecer jurídico. Partindo dos factos descritos, cumpre analisar o regime jurídico em causa. As portarias n.ºs 698/93, de 28 de Julho e 267/94, de 5 de Maio, apresentam, como condições para o afastamento de estudantes do acesso aos regimes de isenção ou redução de propinas, a ultrapassagem simultânea de dois critérios de rendimento ou, em alternativa de um determinado nível de riqueza bruta.

Vejamos, como exemplo, o regime previsto na última portaria citada. Esquecendo o nível de riqueza bruta, temos que, para o afastamento do regime de redução de propinas, se exige que o rendimento familiar per capita seja superior a 2000 contos e, simultaneamente, que o rendimento total familiar seja superior a 5500 contos.
Alega essa Universidade que, no caso de pessoas solteiras, o valor relevante é idêntico, quer para o rendimento per capita, quer para o rendimento familiar, o que justificaria o afastamento da redução de propinas.
Sucede que o facto de os valores atribuíveis em concreto a esses dois conceitos normativos serem idênticos, não desfaz a dicotomia regulamentar e a necessidade da verificação simultânea e separada das duas condições. Não existe unificação de critérios por estes serem quantitativamente (mas não qualitativamente) idênticos.
O que a Portaria n.º 267/94, de 5 de Maio, exige é que: Rendimento per capita > 2000 c. e Rendimento total > 5500 c. logo apurando-se que o rendimento da reclamante, em 1992, tinha sido de 2724 c, ter-se-ia que:
– 2724 c > 2000 c (proposição verdadeira)
– 2724 c > 5500 c (proposição falsa)

A regra mais elementar de lógica ensina que a conjunção de uma proposição verdadeira e de uma proposição falsa origina uma proposição falsa.
Assim, a “contrario sensu”, se não se verifica a previsão da Portaria n.º 267/94, de 5 de Maio, deve seguir-se o efeito jurídico contrário, isto é, a concessão de isenção ou redução de propinas à reclamante.

Mais improcedente é a argumentação de que uma pessoa solteira não pode ter rendimento familiar, para os efeitos de aplicação desta portaria. O imposto de rendimento está estruturado, em primeira linha, sobre uma ideia de unidade económica, tornando relevantes para efeito de tributação a massa dos rendimentos auferidos por todos os seus membros. É óbvio que o conceito de rendimento familiar comporta a existência de agregados singulares, correspondentes a uma unidade fiscal autónoma relevante em sede de I.R.S., traduzida numa declaração de rendimentos sobre a qual se vai proceder à liquidação do que for devido.
Se assim não fosse, poder-se-ia dizer que também não se poderia encontrar o valor per capita, já que este remete também, na sua formulação, para o rendimento familiar. Se este não existe, segundo essa Universidade, como pode existir a sua capitação?

Não existe pois qualquer lacuna na lei. Mesmo que se adoptasse o critério da capitação, este seria injusto face ao maior peso, em termos económicos, dos encargos suportados. pelos sujeitos cujos agregados são singulares.

Estou ciente que o sistema até há pouco vigente comportaria várias injustiças. Estas, no entanto, não podem fundar a manutenção da injustiça de que foi alvo a reclamante ou outros alunos em idêntica situação.

Nestes termos,RECOMENDO :

a) Que seja revista a posição até aqui defendida pela Universidade de Lisboa, reconhecendo à reclamante o direito à isenção e redução no pagamento das propinas, respectivamente, nos termos das Portarias n.ºs 698/93, de 28 de Julho e 267/94, de 5 de Maio, com a consequente anulação da divida de propinas resultante dos anos anteriores e levantamento das sanções inerentes a essa situação.

b) Que seja seguido o mesmo entendimento em casos análogos que se tenham verificado.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel