Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território
Número: 25/B/96
Processo: R-2079/87
Data: 23.10.1996
Área: A1
Assuntos: AUTARQUIAS LOCAIS – CEMITÉRIO – SEPULTURA PERPÉTUA – ABANDONO DE SEPULTURA – PRESCRIÇÃO A FAVOR DA FREGUESIA OU MUNICÍPIO
Sequência: Acatada
I – Exposição de Motivos
1. O art. 27.º, n.º 1, al. m), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, atribui às juntas de freguesia competência para declarar prescritos a favor da freguesia, nos termos da lei e após publicação de avisos, os jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios sob administração da freguesia, quando não sejam conhecidos os proprietários ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém, de forma inequívoca e duradoura, desinteresse na sua conservação ou manutenção.
2. Competência semelhante, e com idênticos pressupostos, consignou o art. 51.º, n.º 4, al. b), do mesmo diploma legal, às câmaras municipais para declarar prescritos a favor do município, nos termos e nos prazos fixados na lei geral e após publicação de avisos, os jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios municipais.
3. Idêntica era a solução consagrada na legislação anterior, quer no art. 51.º, n.º 33, do Código Administrativo, quer nos art.s 33.º, al. j), e 62.º, n.º 1, al. j), da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro.
4. A prescrição de jazigos, mausoléus e outras obras instaladas nos cemitérios municipais e paroquiais justifica-se por “não poder conceber-se a existência no cemitério de sepulturas, jazigos ou outras instalações indefinidamente abandonados, dando mostras de desleixo e apresentando mau aspecto. Menos ainda quando atinge o estado de ruína ou o de derrocada.
A isso se opõem razões de polícia especificamente sanitária, o respeito pela memória dos mortos e o decoro tanto no caso concreto como no ambiente geral da necrópole.
Independentemente das reparações imediatas que devam impor-se aos concessionários ou da sua realização pelo corpo administrativo se eles o não fizerem, há que fazer cessar esse estado de abandono embora sacrificando para isso os direitos dos utentes” (V. M. LOPES DIAS, Cemitérios, jazigos e sepulturas, Porto, 1963, p. 434).
5. Verifica-se que, tanto no art. 51.º, n.º 9, do Código Administrativo, como nos art.s 33,º, al. i), e 62.º, n.º 1, al. i), da Lei n.º 79/77, de 25 de Outubro, e ainda nos art.s 27.º, n.º 1, al. l), e 53.º, n.º 2, al. n), do actual Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, o legislador fez sempre uma referência expressa a jazigos e sepulturas perpétuas, ao aludir à concessão de terrenos nos cemitérios municipais e paroquiais.
6. Diferentemente, porém, nunca fez menção expressa a sepulturas perpétuas, ao contemplar a prescrição de jazigos e mausoléus dos cemitérios municipais ou paroquiais, no art. 510, n.º 33, do Código Administrativo, ou ao aludir à prescrição de jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios municipais ou paroquiais, nos art.s 33.º, al. j), da Lei n.º 79/77, bem como nos art.s 27.º, n.º 1, al. m), e 51.º, n.º 4, al. b), do Decreto-Lei n.º 100/84.
7. Parece, pois, legítimo questionar se o legislador terá pretendido excluir do previsto regime de prescrição as sepulturas perpétuas, restringindo-o aos jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios municipais ou paroquiais.
8. É que, sendo embora idêntica a natureza jurídica das concessões de terrenos nos cemitérios municipais ou paroquiais para jazigos ou sepulturas perpétuas, não é exactamente a mesma, em ambos os casos, a forma de aproveitamento dos direitos nascidos daquelas concessões.
9. Tratando-se da concessão de terrenos para jazigos (ou mausoléus), os titulares do direito assim obtido utilizam os terrenos para a construção de obras (acima da superfície ou abaixo do solo) destinadas ao depósito de urnas. No caso da concessão de terrenos para sepulturas perpétuas, a inumação de cadáveres poderá ter lugar em simples covais, ainda que os mesmos venham porventura a ser embelezados através de revestimento adequado, de colocação de bordaduras ou por outro modo que não afecte a dignidade própria do local. E os simples covais destinados ao enterramento perpétuo de cadáveres, enquanto locais desprovidos de quaisquer trabalhos de construção, não se subsumem, certamente, ao conceito de “obras”, muito embora nesse conceito possam ser abrangidos os trabalhos de embelezamento eventualmente realizados sobre os mesmos covais.
10. Ora, se no art. 51.º, n.º 9, do Código Administrativo, n.ºs art.s 33.º, al. i), e 62.º, n.º 1, al. i), da posterior Lei n.º 79/77, e bem assim nos art.s 27.º, n.º 1, al. 1),e 53.º, n.º 2, al. n), do actual Decreto-Lei n.º 100/84, o legislador não deixou de fazer uma referência expressa às sepulturas perpétuas, e se podia ter feito outro tanto – mas não o fez – no art. 51.º, n.º 33, do citado Código, nos art.s 33.º, al. j), e 62.º, n.º 1, al. j), da Lei n.º 79/77, bem como nos art.s 27.º, n.º 1, al. m), e 51.º, n.º 4, al. b), do Decreto-Lei n.º 100/84, poder-se-á concluir que só pretendeu abranger nestes últimos preceitos normativos a prescrição de jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios municipais ou paroquiais, incluindo, pois, as obras de embelezamento que eventualmente hajam sido executadas sobre as sepulturas perpétuas, mas deixando de fora a ocupação dos covais correspondentes às próprias sepulturas perpétuas.
11. É certo que o art. 29.º das “Normas para a construção e polícia de cemitérios”, aprovadas pelo Decreto n.º 44220, de 3 de Março de 1962, dispôs que os regulamentos a elaborar pelas câmaras municipais e pelas juntas de freguesia sobre policia de cemitérios devem incluir (entre outras matérias) os preceitos a observar no tocante ao uso e fruição de jazigos e sepulturas perpétuas e ao destino dos jazigos e sepulturas perpétuas abandonadas.
12. Por outro lado, o art. 46.º dos Modelos de Regulamentos dos Cemitérios Municipais e Paroquiais, aprovados pelo Decreto n.º 48770, de 18 de Dezembro de 1968, previu a aplicação, com as necessárias adaptações, das normas sobre jazigos abandonados às sepulturas perpétuas.
13. No entanto, não parece que os invocados preceitos (anteriores, aliás, às normas dos art.s 27.º, n.º 1, al. m), e 51.º, n.º 4, al. b), do Decreto-Lei n.º 100/84) tenham virtualidades para ampliar os limites da competência, então e agora conferida às câmaras municipais e às juntas de freguesia, em matéria de prescrição de jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios administrados por aquelas autarquias.
14. Ora, excluir do âmbito de aplicação dos preceitos legais actualmente em vigor a prescrição dos covais correspondentes às sepulturas perpétuas, equivaleria, na prática, a admitir a subsistência da ocupação dos correspondentes terrenos, apesar do eventual desconhecimento da identidade ou até da existência de titulares dos direitos emergentes das primitivas concessões daqueles mesmos terrenos.
15. Estando em causa situações materialmente idênticas, a tal solução se opõem as razões de polícia sanitária e de tutela da personalidade humana post-mortem acima apontadas (cfr. supra ponto 4), justificando que seja estendido o regime da prescrição dos jazigos, mausoléus ou outras obras instaladas nos cemitérios municipais ou paroquiais, às sepulturas perpétuas quando não sejam conhecidos os proprietários ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém de forma inequívoca e duradoura, desinteresse na sua conservação ou manutenção.
16. Estabelecer-se-á, dessa forma, um regime jurídico uniforme da matéria, permitindo, do mesmo passo, aos particulares, uma apreensão clara dos direitos que lhes advêm da concessão de terrenos para jazigos e sepulturas perpétuas.
II – Conclusões
Em face do exposto,
RECOMENDO
a Vossa Excelência que se digne promover, nos termos do art. 170.º, n.º 1, da Constituição, a alteração dos art.s 27.º, n.º 1, al. m), e 51.º, n.º 4, al. b), do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, de modo a atribuir às juntas de freguesia e às câmaras municipais competência para declarar prescritas a favor da freguesia ou do município, respectivamente, nos termos da lei e após a publicação de avisos, as sepulturas perpétuas instaladas nos cemitérios paroquiais ou municipais, quando não sejam conhecidos os proprietários ou relativamente aos quais se mostre que, após notificação judicial, se mantém, de forma inequívoca e duradoura, desinteresse na sua conservação ou manutenção.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL