Presidente do Conselho de Administração
da Caixa Geral de Aposentações
Processo:R-1379/95
Número:11/B/96
Data:27.03.1996
Área: A3

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE APOSENTAÇÃO – FUNCIONÁRIOS E AGENTES DAS EX-PROVÍNCIAS ULTRAMARINAS – NACIONALIDADE PORTUGUESA – OBRIGATORIEDADE.

Sequência:Não acatada.

1. Um grupo significativo de indivíduos dirigiu-me diversas reclamações, que têm em comum a questão da não atribuição de pensões de aposentação a funcionários e agentes da ex-administração ultramarina que perderam a nacionalidade portuguesa. Reclamam, essencialmente, da circunstância de essa Caixa não estender a todos os casos similares a solução uniformemente preconizada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido da inexigibilidade do requisito da nacionalidade portuguesa.

2. Indagada das razões de tal procedimento, alegou essa Caixa que a aposentação é uma relação jurídica dependente da relação de emprego público, pelo que, se a privação da cidadania nacional implica a perda do respectivo estatuto funcional, também deverá determinar a extinção do vínculo de aposentação.

3. Mais invoca que no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28.11, que previu a atribuição das aludidas pensões, não se referiu expressamente a aplicabilidade do art.º 82.º do Estatuto da Aposentação (que determina a extinção da situação de aposentação em virtude da perda de nacionalidade portuguesa, quando esta é requisito do exercício das funções pelo que o interessado foi aposentado.) por se mostrar “desnecessário” e, ainda, que a aceitação da tese dos reclamante conduziria a situações de desigualdade.

4. Não se questiona a necessária dependência entre a relação funcional de emprego público e a relação de aposentação, nem que, sendo a nacionalidade exigida para o exercício do cargo, a sua perda implique a extinção da situação de aposentação. Este é o regime geral, previsto no art.º 82.º do Estatuto de Aposentação. Sucede, porém, que a sua invocação é destituída de sentido no caso que nos ocupa, porquanto este reveste natureza especial. Como bem se salienta no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Maio de 1994 (recurso n.º 33.227), “é que o mesmo legislador, consciente de que um grande número de funcionários e agentes da ex-administração ultramarina perdera a nacionalidade portuguesa – até então e pela legislação vigente eram portugueses – quando as ex-colónias ascenderam à independência e que nem todos tinham as condições legalmente exigidas para o ingresso no quadro geral de adidos, procurou com os citados diplomas atender a uma situação excepcional, resultante da perda da nacionalidade portuguesa, ex vi do disposto no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 38-A/75, de 24 de Junho”.

5. É, aliás, no próprio Decreto-Lei n.º 365/78, de 28 de Novembro. que se reconhece ter sido levada em conta a “impossibilidade de ingresso no quadro geral de adidos, por não reunirem para tal as condições legalmente exigidas, de agentes da antiga administração ultramarina que, no entanto reúnem as condições de facto para a aposentação”. Ora, a manutenção da nacionalidade portuguesa era um dos requisitos para o ingresso naquele quadro de funcionários e agentes da ex-administração ultramarina, conforme resulta do disposto no art.º 17.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 294/76, de 24 de Abril. (condição que se manteve na alteração do preceito introduzida pelo Decreto-Lei n.º 819/76, de 12 de Novembro). E, mais tarde, quando pelo Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho. se extinguiu a faculdade de requerimento das pensões em causa a todo o tempo, não deixou de se reafirmar a relação entre a atribuição de tais prestações e a impossibilidade de ingresso no quadro geral de adidos (entretanto extinto pelo Decreto-Lei n.º 42/84, de 3 de Fevereiro) e de se qualificar a medida do Decreto-Lei n.º 362/78 como revestindo “carácter temporário e excepcional” (cfr. preâmbulo).

6. Do reconhecimento do carácter especial ou excepcional da situação dos funcionários e agentes da ex-administração ultramarina que perderam a nacionalidade portuguesa resultam duas evidentes consequências. Por um lado, a de que não é correcto concluir-se ter o legislador sentido como desnecessária a referência ao art.º 82.º quando no art.º 1.º, n.º, 2, do Decreto-Lei n.º 362/78 determinou a aplicabilidade de normas específicas do Estatuto da Aposentação. A presunção de que o legislador se exprime com clareza e de modo correcto impõe considerar que este não pretendeu a aplicação do art.º 82.º às situações reguladas no diploma, tanto mais que as mesmas se revestiam de natureza especial. Por outro lado, é forçoso concluir que não há que falar em desigualdade provocada pela inexigibilidade da nacionalidade portuguesa para a atribuição de pensões de aposentação nos casos descritos. A sua especificidade torna materialmente diferentes as situações, desse modo reclamando um tratamento diferenciado.

7. Já será legítimo invocar o princípio da igualdade para reputar inaceitável o procedimento dessa Caixa de não conferir idêntico tratamento a todas as situações de aposentação de funcionários e agentes da ex-administração ultramarina. Na verdade, têm sido executadas as decisões judiciais no sentido da atribuição de pensões de aposentação a quem perdeu a nacionalidade portuguesa, sem que a Caixa confira idêntico tratamento a todos os casos não submetidos a juízo ou cuja decisão judicial ainda não é conhecida. Sendo, ainda, de salientar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido uniforme no sentido exposto.

8. Tratar-se-á, aqui, das implicações do princípio da igualdade no plano da autovinculação da Administração a decisões anteriores. Será oportuno, neste ponto, atender às considerações de ESTEVES DE OLIVEIRA (“Código do Procedimento Administrativo Comentado”, vol. I, Coimbra, 1993, pag. 151) sobre a matéria:
“Para que possa falar-se em regra do precedente no seio da actividade administrativa, são necessários, na verdade, requisitos positivos e negativos.
Os primeiros consistem na identidade subjectiva – as actuações (precedente e actual) têm que provir do mesmo órgão ou dos seus sucessores legais nessa competência -, na identidade objectiva – os elementos objectivos das duas situações (pressupostos, procedimento e a forma) têm que ser similares – e na identidade normativa das situações em apreço, ou seja, na identidade da respectiva disciplina jurídica.

Ao invés, são seus requisitos negativos, o facto de a decisão precedente não ser contrária ao interesse público actual e de não ser ilegal (não há, como se disse, em caso de ilegalidade, direito a tratamento igual)”.

9. Não há dúvida de que, no caso em análise, se encontram preenchidos os requisitos indispensáveis para se exigir da Administração o respeito da conduta precedente. E, perante a citada jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, não invoque essa Caixa que são ilegais as atribuições de pensões a ex-funcionários ultramarinos que perderam a nacionalidade portuguesa. O respeito do caso julgado – defende FREITAS DO AMARAL (“A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos”, pag. 45) – “exige, assim, antes de mais, que a Administração não pratique acto algum em que directa ou indirectamente discorde da sentença proferida pelo tribunal: deve a Administração abster-se de sustentar opiniões contrárias às expressas na sentença e, bem assim, de pôr em causa a procedência dos fundamentos invocados ou o acerto da decisão tomada”.

Em face do exposto,RECOMENDO:

que o entendimento constante dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da inexigência da nacionalidade portuguesa para a atribuição de pensões de aposentação aos funcionários e agentes da ex-administração ultramarina seja aplicado a todas as situações idênticas.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel