Ministro da Saúde
Rec. nº 102A/94
Proc.:2988/93
Data:1994-06-15
Área:A 4
ASSUNTO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DOS HOSPITAIS – TITULARES – NOMEAÇÃO – PODER DISCRICIONÁRIO LIMITADO – FUNDAMENTAÇÃO DOS DESPACHOS DE NOMEAÇÃO.
Sequência:Não acatada
I – ANTECEDENTES E JUSTIFICAÇÃO
1. Na sequência de uma queixa entrada nesta Provedoria em Novembro de 1993, foram dirigido vários ofícios ao Chefe de Gabinete de V.Exa:
1.1. 0 nº…, de 30.11.93
1.2. 0 nº … de 5.01.94
1.3. 0 nº … de 11.02.94
1.4. 0 nº … de 11.03.94
2. Foram ainda solicitadas informações e documentos ao Director-Geral de Saúde e aos Presidentes dos Conselhos de Administração dos Hospitais Psiquiátricos do Lorvão e Sobral Cid.
3. Pese embora o deficiente entendimento que a Administração Pública por vezes revela do seu dever de cooperar com o Provedor de Justiça, no caso em apreço foi já possível reunir um conjunto razoável de respostas.
4. Estas, quando conjugadas, evidenciam alguma ambiguidade ou desfasamento que julgo reflectirem o modo como vem sendo entendido e aplicado, porventura desde a sua entrada em vigor, o actual dispositivo legal regulador das nomeações dos gestores hospitalares.
Assim, a presente Recomendação visa, não só a nomeação do actual Presidente do Conselho de Administração do Hospital Psiquiátrico do Lorvão (HPL), mas também todos os procedimentos conducentes a futuras nomeações de gestores hospitalares na vigência do Dec-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro, e do Dec-Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro.
II – FACTOS
5. 0 Dr. A adquiriu o grau de assistente hospitalar de psiquiatria em 31.01.90 após conclusão e aprovação, no Hospital Sobral Cid (H.S.C.), do respectivo internato complementar.
6. 0 Dr. A, por despacho de 30.01.91, do Ministro da Saúde, foi nomeado, por urgente conveniência de serviço, Presidente do Conselho de Administração do HPL,assumindo também as competências próprias do cargo de Director Clínico, sem auferir proventos por estas funções.
7.À data da nomeação acima referida estavam providos e desempenhavam funções no HPL os titulares do grau de chefe de serviços (agora designado de consultor) Drs. A e B. .
8. Em 27.12.93, o Ministro da Saúde renovou “a comissão de serviço do Lic. A no cargo de director do HPL a partir de 30.01.94 continuando a assumir as competências próprias do cargo de director clínico”.
9. À data do despacho de renovação referido em 8,pertenciam ao quadro do HPL 3 médicos titulados com o grau de consultor hospitalar. Além dos já referidos em 7, o Dr. C .
10. 0 Dr. A fora entretanto admitido e classificado em 4º lugar no concurso interno aberto pelo H.S.C. em 21.12.92 para provimento de lugares na categoria de assistente hospitalar, e foi já nomeado por despacho de 17.02.94 do Conselho de Administração daquele Hospital.
III – 0 DIREITO
11. Carreiras Médicas
11.1. 0 nº 2 do artº 33º do Dec-Lei 310/82, de 3 de Agosto, determina que “os médicos que adquirem o grau de assistente após frequência com aproveitamento do respectivo internato complementar (…) podem manter-se em serviço na mesma instituição pelo prazo improrrogável de 3 meses a contar da finalização do internato”.
Os nºs 3 e 4 do mesmo artigo determinam a cessação de qualquer vínculo do assistente ao serviço onde concluiu o internato, sem prejuízo da possibilidade de candidatura a concursos (internos, se ainda tem vínculo) para lugar do quadro da mesma instituição.
Perdido o vínculo, o assistente só pode ser admitido a concurso externo (nº 2 b) do Regulamento aprovado pela Portaria nº 833/91, de 14 de Agosto.
11.2. 0 nº 5 do mesmo artº 33 garantia colocação aos médicos aprovados no internato, depois de decorridos 3 meses sem terem sido providos, “na situação que melhor convier aos serviços, dentro da sua área profissional”.
Esta “colocação” não se traduzia num provimento, isto é, não investia o médico na titularidade de um lugar de quadro, porque esta só seria alcançável através de concurso, mas mantinha os interessados com um vínculo precário à instituição.
11.3. Sendo o Dec-Lei 310/82 um diploma profundamente inovador e aglutinador da disciplina das carreiras médicas, contém normas de transição que permitiram a redução de uma multiplicidade de situações anteriores a apenas 3 carreiras (hospitalar, saúde pública e clínica geral), com os correspondentes graus e categorias.
0 nº 11 g) do artº 40 do citado diploma fez transitar para o grau e o lugar (categoria) de chefe de serviço da carreira hospitalar, os médicos que em 8.08.92 eram chefes de clínica.
11.4. 0 artº 2º do Dec-Lei 90/88, de 10 de Março, revogou o nº 5 do artº 33 do Dec-Lei 310/82, mas manteve-o em vigor para os internatos iniciados antes de 1.1.88. Por sua vez, o artº 24 nº 1b) do Dec-Lei 128/92, de 4 de Julho, permitiu a prorrogação do vínculo precário (com contrato administrativo de provimento) dos médicos aprovados no internato complementar, que passou a designar de “assistentes eventuais” (artº 25b).
Essa prorrogação pode manter-se ate à aceitação do lugar na categoria de assistente (na sequência de concurso de provimento) quando o internato tenha tido início antes de 1.1.88. (“A Lei nº 4/93, de 12 de Fevereiro, alargou o regime de prolongamento aos internatos iniciados antes de 1.1.89.”)
11.5. 0 ingresso na carreira médica hospitalar faz-se, mediante concurso de provimento (nº 3 do artº 12º do Dec-Lei nº 1 do artº 15º do Dec-Lei 73/90, de 6 de Março) na categoria de assistente hospitalar (nº 3 a) do artº 28 e artº 26 respectivamente, dos dois diplomas citados). Estes dispositivos fazem aplicação do nº 2 do artº 47º da Constituição.
12. Órgãos de Gestão Hospitalar
12.1 . Em cumprimento do artº 20 do Dec-lei nº 19/88, de 21 de Janeiro, foi aprovado o Dec-Regulamentar nº 3/88, de 22 do mesmo mês, que constitui o regulamento dos órgãos dos hospitais integrantes do S.N.S. .
Segundo o nº 1 do artº 7º, o director do hospital (que é simultaneamente o presidente do Conselho de Administração (C.A.)) “é nomeado pelo Ministro da Saúde de entre individualidades de reconhecido mérito, experiência e perfil adequados às respectivas funções no hospital em causa”.
De acordo com o nº 2 deste artigo (redacção do Dec. Reg. 14/90, de 6 de Junho) “o provimento do cargo de director obedece càs normas previstas nos nºs 1, 2, 3, e 5 do artº 5º e nos artºs 6º e 7º do Dec-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro” (Estatuto do Pessoal Dirigente).
0 nº 3 do artº 8º do Regulamento permite ao Ministro da Saúde determinar que “face ao perfil do director, este assuma também as competências de um dos outros membros do C.A., caso em que não haverá lugar à designação do respectivo titular”.
12.2. Dos restantes membros do C.A. (Dec. Reg. 3/89 (artº 30, nº 1,a)) destaco o director clínico que, segundo o nº 1 do artº 12º do mesmo Regulamento deve ser nomeado pelo Ministro da Saúde “de entre médicos pertencentes ao quadro permanente da carreira hospitalar e de preferência do quadro do hospital”, devendo no caso dos hospitais centrais “possuir grau não inferior a chefe de serviço hospitalar”, e no caso dos hospitais distritais, ter pelo menos 4 anos de graduação
em assistente hospitalar.
0 provimento do director-clínico obedece também às disposições do Dec-Lei 323/89 citadas no ponto anterior.
12.3. Por força das disposições conjugadas dos artº 3 nº 1 do Regulamento Geral dos Hospitais (aprovado pelo Dec-Lei nº 48358, de 27 de Abril de 1968) do Dec-Lei 41759, de 25 de ,Julho 1950 (que criou o Instituto de Assistência Psiquiátrica) e de Base VII da Lei de Bases de Saúde Mental (Lei 2118, de 3 Abril de 1963), o Hospital Psiquiátrico do Lorvão é um hospital central especializado.
13. Provimento do Pessoal Dirigente
13.1. 0 Dec-Lei 323/89, de 26 de Setembro, “estabelece o estatuto do pessoal dirigente” (artº 1º nº1); o artº 5º trata do provimento.
13.2. Segundo o nº 1 daquele artigo, “o pessoal dirigente é provido em comissão de serviço por um período de 3 anos, que poderá ser renovado por iguais períodos”.
13.3. Para efeitos de renovação da anterior nomeação em comissão de serviço, “deve o membro do Governo competente ser informado com antecedência mínima de 90 dias do termo do período de cada comissão, cessando esta automaticamente no fim do respectivo período sempre que não seja dado cumprimento àquela formalidade” (artº 5º nº 2 do Estatuto).
E o nº 3 do mesmo artigo determina que “a renovação da comissão de serviço deverá ser comunicada ao interessado até 30 dias antes do seu termo (…)”.
14. Vinculação e Discricionaridade
14.1. “Vinculação e discricionaridade são as duas formas típicas pelas quais a lei pode modelar a actividade da Administração Pública” (Freitas do Amaral in “Direito Administrativo”, vol. II, 1984 pág. 260).
Segundo Marcello Caetano “o poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado na lei. 0 poder será discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere” (Manual de Direito Administrativo, vol. I, p. 214).
De novo F. Amaral: “Em bom rigor, não há nunca actos totalmente vinculados nem actos totalmente discricionários. Os actos administrativos são quase sempre o resultado de uma mistura ou combinação, em doses variadas, entre o exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários.
0 que quer dizer, por outras palavras que praticamente todos os actos administrativos são simultaneamente vinculados e discricionários (…)” “idem, pág. 262 e 263).
0 mesmo autor (idem, pág. 283) afirma: “o poder discricionário é um poder jurídico que resulta da lei e que consiste na faculdade de opção livre por uma de entre várias soluções possíveis dentro dos limites traçados pela própria lei”.
No exercício dos poderes discricionários, a Administração está sempre vinculada a respeitar o fim ou interesse público protegido que subsiste não obstante a concessão daqueles poderes, e a acatar outros aspectos limitativos (vinculados) da actividade discricionária, como sejam, a competência do órgão, os princípios gerais de direito, a obrigação de fundamentar os actos administrativos e outros.
E também F. Amaral defende que “num Estado de Direito democrático, quanto mais reduzida for a zona da discricionaridade administrativa, tanto melhor” (idem, pág. 348).
14.2. Da discricionaridade há que distinguir a interpretação e o preenchimento dos conceitos vagos e indeterminados.
Segundo Freitas do Amaral “a interpretação da lei (incluindo a dos conceitos vagos ou indeterminados) visa apurar a vontade da lei ou do legislador; a discricionaridade visa tornar relevante nos termos em que a lei o tiver consentido, a vontade de Administração”. E daqui resulta que a actividade de interpretação da lei – incluindo o apuramento do sentido dos conceitos vagos ou indeterminados por ela usados – tem precedência lógica e cronológica sobre o exercício de poderes discricionários (obra citada, pág. 284/5).
15. A fundamentação dos actos administrativos
15.1. Segundo dispõe o nº 1 do artº 124 do Código de Procedimento Administrativo (C.P.A) “devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos (…) .
Segundo o artº 125 do C.P.A. e a jurisprudência administrativa, a fundamentação deve ser expressa, sucinta, clara, congruente e suficiente.
15.2. Também os actos discricionários, ou os apectos discricionários dos actos administrativos, carecem de fundamentação (cfr. Esteves de Oliveira “Noções de Direito Administrativo”, 1982 pág. 472 e a jurisprudência ali citada).
Como este autor refere, a fundamentação funciona como um silogismo em que as razões de direito constituem a premissa maior (competência, pressupostos e objecto do acto), os factos, a premissa menor, e a decisão, a conclusão lógica.
Também Vieira de Andrade (in “0 Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos”, Almedina, 1991, pág. 131 e segs.) sublinha o aspecto subordinado de toda a actividade administrativa (princípio da legalidade – artº 3º do C.P.A – e princípio da prossecução do interesse público – artº 4º do CPA) e refere que é através da fundamentação que se afere do respeito por aqueles princípios e pelo fim legal previamente definido e que, caso a caso, o acto discricionário há-de visar.
Conclui este autor que “a discricionariedade não reduz o âmbito do dever de fundamentação” (idem, pág. 139).
15.3. Quanto aos interesses legalmente protegidos (expressão que, na obra citada, Freitas do Amaral faz equivaler à de “interesses legítimos”), este autor considera indispensáveis para a sua existência, de entre outros factores, os seguintes:
– “que a lei proteja directamente um interesse público que, se for correctamente prosseguido, implicará a satisfação simultânea do interesse individual referido;
– que, por isso, o titular do interesse privado não possa legalmente exigir da Administração que satisfaça o seu interesse, mas possa exigir-lhe que não prejudique esse interesse ilegalmente”.
16. Revogação do acto administrativo
Segundo o artº 138º do C.P.A., “os actos administrativos podem ser revogados por iniciativa dos órgãos competentes (…)” que são, entre outros, os seus autores, (artº 142º nº 1 do CPA). Neste caso, a revogação tem efeito rectroactivo (artº 145 nº 2 do CPA).
IV – Análise e comentário
17.1 . À data (Janeiro de 1991 ) em que foi nomeado Director do HPL, o Dr. A tinha o grau de assistente hospitalar de psiquiatria concluido um ano antes.
Não estava ainda provido na categoria correspondente de assistente hospitalar e, por isso, ainda que se tenha mantido em exercício de funções clínicas, fê-lo com um vínculo precário ao Hospital onde concluiu o internato complementar (Hospital Sobral Cid).
17.2. Segundo o nº 1 do artº 7º do Dec. Reg. 3/88, o Ministro da Saúde goza do poder discricionário de escolher o director do hospital, poder esse limitado pelo fim legal (o respeito pelo interesse público de que um hospital psiquiátrico seja bem gerido e preste cuidados de saúde correctos) que a prática do acto de nomeação há-de satisfazer, e também, convergentemente, pelos requisitos que o nomeado há-de preencher: “individualidade de reconhecido mérito, experiência e perfil adequados” e que contribuem para a melhor
prossecussão daquele fim.
Respeitando o fim legal e face a várias individualidades com os requisitos exigidos, o Ministro da Saúde pode escolher livremente qualquer uma delas.
Mas aqueles requisitos, que constituem aspectos vinculados do acto discricionário, inserem-se no domínio dos conceitos vagos e indeterminados e carecem de ser interpretados pelo Ministro por forma a concretizá-los e a determiná-los.
0 que é, no caso, uma individualidade, em que se traduz o seu reconhecido mérito, a experiência e o perfil adequados ao exercício das funções de director de um hospital psiquiátrico?
Ora, na interpretação ou concretização dos conceitos citados, o Ministro não goza de poderes discricionários, porque a Administração não pode escolher a interpretação que melhor entender, mas sim a que se apresentar como correcta.
No caso em apreço, não parece que a vontade do legislador tenha sido devidamente interpretada pelo Ministro da Saúde quando considerou que um médico graduado há um ano em assistente hospitalar de psiquiatria reunia todos os requisitos profissionais impostos por lei. Se quanto a dois deles podiam alimentar-se dúvidas, quanto à experiência adequada, ela só poderia ser considerada como inexistente.
Ou seja, dificilmente o Ministro poderia assegurar que os pressupostos de facto da nomeação estavam preenchidos e talvez por isso não cuidou de demonstrar que tal se verificava, pois o despacho de 30.01 .91 carece em absoluto de fundamentação quanto à verificação em concreto dos requisitos legais da nomeação, (e tal falta de fundamentação gera vício de forma do acto praticado).
17.3. Mas o despacho sub judice não se limitou a nomear o director do HPL. Determinou também que o nomeado acumulasse as funções de director clínico do mesmo Hospital invocando a previsão do nº 3 do artº 8º do Dec. Reg. 3/88, que concede ao Ministro o poder discricionário de determinar que, face ao perfil do director, este assuma também as competências de um dos outros membros do conselho de administração”.
Também existe a necessidade de determinar o fim visado pelo legislador ao permitir esta duplicação de funções e responsabilidades, o qual deve ser respeitado quando “face ao perfil do director” o Ministro considera que esse perfil satisfaz as exigências legais para o provimento simultâneo de outro lugar por um mesmo titular. Este fim está evidentemente relacionado com o dever de boa gestão por parte da Administração, mesmo quando existam outros fins acessórios que resultam irrelevantes, por superabundantes.
Ora as normas aplicáveis tanto para os hospitais centrais como para os distritais preconizam uma escolha (poder discricionário) limitada à verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
– ser médico do quadro permanente da carreira hospitalar (com preferência para os do quadro do próprio hospital).
– ter um determinado grau dessa carreira.
Não vejo fundamento legal para excluir estes requisitos do perfil do director nos casos em que o Ministro lhe determine a assunção cumulativa das funções de director clínico.
17.4. A acumulação que, no despacho de 30.01.91, concretiza um poder discricionário não está fundamentada de facto, sendo a fundamentação de direito também insuficiente.
17.5. Ora quer a nomeação para director do hospital, quer a assunção das funções de director clínico afectam interesses legalmente protegidos.
A primeira, de todas as individualidades de reconhecido mérito, experiência e perfil adequados ao exercício do cargo; a segunda, dos médicos providos em categorias do quadro permanente da carreira hospitalar no HPL, titulares do grau de chefe de serviço (hoje designado de consultor).
Em 30.01.91, eram dois os médicos nestas condições.
17.5. Não foram expressamente interpretados os conceitos vagos e indeterminados que constituem os requisitos a preencher pelo director do hospital nem referidas as características profissionais, curriculares e anímicas do Dr. A que integram aqueles conceitos (vício de forma, por falta de fundamentação).
Não foram referidas as circunstâncias que conduziram à conclusão de que o Dr. A tem um perfil que justifica o exercício cumulativo de dois cargos (vício de forma, por falta de fundamentação).
0 Dr. A não satisfazia nenhum dos requisitos exigidos para desempenhar as funções de director clínico, nem num hospital central (não tem o grau de consultor) nem num hospital distrital (não estava graduado em assistente há quatro anos). Não pertencia ao quadro permanente da carreira nem do H.P.L.. Tal constitui vício de violação de lei por erro de facto nos pressupostos.
os vícios assinalados são geradores de anulabilidade do despacho de nomeação.
Todavia, decorridos 3 anos sobre a assunção de ambas as funções sem que tenha sido contenciosamente impugnado, aquele despacho consolidou-se e passou a constituir caso decidido.
17.6. Mas os três anos de comissão de serviço do Dr. A no cargo de director do HPL completaram-se em 29 de Janeiro de 1994.
Por isso, nos termos conjugados do artº 5º do Dec-Lei 323/89 e do artº 72 do C.P.A., o Conselho de Administração do HPL deveria disso informar o Ministro da Saúde com antecedência de 90 dias úteis, ou seja, até 23 de Agosto de 93, sob pena de cessação automática daquela comissão de serviço no termo do seu prazo.
Tal não se verificou, e por isso verificou-se a cessação da comissão inicial.
17.7. Não obstante, por despacho de 27.12.93, o Ministro da Saúde declarou renovar “a comissão de serviço do Lic. A no cargo de director do H.P.L. a partir de 30.01.94, continuando a assumir as competências próprias do cargo de director clínico”.
17.8. À data da “renovação” da comissão de serviço, existiam no quadro permanente do H.P.L. 3 médicos graduados em consultor.
0 Dr. A continuava graduado em assistente e não pertencia ainda ao quadro permanente da carreira nem ao quadro do H.P.L., nem tinha exercido funções clínicas no H.P.L. .
17.9. 0 despacho de “renovação” omite qualquer fundamentação quer quanto à escolha do nomeado, quer quanto à acumulação de cargos.
17.10. Mas o despacho de “renovação” não é um mero despacho confirmativo. É um acto novo inquinado pelos mesmos vícios que enfermavam o primeiro despacho de nomeação e que o decurso do tempo sanara. Os vícios do despacho de 27.12.93 não estão ainda sanados e afectam-no de anulabilidade.
Constituem por isso fundamento de direito para a revogação do acto inquinado.
V – CONCLUSÕES
18. Os diplomas em vigor aplicáveis à nomeação dos titulares de cargos no conselho de administração dos hospitais conferem ao Ministro da Saúde um poder discricionário temperado por diferentes vinculações;
19. Entre estas, destaco a área de recrutamento do director (entre individualidades de reconhecido mérito, experiência e perfil adequados às funções) e do director clínico (entre médicos pertencentes ao quadro permanente da carreira hospitalar, de preferência do quadro do hospital, titulares de um determinado grau nessa carreira);
20. A acumulação de outro cargo no conselho de administração por parte do director pressupõe um determinado perfil do titular;
21. Os conceitos vagos e indeterminados contidos nos artºs 7º nº 1 e 8º nº 3 do Dec-Reg. 3/88, de 22 de Janeiro, carecem de interpretação expressa por parte do Ministro de Saúde sempre que, com fundamento neles, procede à nomeação de gestores hospitalares;
22. Porque não expressa e suficientemente fundamentado o despacho de 27.12.93 que nomeou o Dr. A em comissão de serviço como director do H.P.L. e determinou a acumulação com o cargo de director clínico, está ferido de vício de forma;
23. 0 desrespeito das exigências inerentes à nomeação do director do H.P.L., decorrente, quer da falta de fundamentação, quer da evidente pobreza curricular em matéria de administração do nomeado, configura vício de desvio de poder que inquina o despacho citado.
24. Porque o nomeado não satisfaz os requisitos inerentes ao perfil legal de director clínico, o mesmo despacho está ferido de vício de violação da lei.
25. 0 afastamento não fundamentado de 3 médicos do quadro permanente da carreira hospitalar e do quadro privativo do H.P.L., mais graduados e mais antigos do que o Dr. A que satisfazem o perfil legal de director clínico, constitui vício de desvio de poder.
26. A renovação da comissão de serviço do Dr. A como director do H.P.L. está ferida de vícios de desvio de poder, de forma e de violação da lei, pelo que é anulável no prazo de um ano contado a partir da eficácia do acto.
27. 0 Ministro da Saúde goza de competência legal para proferir o despacho revogatório do despacho de 27.12.93 em que determinou aquela comissão de serviço
TERMOS EM QUE
Ao abrigo do artº 20º nº 1 a) do Estatuto do Provedor de Justiça aprovado pela Lei 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO a V.Exa. que revogue o seu despacho de 27.1 2.93, que nomeou, em comissão de serviço, director do Hospital Psiquiátrico do Lorvão em acumulação com o cargo de director clínico, o Dr. A .
Recordo o disposto no artº 38, nºs 2 e 3, do Estatuto do Provedor de Justiça e fico a aguardar a comunicação de V.Exa. sobre a matéria.
0 PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel