Ministro da Defesa Nacional

Rec. n.º 252A/93
Proc.: R-2389/92
Data:1994-01-14
Área: A 5

ASSUNTO: FORÇAS ARMADAS E FORÇAS DE SEGURANÇA – CARREIRA.

Sequência:

1. Em queixa que me dirigiu, o Capitão … , do Serviço Geral dos Quadros Permanentes da Força Aérea, actualmente na situação de reserva, alegou, o seguinte:
1.1. Tendo permanecido na situação de reserva cerca de 10 anos, na sequência de “saneamento revolucionário”, operado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 309/74, de 8 de Julho, requereu ulteriormente a revisão de sua situação militar, com vista a uma eventual reconstituição da carreira, conforme o previsto nos art.ºs 1.º, n.º 1, e 4.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei 330/84, de 15 de Outubro.

1.2. Apresentado o respectivo requerimento em 24 de Outubro de 1984 no C.E.M.F.A., em 8 de Março de 1985, verificando que o seu pedido de reintegração no activo não tinha sido ainda objecto de qualquer decisão, solicitou, à mesma entidade lhe fosse dado a conhecer o despacho que porventura tivesse sido proferido (vid. xerocópias anexas).

1.3. Mas o pedido em causa só veio a ser deferido por despacho do C.E.M.F.A. de 17 de Fevereiro de 1986, sendo o reclamante reintegrado no activo com o mesmo posto e antiguidade, por Portaria de 04.03.86 publicada na O.S.F.A., II Série, n.º 22/86, ou seja cerca de ano e meio depois da apresentação do pedido.

1.4. No, entanto, como a decisão foi proferida em próxima daquela em que o reclamante perfez 58 anos de idade, -precisamente em 1 de Julho de 1986- passou à reserva nos termos do art.º 71.º do antigo Estatuto do Oficial da Força Aérea,
uma vez que atingiu o limite de idade para os militares com o posto de capitão permanecerem no activo.

1.5. Em consequência desta situação, imputável no seu entender, à excessiva demora no deferimento do pedido de reintegração, o reclamante não teve possibilidade de frequentar o curso de formação legalmente exigível para a promoção ao posto imediato, consequência danosa que tem por injusta e discriminatória.

2. Ouvido o C.E.M. da Foça Aérea, confirmou, no essencial, o precedente quadro factual e circunstancial, avançando a justificação de que a demora no deferimento do pedido de reintegração no activo, em causa, tal como outros de sentido paralelo, se deveu, presumivelmente, a dúvidas suscitadas na interpretação e aplicação do mencionado Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro (vid. xerocópia do ofício de 30.12.1992, em anexo).

3. Valorando juridicamente o quadro factual atrás descrito, devo reconhecer, desde logo, não estar em causa a legalidade intrínseca do despacho reintegrador proferido em 17 de Fevereiro de 1986 pelo C.E.M.F.A., dada a sua compatibilidade com a lei material (art.ºs 1.º e 4.º n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 380/84, de 15 de Outubro). No entanto, já se revela censurável a dilação verificada na sua emissão, que se tem por indevida, por claramente excessiva, logo “não razoável” nas circunstâncias do caso.

4. Com efeito, quer a jurisprudência do Tribunal Europeu, quer a perfilhada mais recentemente pelo Supremo Administrativo, vem entendendo que embora os conceitos de “dilação” indevida e de “prazo razoável” não sejam susceptíveis de uma definição uniforme para todos os casos, deve considerar-se “prazo razoável” o temporalmente adequado nas circunstâncias de cada caso.

5. Foi justamente para evitar o arrastamento dos procedimentos administrativos que o Código de Procedimento Administrativo veio fixar, com carácter inovador, no respectivo artigo 71.º, um prazo comum concedido à Administração para a prática dos actos administrativos em geral (prazo de 15 dias).

6. No caso vertente, na falta de prazo assinado na lei concretamente aplicada, deve ponderar-se que o prazo que mediou entre a apresentação do requerimento pelo oficial reclamante e o despacho que o reintegrou no activo- cerca de ano e meio- é manifestamente excessivo, atenta, sobremaneira, a circunstância de aquele satisfazer todas as condições especiais para a promoção ao posto imediato à excepção do curso de formação que a demora havida no despacho em causa, impediu de frequentar.

7. E não se afigura sequer atendível, nas circunstâncias, a justificação adiantada pelo C.E.M.F.A. para a dilação verificada -dúvidas suscitadas na interpretação e Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro- considerando, por um lado, clareza e alcance do seu outro, o prazo concretamente e decisão do pedido formulado, aplicação do conteúdo prescritivo, e por outro, o prazo concretamente utilizado, para a apreciação e decisão do pedido formulado, que deve considerar–se não adequado no caso vertente.

8. Noutra perspectiva, a omissão culposa da prática do acto decisório, no prazo temporalmente adequado, precludiu ao reclamante a promoção ao posto imediato, já que a passagem à reserva, por determinação da lei, e em função da idade, (58 anos) ocorreu, justamente, em 24 de Outubro de 1986, ou seja poucos meses após a sua reintegração no activo (Portaria n.º 22/86, de 04.03.1986).

9. Uma vez que se verificou, como parece decorrer da situação fáctica descrita, lesão efectiva nos direitos interesses e expectativas legalmente protegidos do reclamante, resultou violado o artigo 266.º da Constituição, que consagra um princípio fundamental extensivo a toda a Administração Pública, tanto directa como indirecta, civil, ou militar, já que toda a actividade pública se acha sujeita à Constituição. (cfr. neste sentido preciso, Prof. Gomes Canotilho e Dr. Vital Moreira “Constituição Anotada” – II vol., pags. 418 e 419).

10. Finalmente, no condicionalismo descrito a conduta omissiva culposa posta em causa, demonstrado que seja o prejuízo e o nexo de causalidade com aquela, pode ainda consubstanciar responsabilidade extracontratual do Estado, em forma solidária com o titular de um órgão seu, consagrada no artigo 22.º da Constituição e na lei ordinária (Decreto-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1968), responsabilidade eventualmente a apreciar em sede própria, pelo órgão jurisdicional competente.

11. Em face do precedentemente exposto, e visando especialmente evitar a repetição no futuro, de condutas omissivas semelhantes, no âmbito das Forças Armadas, tenho por bem RECOMENDAR a Vossa Excelência, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril o seguinte:

– Deve ser emitida providência regulamentar adequada na qual seja determinado o seguinte:

a) Os requerimentos formulados por militares dos três ramos das Forças Armadas quer no activo, quer na situação de reserva fora da actividade de serviço, designadamente os que se reportem à reconstituição e revisão de carreira, deverão ser decididos pela entidade militar competente, na falta de indicação expressa na lei, no prazo temporalmente adequado a cada caso, de forma a não lesar, ou por qualquer forma prejudicar, os direitos interesses e expectativas, legalmente reconhecidos, dos interessados.

b) De modo particular, deverão ser despachados com a urgência que for reclamada em cada caso, os requerimentos formulados por militares na iminência ou proximidade da passagem à reserva, em razão de idade, de forma a não precludir os seus legítimos direitos ou expectativas de promoção ao posto imediato, especialmente nos casos em que a mesma esteja condicionada à frequência de cursos de formação, ou realização de concursos.

12. Dignar-se-á Vossa Excelência dar à presente Recomendação a divulgação interna no âmbito dos Estados-maiores dos três ramos das Forças Armadas, que entenda por adequada.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL