Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões
Rec. n.º 245A/93
Proc.:R-649/91
Data: 1994-01-10
Área: A 3
ASSUNTO: SEGURANÇA SOCIAL – PENSÃO DE REFORMA POR INVALIDEZ – INDEFERIMENTO – REVOGAÇÃO DE DESPACHO.
Sequência:
Na sequência da entrada nesta Provedoria de Justiça de uma reclamação pelo indeferimento da pensão de reforma por invalidez requerida pelo interessado …, procedeu-se à análise do caso, que me levou a concluir pela Recomendação que a seguir formulo, precedida do estudo que constitui a sua fundamentação.
I – Actividade profissional do reclamante
0 reclamante exerceu as funções de delegado de informação médica entre 1971 e meados de 1984.
Entretanto, em 1973, assumiu funções de professor do ensino básico na Escola de Vila Nova de Gaia, onde se mantém, tendo então passado a ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
A referida cessação de funções de delegado de propaganda médica, em 1984, teve como causa a insuficiência física, resultante de sequelas de poliomielite que afectaram o interessado.
II – Pensão de reforma por invalidez-Indeferimento
Face à insuficiência física apontada, requereu o mesmo uma junta médica em 87.03.20, para efeito de lhe vir a ser atribuída uma pensão de reforma por invalidez relativamente à actividade de delegado de propaganda médica.
Submetido a essa junta médica em 89.02.15, foi o requerente considerado definitivamente incapaz para a sua profissão, com efeitos reportados à data do requerimento.
Todavia, como deu conhecimento de que exercia actividade docente, com descontos para a Caixa Geral de Aposentações, foi-lhe indeferido o pedido da pensão.
2. Baseou-se esse indeferimento no disposto nos n.ºs 4 e 6 do art.º 77.º do Decreto-Lei n.º 45266, de 63.09.23, cujo teor é o seguinte:
“4. A incapacidade referida neste artigo reportar-se-á ao exercício da profissão desempenhada pelo beneficiário nos últimos três anos de contribuição, ou, se neste período tiver desempenhado mais de uma, aquela a que corresponda remuneração mais elevada.
6. Seja qual for o regime de protecção social em que a actividade profissional do beneficiário se situe, o período de três anos a que se referem os números anteriores deve corresponder aos três últimos anos de actividade efectivamente exercida”.
Este n.º 6 foi acrescentado ao art.º 77.º do Decreto Regulamentar n.º 7/88, de 29/2, posteriormente, portanto, à data do requerimento da pensão.
III – Apreciação jurídica da decisão
A primeira questão que se suscita é a de saber se, tendo o requerimento da pensão sido formulado anteriormente à data da entrada em vigor do disposto no citado n.º 6 do art.º 77.º, ainda que o respectivo exame médico do requerente é o mesmo aplicável ao caso.
Trata-se, assim, de um problema de aplicação das leis no tempo.
Não se contendo no Decreto Regulamentar n.º 7/88 nenhuma norma donde decorra que o seu regime é aplicável aos processos pendentes, há que recorrer, para o efeito, ao art.º 12.º do C. Civil.
Segundo este normativo, “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos …”
Ao atentar no conteúdo do aludido n.º 6, verifica-se que ele veio atribuir um determinado sentido às normas consagradas nos números que o precedem, não sob a forma de um regime interpretativo mas inovador.
Assim, dispõe, por um lado, que é à actividade efectivamente exercida que se deve atender para efeito de determinar a incapacidade que origina o direito à pensão, e, por outro lado, que essa actividade releva seja qual for o regime de protecção social em que se inscreva.
Esta estatuição atende, como se vê, para efeito de reforma por invalidez no âmbito da segurança social do sector privado, à actividade profissional exercida sob outro regime de segurança social.
Nega esse dispositivo legal o direito à pensão sempre que o requerente, não obstante ter sido considerado incapaz para o exercício da actividade coberta pelo regime de segurança social do sector privado, se revele com capacidade para a profissão que, no sector público, ou noutro, exerceu durante os três últimos anos em que apresenta registo de contribuições.
Trata-se, assim, de atribuição de efeitos jurídicos, ainda que negativos, ao seguinte facto: ter o requerente da pensão desempenhado nos últimos três anos em que contribuiu para a segurança social do sector privado uma actividade abrangida por outro sector de protecção social em relação ao qual se não encontra incapacitado.
Logo, torna-se legítimo afirmar que, por aplicação do art.º 12.º do C.Civil, o disposto no dito n.º 6 só se dirige ao exercício de actividade verificado no âmbito da sua vigência.
Deste modo, como a actividade da docência no ensino público, que no caso vertente está -, em causa, é a que teve lugar nos últimos três anos de contribuição (os três anos que precederam meados de 1984), anteriormente portanto à entrada em vigor do Decreto Regulamentar n.º 7/88, tem de entender-se que este diploma não lhe pode ser aplicado.
Consequentemente, há que concluir que o despacho de 89.07.11, que indeferiu o requerimento ao reclamante, enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos de direito.
IV – Regime legal aplicável
1. É o n.º 5 do art.º 77.º do Decreto n.º 45266 que constitui o ponto de partida para a resolução do caso.
Dispõe-se nesse preceito que:
” Se à data em que for requerida a pensão houver cessado o pagamento de contribuições por período superior a doze meses consecutivos, ou se houver interrupção de contribuições por igual período nos cinco anos que precedem o requerimento, a pensão apenas será concedida no caso de a redução da capacidade de trabalho respeitar não só às profissões desempenhadas pelo beneficiário nos últimos três anos de contribuição, mas também a qualquer outra profissão de categoria equivalente e que seja compatível com igual formação e habilitações profissionais”.
Esta parte do preceito, por nós sublinhada, tem de ser interpretada de harmonia com o n.º 3 do art.º 2.º do Regulamento das Juntas Médicas para Verificação da Invalidez, aprovado pelo Despacho de 73.04.23, publicado no Boletim do I.N.T.P., n.º 23, de 73.06.22, que prescrevia que:
“Enquanto não estiverem em funcionamento as comissões de verificação de invalidez previstas no art.º 79.º do Decreto n.º 45266 e enquanto as juntas médicas de invalidez que as substituem transitoriamente não dispuserem de tabelas de equivalência de profissões, a incapacidade para o trabalho dos beneficiários que, à data em que for requerida a pensão, houverem cessado o pagamento de contribuição por período superior a doze meses consecutivos ou que hajam tido interrupção de contribuições por igual período nos cinco anos que precedem o requerimento reportar-se-á, igualmente, às profissões referidas no número anterior”.
Este número, o n.º 2, dispõe, por seu turno, que:
” A incapacidade para o trabalho reportar-se-á ao exercício da profissão desempenhada pelo beneficiário nos últimos três anos de contribuição ou, se neste período tiver desempenhado mais do que uma, àquela a que corresponder remuneração mais elevada”.
Aplicando este regime ao caso vertente e tendo em atenção o facto de o interessado ter exercido duas profissões (a de delegado de informação médica e a de professor do ensino básico oficial) nos últimos três anos de contribuição (entre 1981 e 1984), com cessação dos descontos nesta última data, impõe-se determinar se deve atender-se para o efeito àquela segunda profissão.
Sucede que o n.º 2 do art.º 2.º do aludido Regulamento é a reprodução do mencionado n.º 4 do art.º 77.º do Decreto n.º 45266, preceito este que, só a partir da entrada em vigor do citado Decreto Regulamentar n.º 7/88 (que acrescentou o n.º 6 a esse artigo) passou a reportar-se também a profissões abrangidas por outros regimes de protecção social, designadamente, ao da função pública, como não pode deixar de ser.
Impõe-se, assim, sustentar que, anteriormente a esse Decreto Regulamentar n.º 7/88, as profissões visadas tanto no n.º 4 do art.º 77.º do Decreto n.º 45266 como no n.º 2 do art.º 2.º do referido Regulamento eram, unicamente, as abrangidas pelo regime de segurança social do sector privado.
Por aplicação deste regime, não deve, assim, relevar, no caso presente, o exercício da actividade de docência na função pública que constituiu a razão do indeferimento da pensão de invalidez requerida pelo reclamante.
Urge, pois, revogar esse despacho de indeferimento, que assume a natureza de um acto administrativo inválido.
Deste modo, e a entender-se que é aplicável ao caso o Código de Procedimento Administrativo, essa revogação só era possível dentro do prazo estabelecido no seu art.º 141.º, uma vez que se trata de um acto administrativo inválido.
Como tal revogação não ocorreu, o despacho converteu-se num acto válido.
E sendo um acto válido ele é susceptível de revogação a todo o tempo mas de harmonia com o art.º 140.º do referido Código.
Se, pelo contrário, se considerar que ao caso se deve aplicar o regime anterior àquele Código, também o despacho continua a poder ser revogado, uma vez que, segundo a melhor doutrina de então, os actos ilegais não constitutivos de direitos eram revogáveis a todo o tempo.
Em face do exposto, impõe-se-me formular a seguinte RECOMENDAÇÃO:
Que venha a ser revogado o despacho de indeferimento da pensão, com a sua consequente atribuição.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL