Ministro da Saúde

Rec. nº 49/A/93
Proc.: 647/87
Data: 27-04-93
Área: A 3

ASSUNTO: SAÚDE – RECUSA DE REEMBOLSO DE DESPESAS – TRATAMENTO NO ESTRANGEIRO – DIAGNÓSTICO INCORRECTO EM PORTUGAL.

Sequência:

1. Temos presentes duas situações em que doentes portugueses recorreram a tratamento, envolvendo intervenção cirúrgica no estrangeiro, na sequência de falta de diagnóstico correcto em Portugal.

2. Trata-se dos casos de R e M, relativamente aos quais houve troca de correspondência com esse Ministério.

3.1. No primeiro dos casos (R), além de o diagnóstico procurado em Portugal não ter sido alcançado, verificou-se que só a intervenção cirúrgica imediata, sem tempo de voltar sequer a Portugal para tratar do que quer que fosse, permitiu salvar-lhe a vida.

3.2. No segundo dos casos (M),verificou-se uma sequência de erros grosseiros de diagnóstico, nomeadamente o erro de localização da peça extraída para biópsia como proveniente da mama esquerda, quando se tratava da direita, além de o resultado da análise laboratorial que veio a revelar resultado positivo (diagnóstico de carcinoma) só ter vindo a ser remetido à paciente quase dois meses após realizada, no estrangeiro, a intervenção cirúrgica manifestamente urgente a que se submeteu.

4. Em ambos os casos foi indicado como fundamento de recusa o despacho conjunto de Suas Excelências os Secretários de Estado da Saúde e da Segurança Social, datado de 1 de Fevereiro de 1977, e publicado no Diário da República nº 46, II Série, de 24 do mesmo mês e ano, o qual exige a organização e a apreciação de um processo prévio, bem como a comprovada inexistência de meios de tratamento em Portugal.

5. Nos casos em apreço, o que está em causa não é a concessão de assistência médica no estrangeiro, mas o pedido de reembolso de despesas já realizadas com a
assistência desse tipo.

6. Da análise das normas reguladoras da concessão da assistência médica no estrangeiro, constantes daquele despacho conjunto, resulta com clareza, em face da tramitação – ali ordenada, que aquele despacho regula situações normais, não abrangendo os casos urgentes nem as hipóteses em que o recurso àquela assistência decorre da situação de perda de confiança fundamentada por parte do
beneficiário nos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, concretamente nos casos em que se verifica um erro de diagnóstico ou de tratamento, pondo em risco o direito à vida e à protecção da saúde dos beneficiários.

7. Assim, o que importa averiguar é se a hipótese de reembolso está expressamente prevista na Lei que disciplina o Serviço Nacional de Saúde e qual o tratamento a dar a essas hipóteses.

8. 0 sistema contemplado na Lei nº 56/79, de 15 de Setembro, é esquematicamente o seguinte:

8.1. 0 beneficiário tem direito a obter do S.N.S. o acesso a todas as prestações que lhe garantam o direito à vida e o direito à protecção da saúde (artigos 4º
e 6º).

8.2. As violações dos direitos garantidos ao utente, tanto quanto à exactidão dos serviços prestados, como quanto à correcção da forma como são prestados, fazem o infractor em responsabilidade disciplinar, para civil ou penal, sem prejuízo de serem indemnizados pelos danos causados pelos órgãos ou pessoal do S.N.S., nos termos da lei reguladora da responsabilidade civil extra-contratual do Estado (artigos 11º e 12º).

8.3. Sem prejuízo do acesso às prestações de cuidados médicos ser assegurado em princípio pelos estabelecimentos e serviços da rede oficial do S.N.S., excepcionalmente poderá ser assegurado por entidades não integradas no S.N.S., mediante reembolso directo aos utentes.

9. Daqui resulta que a lei admite que os utentes sejam reembolsados por despesas feitas fora dos estabelecimentos e serviços do S.N.S., que esses serviços podem ser prestados no estrangeiro e que a falta de exactidão, ou a falta de prestação atempada dos cuidados médicos causadores de lesão aos utentes, torna esta danosidade susceptível de ser indemnizada com base nas regras reguladoras da responsabilidade civil extra-contratual do Estado.

10. Os erros de diagnóstico e tratamento descritos nos dois processos causaram lesão grave no direito à vida e protecção da saúde dos queixosos, determinantes da necessidade de recurso urgente à assistência médica no estrangeiro, sob pena de lesão mais extensa e irreparável.

11. Essa situação era impeditiva do desencadeamento do processo normal estabelecido naquele despacho conjunto.

12. Essa lesão constitui os lesados no direito de serem indemnizados pelo Estado nos termos da lei reguladora da responsabilidade civil extra-contratual (Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967), sendo certo que o direito ao reembolso das despesas feitas constitui elemento componente do direito à indemnização.

13. Ao pedirem esse reembolso os beneficiários lesados vieram exercer, com total legitimidade, o direito à indemnização.

14. Tendo a Administração Regional de Saúde o poder de realizar o reembolso directo, tem o dever de o fazer como forma de indemnizar os utentes pelos prejuízos causados. A recusa deste reembolso constitui atentado contra o direito à vida, na medida em que pressupõe que os utentes deveriam ter posto em gravíssimo risco essa mesma vida para se submeterem a trâmites burocráticos.

15. Devem, pois, ser autorizados os reembolsos das despesas feitas pelos queixosos nos processos nºs 288/85 (doente R) e 131/89 (doente M) da Administração Regional de Saúde de Lisboa.

Face ao exposto, cumpre-me formular a seguinte RECOMENDAÇÃO :

que esse Ministério proceda aos reembolsos pedidos, que se consideram devidos, em obediência aos mais elementares princípios de justiça e por respeito pelo direito à vida.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL