Reitor da Universidade de Coimbra
Rec. nº 8/B/98
Proc.:R-452/96
Data:1998.09.03
Área: 1
Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – ENSINO SUPERIOR – ACESSO – TITULARES DE CURSOS MÉDIOS OU SUPERIORES – CONCURSO ESPECIAL – CRITÉRIOS DE SERIAÇÃO – PREFERÊNCIA – FALTA DE FUNDAMENTO ESPECÍFICO – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
SEquência: Acatada
1. Foi apresentada nesta Provedoria de Justiça uma reclamação relativa aos critérios de seriação dos candidatos ao concurso especial de acesso para titulares de cursos superiores para colocação no curso de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia dessa Universidade.
Reclamava-se designadamente do facto de o primeiro daqueles critérios de seriação atribuir preferência aos candidatos licenciados por estabelecimentos de ensino superior público, em prejuízo dos candidatos oriundos de estabelecimentos de ensino não públicos.
Considera o reclamante que o critério em causa seria discriminatório e infundado, contrariando nesses termos o principio da igualdade, constitucionalmente consagrado.
Apreciada a questão, concluí pela ilegalidade do critério reclamado, nos termos adiante explicitados.
2. A Portaria n.º 582-A/93, de 07 de Junho, cria o concursos especial para acesso ao ensino superior para titulares de cursos médios e superiores ( cf. artigos 1.º e 2.º).
Aquele diploma não estabelece como requisito de admissão ao referido concurso senão a mera titularidade de um curso médio ou superior.
A fixação dos critérios de seriação a aplicar aos candidatos é da responsabilidade da entidade promotora do concurso: no caso das universidades, essa competência cabe ao reitor (cf. artigos 10.º e 14.º, n.º 1, alínea a) ao Regulamento).
Confere-se assim a cada estabelecimento a possibilidade de estabelecer discricionariamente e de acordo com as suas conveniências preferências na admissão dos candidatos.
Tal discricionariedade não será, porém, ilimitada, estando cada estabelecimento vinculado, antes de mais, aos princípios gerais por que se deve pautar a actuação administrativa.
Entre eles encontra-se o princípio constitucional da igualdade, por via do qual se proíbe o arbítrio, impedindo-se qualquer tratamento especial sem justificação razoável e relevante.
Nessa medida, a competência em causa será sempre exercida com objectividade e imparcialidade, exigindo-se da entidade que a detém acrescido esforço de fundamentação jurídico material dos actos que praticar nesse âmbito.
Será pois neste contexto que deverão ser fixados os critérios de seriação aqui apreciados: qualquer preferência a atribuir a determinada situação radicará em especificidades nela contidas que sejam atendíveis e relevantes à luz dos princípios que norteiam o concurso, justificando-se objectivamente o tratamento especial, face a outras situações lhe sejam próximas ou paralelas.
3. Importa pois apreciar o critério aqui reclamado à luz das considerações que ficaram tecidas. Trata-se, como se disse, do primeiro critério de seriação fixado para os candidatos à Faculdade de Ciências e Tecnologia titulares de um curso de licenciatura, por via do qual é conferida prioridade aos “Candidatos titulares de um curso de licenciatura conferido um Estabelecimento de Ensino Superior Público”.
Releva-se portanto a natureza pública ou particular dos estabelecimentos anteriormente frequentados pelos candidatos a concurso, beneficiando os candidatos que tenham frequentado universidades públicas.
Em que medida essa relevância reveste suficiente fundamentação material que a legitime em termos jurídicos é a questão que, assim, se coloca.
Será necessário que esteja presente, ao menos tendencialmente, no conjunto das licenciaturas ministradas nos estabelecimentos públicos de ensino, alguma característica que os permita distinguir (e preferir), à partida e sem qualquer apreciação em concreto, das licenciaturas obtidas em estabelecimentos privados de ensino.
Tal característica não é, porém, perceptível.
Com efeito, na sua previsão, o critério abarca todas as universidades públicas do país, sem distinção. Ora, é sabido que o ensino universitário público em Portugal não é homogéneo nem uniforme, coexistindo nesse subsistema de ensino diversas realidades distintas entre si a vários títulos. Nessa diversidade, não existe qualquer traço comum que permita configurar preliminarmente o conjunto dos estabelecimentos em causa como merecedores de preferência face aos seus congéneres particulares e cooperativos. De igual modo, os licenciados dessas universidades também não se apresentam à partida como preferíveis no seu mérito ou nas suas capacidades académicas, relativamente aos seus colegas que frequentaram estabelecimentos particulares.
A preferência atribuída carece assim de qualquer fundamento específico consistente, por falta do necessário suporte material, pelo que entendo ser o mesmo violador do princípio da igualdade e, em particular, da igualdade no acesso ao ensino superior, consagrados nos artigos 13.º e 76.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Esta violação adquire ainda contornos específicos face à configuração que a Lei Fundamental faz dos ensinos particular e cooperativo, devidamente fiscalizados, reconhecendo-os de pleno direito como sistemas de ensino e equiparando-os, para os devidos efeitos, ao sistema de ensino público (cf. artigo 75.º, n.º 2).
Atento o exposto e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO:
Que, no âmbito dos critérios de seriação em epígrafe, deixe no futuro de ser concedida preferência aos candidatos titulares de um curso de licenciatura conferido por um estabelecimento de ensino superior público.
Igual procedimento deverá ser adoptado em relação a todas as faculdades que, nos concursos em apreço, utilizem um critério idêntico ao reclamado.
Do seguimento que seja dado a esta recomendação agradeço que me seja dado conhecimento.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL