Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo
Número: 18/A/98
Processo: 217/96
Data: 18.03.1998
Área: A1

Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO – VIOLAÇÃO DO PDM – ANULABILIDADE DO DESPACHO DE LEGALIZAÇÃO – DEMOLIÇÃO

Sequência: Não Acatada

I – Exposição de Motivos

1.Pelo Sr… foi dirigida reclamação a este Órgão do Estado na qual alegava a invalidade do acto de legalização das obras efectuadas pelo Sr. J… no logradouro do prédio sito na freguesia da Meadela, nesse concelho.

2.Reportava-se a citada invalidade ao desrespeito das exigências contidas no Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, em matéria de altura das edificações e de distância relativamente aos prédios vizinhos (art. 59º), e à inobservância dos limites impostos pelo Regulamento do Plano Director Municipal de Viana do Castelo (Diário da República, 2ª série, n.º 301, de 31.12.1991), quanto à área edificável em logradouros (art.16º, n.º 7).

3.Quanto ao primeiro aspecto concluiu a instrução que o acto de legalização de … .94 se mostrava inválido por desrespeito da exigência regulamentar contida no art. 73º do RGEU, porquanto entre as janelas existentes na habitação do queixoso e as obras contestadas apenas distam 2,60m, quando o preceito em questão estabelece uma distância mínima de 3 metros entre as fachadas das edificações, numa das quais existam vãos de compartimentos de habitação, e qualquer muro ou fachada fronteiros.

4.Não obstante, tratando-se de uma decisão inválida por vício de violação de lei,encontrar-se-ia, à data, o acto convalidado por efeito do decurso do prazo para interposição de recurso contencioso de anulação.

5. Certo é que o desrespeito da citada norma, constituiu a Câmara Municipal de Viana do Castelo em responsabilidade pelos prejuízos infligidos ao reclamante e mais censurável se mostrava uma vez que, no momento da legalização, se encontrava pendente a reclamação do Sr. M…, na qual era expressamente referida esta questão.

6. Já quanto à questão dos índices de construção consentidos para o lote em causa, nada foi referido por V. Exa. no decurso da instrução. Não obstante, pode concluir-se da documentação junta à reclamação que em … .94, por despacho do Exmo. Vereador de Planeamento e Gestão Urbanística, havia sido indeferido o pedido de legalização uma vez que a área dos anexos existentes e construídos antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal de Viana do Castelo excedia largamente os índices previstos no respectivo Regulamento.

7. Foi esta, para mais, a posição assumida por essa Câmara Municipal em resposta ao pedido de esclarecimento da questão formulado pela Inspecção-Geral da Administração do Território.

8. Todavia, em … .94, o Exmo. Vereador do Planeamento e Gestão Urbanística, na sequência de uma entrevista concedida ao requerente e da reapreciação do processo, conclui que correspondendo a área dos anexos a legalizar a 9 m2 os índices de construção não seriam excedidos.

9. Assim, expressamente revogado o anterior despacho de indeferimento, veio a ser deferida a legalização dos anexos destinados a arrumos e a área de lavagem de roupa, quando a área dos anexos já existentes perfazia cerca de 77 m2. Este valor excede largamente os 50 m2 que no art. 16º, n.º 7, do Regulamento do Plano Director Municipal de Viana do Castelo, se estabelece como o limite máximo da área do lote ou propriedade susceptível de ser ocupada com anexos.

10. A decisão em análise permitiu, assim, a violação simultânea de quanto dispõem os n.ºs 7 e 8 do art. 16º do citado instrumento de planeamento territorial. Aos 50m2 que a primeira destas disposições aponta como área máxima a ser ocupada com anexos, acresce no n.º 8 a proibição sistemática e integral de ocupação de logradouros com edificação.

11. Verifica-se que a decisão ora contestada permitiu uma ocupação do logradouro muito superior aquela que o Regulamento entende aceitável em espaços urbanos, designadamente, para evitar uma excessiva infra-estruturação e concentração de edifícios.

12. À violação do disposto em normas de planeamento urbanístico entendeu o legislador atribuir um desvalor particularmente gravoso, qual seja, o da nulidade do acto de licenciamento ou de legalização das obras. Dispõe o art. 52º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que são nulos os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento, no âmbito do diploma, em violação do disposto em plano municipal de ordenamento do território.

13. Aplicar-se-á, por analogia, aos procedimentos de legalização sumariamente previstos no art. 167º do RGEU a disciplina contida no regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, pelo que de igual desvalor jurídico padece o acto de licenciamento prévio e o acto de legalização de obras particulares que infrinja a disciplina contida em instrumento de planeamento territorial.

14. Com efeito, a legalização de obras é materialmente um acto de licenciamento, porquanto a Câmara Municipal apenas pode permitir a subsistência na ordem jurídica das construções se estas se conformarem com os condicionamentos jurídico-urbanísticos que condicionam a aprovação dos projectos respectivos (art. 17º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro).

15. Neste sentido estabelece o art. 167º do RGEU que a demolição só poderá ser evitada desde que as obras sejam susceptíveis de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade. Uma obra formalmente ilegal, por ausência de título de licenciamento, apenas poderá ser legalizada se for susceptível de se conformar com as normas técnicas e urbanísticas que constituem o parâmetro aferidor da validade do acto de licenciamento. Ora esta apreciação apenas poderá ser feita no âmbito do licenciamento.

16. Não é possível às câmaras municipais formular um juízo sobre a conformidade legal das obras com desconhecimento do respectivo projecto e dos demais elementos que acompanham o pedido de licenciamento, porquanto, materialmente, a única diferença existente entre licenciar e legalizar é a existência da obra. E esta circunstância facilita mesmo a tarefa da entidade licenciadora, porquanto não terá que realizar “uma prognose sobre o desenvolvimento futuro da situação. O facto de a obra estar concluída permite, por exemplo, fazer um juízo bastante mais objectivo sobre os aspectos relativos à estética urbana, nomeadamente no que se refere à inserção da construção na sua envolvente” (MONTEIRO, Cláudio, O embargo e a demolição de obras no direito do urbanismo, FDL, 1995, p. 152).

17. Não se pode, pois, estabelecer diferenças entre o regime do acto de licenciamento prévio e o regime do acto de licenciamento ex post ou de legalização.Outra solução não consente a necessária coerência do ordenamento jurídico e, em especial, o princípio da igualdade. Não se afigura possível que o requerente do pedido de licenciamento de obras particulares se encontre sujeito a uma disciplina jurídica mais rigorosa e veja condicionado em maior grau o seu “jus aedificandi”, do que aquele que infringindo a lei constrói sem licença, crendo na sua legalização benevolente.

18. O conteúdo do “jus aedificandi”, em qualquer dos casos, é conformado pelas normas legais e regulamentares relativas à construção,com especial relevância para os instrumentos de planeamento urbanístico, pelo que o regime a aplicar será o mesmo tratando-se de licenciamento prévio ou ex post. De outra forma estar-se-ia a premiar o proprietário infractor que em ofensa ao interesse público que dita a existência de uma disciplina jurídica respeitante às formas possíveis de intervenção e utilização dos solos para fins de urbanização e de construção, viola o princípio do licenciamento prévio.

20. E, em especial, no que respeita ao desvalor a atribuir aos actos administrativos referentes a obras de construção que violem o disposto em planos de ordenamento do território, não há qualquer fundamento para entender que o acto de licenciamento prévio que ofenda o disposto em tais
regulamentos seja nulo (art. 52º, n.º, alínea b), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91), e apenas anulável, com fundamento na regra geral respeitante à invalidade dos administrativos (art. 134º do Código do Procedimento Administrativo), o acto de legalização ofensivo da mesma ou de outra disposição daqueles instrumentos de planeamento.

21. O legislador entendeu como primordial,ao determinar o grau de invalidade do acto administrativo que infringe a disciplina urbanística contida nos planos, o “interesse público de respeito da legalidade vigente”, na sua vertente objectiva, e não o interesse público da estabilidade e certeza nas relações entre os particulares e a Administração, o qual dita, por razões de certeza e segurança, que ao fim de certo tempo os actos sejam inatacáveis.

22. Assim se justifica que um acto que viole um plano de ordenamento do território “não seja susceptível de ser sanado pelo decurso do tempo, de modo a não comprometer gravemente o correcto ordenamento do território em termos da ocupação,uso e transformação do solo por ele estabelecido” (ALMEIDA, António Duarte de, ob. cit., p. 706).

23. O privilégio conferido à tutela da legalidade urbanística em detrimento da tutela da confiança dos administrados não isenta a Administração da responsabilidade pela concessão de licenças nulas ou da necessária ponderação das situações de facto constituídas ao abrigo de actos nulos e relativamente às quais haverá que ponderar os interesses de terceiros de boa-fé (art. 134º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo).

24. Pelas razões expostas, não procede a argumentação expendida por V. Exa. para justificar o arquivamento do processo de reclamação.

Invoca V. Exa. como fundamento para tal decisão a consolidação, por efeitos do decurso do tempo, do acto de legalização das obras (despacho de 20.07.1994, do Exmo Vereador da Área de Planeamento e Gestão Urbanística), pelo que seria o mesmo insusceptível de revogação, encontrando-se, assim, obstaculizada a ordem de demolição.

25. Sendo nulo tal despacho, deve a Câmara Municipal de Viana do Castelo declará-lo como tal (art. 134º, n.º 2, do CPA) e dessa declaração extrair os respectivos efeitos. Deixando as construções de se encontrar fundadas no acto de legalização e por serem materialmente ilegais, porquanto não respeitam a disciplina técnica e urbanística, não podem subsistir, nada mais restando à Câmara Municipal que ordenar a respectiva demolição (arts. 165º e 167º do RGEU, e art. 58º, n.º 1, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91).

II – Conclusões

Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é confiada para prevenção e reparação das injustiças e ilegalidades (artº 23º, n.º 1, da CRP),

RECOMENDO

1º Que, nos termos do disposto no art. 134º, n.º 2, do Código do procedimento Administrativo, seja declarada a nulidade do despacho de 20.07.1994, do Exmo Vereador da Área de Planeamento e Gestão Urbanística que legalizou as construções;

2º Que seja instaurado o procedimento de demolição das obras, com fundamento em quanto se dispõe no art. 58º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, e aplicação do regime contido no Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL