Ministro das Finanças
R-2518/99
N.º 27/B/99
1999.07.26
Área : A6
Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO – INEFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS – LEI GERAL TRIBUTÁRIA – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA.
Sequência:Não Acatada
I) Artigo 32º-A do Código de Processo Tributário.
1. A Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1999, veio, através do respectivo art.º 51º, n.º 7, aditar ao Código de Processo Tributário, por seu turno aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, o art.º 32º-A, o qual, sob a epígrafe “actos ineficazes”, está redigido da seguinte forma: “São ineficazes os actos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos”.
Sendo certo que o teor do normativo mencionado apenas se justificará e fará sentido se a ineficácia dos actos ou negócios jurídicos no mesmo consignada for entendida em termos estritamente fiscais e nunca civis, a verdade é que o preceito está redigido de forma manifestamente infeliz, tendo tal facto originado já a apresentação de queixas a este Órgão do Estado.
2. Assim, e atendendo designadamente ao que a Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, e o próprio diploma que a autorizou, com tradução na Lei n.º 41/98, de 04 de Agosto, dispõem sobre matéria de certa forma conexa com a da norma em apreço, sempre se dirá que o sentido da interpretação a dar ao dispositivo do Código de Processo Tributário não poderá ser outro senão o de que a negação de efeitos aí prevista atingirá apenas os actos ou negócios jurídicos na sua dimensão fiscal.
Prescreve o art.º 38º da Lei Geral Tributária que “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”, adiantando ainda o n.º 1 do art.º 39º que “em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado”.
Por outro lado, o diploma que autorizou o Governo a aprovar a Lei Geral Tributária – Lei n.º 41/98, de 04 de Agosto – habilita o Executivo a “definir a ineficácia em matéria tributária dos actos ou negócios que pretendam alterar os elementos constitutivos da obrigação tributária” (art.º 2º, alínea 9) e sublinhado nosso), a “regular a simulação tributária, consagrando a norma de que o facto tributário é aquele que foi efectivamente realizado pelas partes” [(art.º 2º, alínea 11)] e, ainda, a “regular a relevância tributária dos actos e negócios inválidos nos termos máximos de equivalência à dos negócios e actos válidos” [(art.º 2º, alínea 12)].
3. Não resulta, pois, do espírito do enquadramento legal apontado a intenção do legislador de regular os efeitos civis dos actos ou negócios efectivados com o intuito de reduzir ou eliminar os impostos devidos, mais concretamente sancionando-os com a cominação da respectiva ineficácia.
Assim sendo, a nova legislação tributária vem no fundo consignar três tipos de orientações. A primeira aponta para a tributação dos efeitos económicos já produzidos dos actos e negócios jurídicos, independentemente da respectiva eficácia ou validade, e está estabelecida no art.º 38º da Lei Geral Tributária, acima citado.
A segunda vai no sentido da tributação, em caso de simulação do negócio jurídico, do negócio jurídico real e não do negócio jurídico simulado, e encontra-se prevista no art.º 39º da mesma legislação, igualmente já referido.
Finalmente, o art.º 32º-A do Código de Processo Tributário vem permitir que actos ou negócios jurídicos que foram realizados com o único ou principal objectivo de não serem pagos os impostos decorrentes dos actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente e que seriam afinal os actos ou negócios considerados “normais” para o objectivo visado, venham a ser tributados como estes últimos.
4. Não estando em causa a solução material que orientou o legislador na definição da matéria em apreço – atendendo a objectivos que visam designadamente atenuar a denominada elisão fiscal abusiva -, a verdade é que a redacção dada ao art.º 32º-A do Código de Processo Tributário é susceptível de ser, de resto desnecessariamente, interpretada de forma errónea no que toca aos efeitos civis do acto ou negócio jurídico concretizado, facto que seria perfeitamente ultrapassável mediante a efectivação de uma pequena alteração da mesma.
5. Deste modo, e ao abrigo do disposto no art.º 20º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril,RECOMENDO:
a Vossa Excelência a alteração da redacção da norma constante do art.º 32º-A do Código de Processo Tributário tendo em vista esclarecer que a ineficácia nela consignada se reporta apenas aos efeitos fiscais dos actos ou negócios jurídicos realizados naquelas circunstâncias, e não aos respectivos efeitos civis.
Sugere-se, sem prejuízo de outra que se tenha por mais conveniente, que o mesmo normativo seja aprovado com a seguinte redacção: “Quando se demonstre que os actos ou negócios jurídicos foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, a tributação recai sobre estes últimos”.
Sugere-se igualmente que seja alterada a epígrafe do artigo em conformidade com o que fica recomendado.
II) Artigo 25º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Deduções de montantes de quotizações devidas a ordens profissionais em sede de rendimentos do trabalho dependente.
1. O art.º 29º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1999, veio dar nova redacção ao art.º 25º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), permitindo, no seu n.º 3, alínea a) e no que toca aos rendimentos do trabalho dependente, que a dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do mesmo dispositivo – a dedução de 70% do valor do rendimento bruto da categoria A pelo titular que o tenha auferido, com o limite de 522.000$00 ou, se superior, de 72% de 12 vezes o salário mínimo nacional mais elevado – possa ser “elevada até 75% de 12 vezes o salário mínimo nacional mais elevado, desde que a diferença resulte de: (…) Quotizações para ordens profissionais suportadas pelo próprio sujeito passivo e indispensáveis ao exercício da respectiva actividade desenvolvida exclusivamente por conta de outrem”.
2. A inscrição nas ordens profissionais é actualmente obrigatória para o exercício de um número já significativo e tendencialmente crescente de profissões, traduzindo desta feita uma condição “sine qua non” para o exercício das actividades por aquelas reguladas.
Acresce ao princípio da inscrição obrigatória de que beneficiam estas associações públicas que as mesmas podem impor – e impõem efectivamente – uma quotização a todos os seus membros, quer estes exerçam a respectiva actividade por conta própria quer a actividade se processe por conta de outrem.
As diversas ordens profissionais, que têm assim o poder legal e o dever deontológico de controlar o acesso à profissão e disciplinar o respectivo exercício, não distinguem, no que toca ao pagamento devido pelos seus associados a título de quotizações, entre membros tributados em sede de rendimentos do trabalho dependente e membros inseridos na categoria B para efeitos da determinação do valor do imposto sobre o rendimento a pagar.
3. Tal distinção é no entanto injustamente permitida pela Lei fiscal, com prejuízo para os contribuintes tributados pela categoria A que, ao contrário dos independentes (cfr. art.º 26º, n.º 1, alínea n), do CIRS), não podem deduzir a totalidade dos encargos em causa em sede de deduções específicas da categoria respectiva, conforme fica estipulado pela conjugação, já acima referida, da alínea a) do n.º 3 e da alínea a) do n.º 1 do art.º 25º do CIRS.
Recorda-se, ainda, que não obstante algumas entidades por conta das quais é prestado o trabalho mediante contrato individual de trabalho ou equiparado procederem hoje em dia ao pagamento às ordens profissionais das quotizações devidas pelos respectivos trabalhadores, a verdade é que muitas vezes isso não acontece, correspondendo então tais montantes a um encargo permanente para estes últimos e legalmente imprescindível para a prática da sua profissão.
Se se atender, por um lado, ao montante que é possível deduzir ao rendimento bruto da categoria A no que se refere a quotizações para ordens profissionais e que decorre da conjugação das alíneas a) de cada um dos n.ºs 1 e 3 do art.º 25º do CIRS e, por outro, ao valor das quotas pagas às diversas associações em apreço – refere-se, a título ilustrativo, os 4.500$00 mensais a partir do terceiro ano de actividade devidos à Ordem dos Advogados para quem pretenda exercer a profissão regulada pela associação – e, ainda, ao facto de estas importâncias consideradas conjuntamente com as despesas mencionadas na alínea b) do mesmo n.º 3 do art.º 25º do CIRS não poderem exceder o valor fixado por sua vez no n.º 4 deste preceito, verifica-se que tais quantias consubstanciam um encargo real para os sujeitos passivos naquelas condições.
4. Não se vislumbra, deste modo, qualquer razão justificativa para o tratamento diferenciado que é imposto aos trabalhadores dependentes no âmbito da questão em análise, onerados que estão com um encargo real e permanente nos termos definidos, revelando-se tal distinção infundadamente discriminatória para estes sujeitos passivos face designadamente ao regime definido para os contribuintes inseridos na categoria B.
5. Assim sendo, atendendo ao que acima fica exposto e ao abrigo do art.º 20º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril,RECOMENDO :
a) que seja legislado no sentido de os contribuintes inseridos na categoria correspondente aos rendimentos do trabalho dependente (categoria A) poderem deduzir em sede de deduções específicas da respectiva categoria a totalidade dos encargos decorrentes de quotizações devidas às ordens profissionais, à semelhança do que se encontra previsto para os trabalhadores independentes (cfr. art.º 26º, n.º 1, alínea n) do CIRS).
Para o efeito sugere-se, sem prejuízo de outra solução que se tenha por mais conveniente, que seja acrescentada uma alínea d) ao n.º 1 do art.º 25º do CIRS (praticamente do teor da actual alínea a) do n.º 3 do mesmo dispositivo, obviamente sem as limitações consignadas no corpo deste n.º 3), com a seguinte redacção: “Quotizações para ordens profissionais suportadas pelo sujeito passivo e indispensáveis ao exercício da respectiva actividade desenvolvida exclusivamente por conta de outrem”.
Em alternativa,
b) Sugere-se que se possibilite legalmente que os montantes pagos pelos sujeitos passivos a título de quotas obrigatórias para as ordens profissionais possam ser deduzidos à colecta, numa percentagem a determinar, no âmbito do consignado nos artigos 80º e seguintes do Código do IRS.
III) Artigo 25º, n.º 3, alínea b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares – Deduções de despesas de formação profissional em sede de rendimentos do trabalho dependente.
1. A previsão feita pela conjugação das alínea a) de cada um dos n.ºs 1 e 3 do art.º 25º do CIRS, acima analisada, aplica-se igualmente às “importâncias comprovadamente pagas e não reembolsadas referentes a despesas de formação profissional, desde que a entidade formadora seja reconhecida como tendo competência no domínio da formação profissional pelo Ministério competente” (art.º 25º, n.º 3, alínea b) do CIRS, na sequência da alteração introduzida pelo art.º 29º da Lei n.º 87-B/98).
Acresce a também já mencionada limitação decorrente do n.º 4 do mesmo preceito.
As considerações tecidas a propósito do ponto anterior da presente recomendação, designadamente as que se prendem com as conclusões sobre a diferenciação de regimes prescritos para os trabalhadores dependentes e para os trabalhadores independentes, têm aqui total cabimento.
2. A valorização profissional é hoje em dia um elemento determinante para a evolução da pessoa humana na sua actividade profissional, revelando-se não raras vezes factor decisivo para a manutenção de um trabalhador no seu posto de trabalho.
Numa realidade associada a uma profunda e constante mutação ao nível laboral, o Estado deverá desempenhar o seu papel na promoção do desenvolvimento da pessoa humana nesta vertente, designadamente mediante o estabelecimento de incentivos de âmbito fiscal com tradução, por exemplo, na possibilidade concedida ao sujeito passivo de dedução dos valores em apreço ao seu rendimento para efeitos de tributação em sede de IRS, o que acontece actualmente com os trabalhadores independentes (cfr. art.º 26º, n.º 1, alínea j) do CIRS), mas não com os contribuintes inseridos na categoria A daquele imposto.
3. Também aqui se não encontra fundamento bastante que justifique a diferenciação operada.
Se muitas entidades empregadoras tenderão a pagar acções de diversos tipos tendo em vista a valorização profissional dos respectivos trabalhadores – sendo certo que valorização profissional não equivale a formação profissional, figura que é referida na actual alínea b) do n.º 3 do art.º 25º do CIRS, podendo entender-se que a primeira abrange a segunda – a verdade é que aquela não é manifestamente a prática comum, a que acrescem os elevados custos que uma acção de valorização razoável implica hoje em dia, funcionando também este dado, para muitos trabalhadores, como factor de inibição para a promoção do respectivo melhoramento profissional.
4. O art.º 58º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Direito ao trabalho”, refere no seu art.º 2º, alínea c), que “para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: (…) A formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores”. Em anotação ao referido preceito constitucional, adiantam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição revista, 1993, pg. 316), que “as tarefas do Estado relativamente à formação profissional (…) têm em vista evitar que através da falta de formação cultural, técnica e profissional se restrinjam as possibilidades de emprego dos trabalhadores. Isto num duplo sentido: primeiro, facilitar a obtenção de emprego; depois propiciar possibilidades de adaptação a novas técnicas de trabalho e permitir a progressão na carreira profissional”.
De notar que as anotações destes autores são anteriores à última revisão constitucional, registando-se que a Lei Constitucional n.º 1/97 veio acrescentar ao preceito precisamente a expressão “valorização profissional”. Ou seja, a promoção da valorização profissional dos trabalhadores é hoje tarefa essencial do nosso Estado de direito democrático na concretização dos direitos fundamentais dos seus cidadãos. A facilitação do acesso aos meios que proporcionam essa valorização mediante a solução fiscal adiantada na presente recomendação, revela-se como uma via possível e justa para a prossecução desse objectivo.
5. Atendendo ao que fica exposto e ao abrigo do art.º 20º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril,RECOMENDO:
a) que seja legislado no sentido de os contribuintes inseridos na categoria correspondente aos rendimentos do trabalho dependente (categoria A) poderem deduzir em sede de deduções específicas da respectiva categoria os encargos decorrentes de importâncias pagas a título de despesas de valorização profissional, que sejam obviamente suportadas pelo próprio sujeito passivo e não pela entidade a quem o trabalho é prestado mediante contrato individual de trabalho ou equiparado, à semelhança do que se encontra previsto para os trabalhadores independentes (cfr. art.º 26º, n.º 1, alínea j) do CIRS), para além do actualmente consignado na alínea b) do n.º 3 do art.º 25º do CIRS.
Sugere-se que seja acrescentada uma alínea e) ao n.º 1 do art.º 25º do CIRS, com a seguinte redacção, sem prejuízo de outra que se tenha por mais conveniente: “Importâncias decorrentes de encargos com a valorização profissional do sujeito passivo, desde que suportadas por este e desde que conexas com a respectiva actividade profissional, incluindo as importâncias pagas e não reembolsadas referentes a despesas de formação profissional, desde que a entidade formadora seja reconhecida como tendo competência no domínio da formação profissional pelo Ministério competente”.
Em alternativa,
b) Sugere-se que se possibilite legalmente que os montantes pagos a título de despesas com a valorização profissional dos sujeitos passivos possam ser deduzidos à colecta, numa percentagem a determinar, no âmbito do consignado nos artigos 80º e seguintes do Código do IRS.
Atendendo ao que fica recomendado nos pontos II) e III) do presente documento, o n.º 3 do art.º 25º do CIRS seria revogado, deixando de fazer sentido, inevitavelmente também, o teor do n.º 4 do mesmo dispositivo, face ao recomendado.
Nota: Tendo sido publicada em 26 de Julho de 1999 a Lei 100/99, alterando algumas normas da Lei Geral Tributária, foi dirigido a Sua Excelência o Ministro das Finanças o ofício que segue.
Assunto: Recomendação 27/B/99
Acabei de ter conhecimento da publicação da Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, que aditou ao art.º 38.º da Lei Geral Tributária um novo n.º 2, transcrevendo o teor do art.º 32.º-A do Código de Processo Tributário.
Por a razão de ser da minha recomendação n.º 27/B/99, entregue a Vossa Excelência em 22 de Julho p. p., especificamente na parte relativa àquela norma do Código de Processo Tributário, não sofrer alteração, venho pelo presente esclarecer que a minha proposta de alteração legislativa se aplica de igual modo ao art.º 32.º-A do referido Código e ao novo art.º 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
Reitero que, na minha opinião, a redacção que proponho cumpre os objectivos tributários visados sem introduzir desnecessária insegurança jurídica.
O PROVEDOR DE JUSTIIÇA
José Menéres Pimentel