Ministro das Finanças

Rec.nº 24/B/99
Proc.:R-123/99
Data:1999.06.23
Área:A6

Assunto:SEGURANÇA SOCIAL – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA – PENSÃO DE APOSENTAÇÃO – NOVO SISTEMA RETRIBUTIVO DA FUNÇÃO PÚBLICA – REGIME LEGAL DE INDEXAÇÃO DE PENSÕES- REMUNERAÇÕES DA FUNÇÃO PÚBLICA

Sequência:Acatada

1. A entrada em vigor do Novo Sistema Retributivo da Função Pública, introduzido pelos Decretos-Lei n.ºs 184/89, de 02 de Junho, e 353-A/89, de 16 de Outubro, bem como toda a problemática envolvente do processo de “degradação” a que as pensões de aposentação fixadas antes daquela data vieram a estar sujeitas, constitui objecto recorrente de queixa a este Órgão do Estado tendo já originado a formulação de recomendações ao Governo, designadamente e em momentos diferentes ao Ministério da Educação e ao Ministério de que Vossa Excelência é titular.
Muito recentemente, através da minha Recomendação n.º 1/B/99 e tendo por fundamento a argumentação aí expendida, recomendei a Vossa Excelência que se dignasse “tomar medidas por forma a efectuar-se uma correcção pontual e extraordinária das pensões de aposentação fixadas antes de Outubro de 1989, data da entrada em vigor do novo sistema remuneratório”, sugerindo ainda que se tomasse por base “as diferentes percentagens médias de que beneficiaram os vencimentos médios de cada carreira no curto período de Setembro de 1989/Outubro de 1989, deduzindo-se deste valor a correcção já efectuada de 8,5%”.
Em resposta a tal iniciativa, veio esse Ministério adiantar não ser a política seguida compaginável “quer no plano orçamental imediato, quer no plano dos princípios, com aumentos de pensões diferenciados em função das diferentes carreiras profissionais e respectivas valorizações do activo” (sublinhado nosso).
Entre os princípios defendidos pelo Executivo na missiva enviada a este Órgão do Estado conta-se o da “não indexação das pensões de aposentação aos salários do activo”, pelos motivos na mesma apresentados.

2. A publicação da recente Lei n.º 39/99, de 26 de Maio, que veio estabelecer regras sobre o regime de actualização das pensões de aposentação dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico, secundário e superior, e na qual se prevê a indexação faseada, pelo período de cinco anos, das respectivas pensões a 70% da remuneração base dos funcionários no activo, veio igualmente despoletar toda a problemática das pensões “degradadas” e fazer com que neste momento me dirija de novo a Vossa Excelência, Senhor Ministro das Finanças.
É verdade que o diploma em causa vem emanado da Assembleia da República e que o partido apoiante do Governo optou por se abster na respectiva votação (cfr. “Diário da Assembleia da República” de 09.04.99, VII Legislatura, 4ª Sessão Legislativa, I Série, N.º 69, pg. 2544). Facto decerto irrelevante para todos os restantes aposentados não contemplados e com pensões denominadas de “degradadas” que sentem que o Estado – independentemente do órgão que no âmbito da organização político-constitucional faz nascer no quadro legislativo nacional as normas que com igual eficácia vinculativa conferem direitos e impõem obrigações aos seus destinatários – trata afinal discriminadamente os respectivos cidadãos e de modo mais restrito os antigos funcionários.
No caso dos magistrados jubilados sempre se dirá, sem grandes reservas, que a diferença de regime na fixação das pensões de aposentação traduzida na actualização automática tal como definida pelo art.º 3º da Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, encontrará fundamento material bastante nas especificidades e autonomia funcional do grupo profissional em causa face ao conjunto das funções públicas, desde sempre assumidas e de resto reflectidas no facto de os magistrados judiciais e do Ministério Público beneficiarem de um sistema retributivo próprio, aprovado em diploma autónomo, o mesmo acontecendo com a situação de certa forma paralela das remunerações atribuídas pelo Decreto-Lei n.º 57/90, de 14 de Fevereiro, aos militares na reserva.

Entendo por outro lado, e não obstante concordar com o regime nela estabelecido, que a Lei n.º 39/99 veio lançar novos dados sobre a questão, criando um precedente a tomar em consideração no que toca ao tratamento da matéria em apreço e determinando mesmo um urgente reequacionamento do próprio sistema de atribuição de pensões de aposentação, sob pena de a solução actual se revelar potencialmente violadora do princípio da igualdade consagrado na Lei Fundamental.

3. Pese embora o que resulta implicitamente da resposta de Vossa Excelência à minha Recomendação n.º 1/B/99, não considero que a indexação das pensões de aposentação às remunerações do activo deva ser excluída como princípio regulador da matéria. Antes pelo contrário. Só uma estrutura indexada de pensões de aposentação aos salários do activo, seja ela qual for, provavelmente faseada e não correspondendo necessariamente a uma indexação a 100%, poderá obviar ao problema das “pensões degradadas” que subsistirá e tenderá a agravar-se sempre que se verificar uma revalorização do regime geral de carreiras ou uma melhoria extraordinária do sistema retributivo.
Compreendo os condicionalismos de índole orçamental que estão subjacentes a uma opção do Executivo neste sentido. Creio no entanto que a publicação da Lei n.º 39/99 acarreta inevitavelmente a assunção por parte do Estado de um compromisso, vinculando-o ao alargamento de uma solução do tipo da que é preconizada naquele diploma às restantes carreiras da função pública.
Não se nega o papel essencial dos professores no desenvolvimento do país nem se esquecem as sucessivas alterações introduzidas na carreira docente que afectaram substancialmente o respectivo sistema retributivo. Aliás, tais circunstâncias motivaram uma recomendação dirigida em 1995 por este Órgão do Estado a Sua Excelência o Ministro da Educação visando a situação específica dos docentes do ensino básico e a adopção de medidas tendentes à recuperação das respectivas reformas.
Mas tal argumentação não é exclusiva da carreira docente. O regime de actualização de pensões de aposentação dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico, secundário e superior nos termos aprovados pela Lei n.º 39/99, mais do que um imperativo de justiça representa uma medida característica de um verdadeiro Estado de direito democrático alicerçado em valores que designadamente visam conferir a merecida dignidade às condições de vida daqueles que de uma forma ou outra deram já o seu contributo para a construção do país.
Assim sendo, a Lei n.º 39/99 não deve constituir uma solução pontual e fora do sistema, como se arrisca a ser no enquadramento legal actual, mas o ponto de partida para a extensão de um regime do tipo nela previsto a todas as carreiras da função pública. Ou seja, uma opção que passe pela estruturação de uma indexação das pensões de aposentação às remunerações do activo, a ser estudada pelo Executivo para o futuro mas aplicável às situações pretéritas, abrangendo aqueles que foram já vítimas das alterações operadas designadamente com a entrada em vigor em 1989 do Novo Sistema Retributivo da Função Pública e reestruturações subsequentes. É este o sentido da presente recomendação.

4. Sublinho mais uma vez que reconheço as limitações de índole orçamental que condicionam a actuação do Governo nesta matéria. Creio que a elaboração de um estudo rigoroso sobre as possibilidades orçamentais da concretização de um plano progressivo no sentido referido seria o primeiro passo a dar e uma base de trabalho para a concepção e efectivação de um sistema sólido e exequível de indexação das pensões de aposentação aos salários do activo, que terá de ser acompanhado pela necessária determinação legal da correspondência de categorias e carreiras com tabelas de equivalências a formular pelo Executivo, à semelhança aliás do que foi feito pelo Decreto-Lei n.º 245/81, de 24 de Agosto.
O actual sistema de actualização e correcção de pensões nada mais traduz do que uma sucessão de “remendos”, assente em critérios de ordem casuística e discricionária que acentuam as desigualdades e disparidades de tratamento ferindo o princípio constitucional da igualdade, potenciando discriminações e propiciando a interiorização, por parte dos cidadãos lesados, de sentimentos de injustiça no que toca à actuação do Estado.
A iniciativa de promover uma correspondência entre a actualização das pensões de aposentação e as elevações gerais das correspondentes remunerações do activo deverá ser encarada como uma prioridade no actual contexto social, político e também jurídico, já acima devidamente explicitado. Acresce que este é o Ano Internacional das Pessoas Idosas, contribuindo tal facto para a oportunidade da apresentação ao país de uma medida governamental que consubstancia antes de mais uma importante e imprescindível reforma estrutural no domínio social.
A circunstância de a indexação não ser feita a 100% em relação ao activo permite já obviar aos inconvenientes teóricos apontados por esse Ministério sobre a diferença existente entre os funcionários activos e os já aposentados, já que a distinção fica suficientemente coberta pelo diferencial, 30% no caso dos professores, proporção que parece ajustada, assim se respondendo aos argumentos I e II da pg. 4 da resposta desse Ministério.
A fixação legal de tabelas de correspondência em caso de reorganização de carreiras permitiria obviar à dificuldade enunciada no n.º III do mesmo ofício, não sendo, obviamente, motivo aceitável o enunciado no n.º IV, já que as diferenças no regime fiscal são mínimas comparadas com as perdas hoje existentes na larga maioria dos casos (e gerando desigualdades com aqueles que gozam de pensões mais próximas dos vencimentos no activo), podendo ser vistas como constitucionalmente impostas pela própria situação de aposentado/reformado e condições que em geral lhe estarão ligadas (maior idade ou situação de doença ou incapacidade para o trabalho).

Face a tudo o que acima resulta exposto e ao abrigo do preceituado no art.º 20º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril,RECOMENDO:

a Vossa Excelência que seja aprovado um regime legal de indexação das pensões de aposentação às remunerações base dos funcionários no activo, de categoria e escalão correspondentes, a aplicar a todas as carreiras da função pública ainda não beneficiadas com uma solução legal desse tipo.
Mais recomendo que o regime de indexação seja acompanhado da necessária determinação legal da correspondência de categorias e carreiras, com tabelas de equivalências a formular pelo Executivo.
Recomendo finalmente que se preveja a aplicação dessa legislação a todos os funcionários públicos já aposentados ou a aposentar a partir da data da respectiva entrada em vigor.

Em todo o caso, recomendo que seja efectuado um estudo rigoroso por parte desse Ministério sobre o contexto orçamental que envolve a concepção do regime legal de indexação em causa, tendo designadamente em vista o apuramento das condições possíveis para a sua exequibilidade no que toca a taxas de indexação, faseamento do plano e correspondência de categorias e carreiras, e que os resultados desse trabalho venham a ser revelados publicamente pelo Governo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel