Presidente da Câmara Municipal de Valongo
Número: 33/A/99
Processo: 2978/98
Data: 29.04.1999
Área: A6
Assunto: AUTARQUIAS LOCAIS – IPSS – SUBSIDIO SOCIAL – DISCRICIONARIEDADE – DESVIO DE PODER
Sequência: Não Acatada
Em … foi recebida nesta Provedoria uma exposição que relatava a cessação dos apoios financeiros da Câmara Municipal de Valongo ao Centro Social de …, facto que originou o processo referido em epígrafe.
Instado sobre a possibilidade de revogação a contestada deliberação, veio V.ª Ex.ª responder como indisponível para tal, tendo transmitido que a deliberação de cessação de apoios se fundamentou no facto do Centro Social de Ermesinde prosseguir actividades alheias aos seus fins principais, nomeadamente “com a publicação de um jornal de cariz político, que nada tem a ver com a divulgação e catalização de apoios à respectiva actividade”. Concluía referindo que a deliberação em causa consubstancia uma decisão politico-discricionária insindicável e que a mesma não violaria qualquer disposição legal.
Concluída a instrução do processo, cumpre apreciar juridicamente a questão.
O art.º 51º, n.º 1, i), da LAL dá às câmaras municipais competência para “deliberar sobre as formas de apoio a entidades e organismos legalmente existentes, que prossigam no município fins de interesse público”. No entanto, a Lei não regula os critérios que devem reger estes apoios. De facto, como refere Diogo Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, 2.º vol., pg. 105, “a Lei não regula sempre do mesmo modo os actos a praticar pela Administração Pública: umas vezes pormenoriza, outras vezes deixa uma grande margem de liberdade de decisão aos órgãos administrativos.” Temos, assim, num caso actos vinculados, no outro actos discricionários, naqueles o seu exercício está inteiramente regulado por Lei, nestes “… fica entregue ao critério do respectivo titular deixando-lhe liberdade de escolha para o procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.” (idem, pg. 114)
E, refere ainda o mesmo autor na obra supra citada, pg. 114, “A norma que confere um poder discricionário confere-o para um certo fim: se o acto pelo qual se exerce esse poder for praticado com a intenção de prosseguir o fim que a norma visou, este acto é legal, se o acto for praticado com um fim diverso daquele para que a Lei conferiu o poder discricionário, o acto é ilegal. Porque o fim é sempre vinculado no poder discricionário.”
Assim, não existem actos totalmente discricionários mas apenas predominantemente discricionários, sendo os mesmos sempre vinculados quanto ao fim de prosseguir determinado interesse público.
Importa ainda referir que estes actos são sempre controláveis jurisdicionalmente pelos tribunais administrativos, quer no que toca aos seus aspectos vinculados, quer quanto ao eventual desvio de poder na prática do acto, por prosseguimento de fins, públicos ou privados, alheios ao que justificou a consagração da discricionaridade. No que toca às deliberações dos órgãos autárquicos, dispõe o art.º 89º da LAL que as mesmas são anuláveis quando feridas de desvio de poder.
A análise da deliberação de suspensão de subsídios ao Centro Social de …, bem como a resposta de V. Ex.a permitem-me concluir que esta decisão radicou quer na discordância relativamente à orientação editorial conferida ao jornal ” …”, quer por se entender que a actividade de exploração de um jornal não corresponde ao objecto social daquela instituição.
Quanto à primeira razão, como já se referiu, não pode o apoio do Estado ou das autarquias constituir limitação ao direito de livre actuação das instituições de solidariedade social, sob pena de limitação do pluralismo social. Isto, sem prejuízo da adopção dos procedimentos que os visados pelas ofensas alegadamente cometidas através de artigos publicados no Jornal “…”, possam vir a desencadear se entenderem que às mesmas pode ser imputada a natureza de ilícito criminal ou civil.
Relativamente ao “desvirtuamento” dos fins de solidariedade e de justiça social que devem presidir à actuação das instituições particulares de solidariedade social, certo è que estas instituições também podem prosseguir outros fins que com aqueles sejam compatíveis (cfr. art.º 1º n.º 2), escolhendo livremente as suas áreas de actividade e prosseguindo autonomamente a sua acção (art.º 3º n.º 1), não sendo por esse motivo que se pode falar em “desvio dos objectivos dum centro social”. No caso, não creio que a publicação de um jornal, no qual se expressam diferentes opiniões políticas seja incompatível com os fins de solidariedade social.
Assim, refere o art.º 2º dos Estatutos do Centro Social de Ermesinde que, para além dos objectivos de “apoiar a criança, a juventude e a terceira idade” e de desenvolver “actividades de intervenção social e de solidariedade” o Centro prossegue “subsidiariamente actividades recreativas, culturais, desportivas e similares”, nas quais se insere a publicação do jornal referido.
Para além do mais, igualmente direi que não se encontra demonstrado na fundamentação da deliberação de suspensão de subsídios que os mesmos tenham sido aplicados na publicação do jornal em detrimento dos serviços de apoio à infância, à juventude e à terceira idade, bem como que a publicação dê prejuízo ao Centro Social, como V.ª Ex.ª refere.
Isto é, parece-me que previamente à deliberação tomada, a Câmara Municipal de Valongo devia ter exigido ao Centro Social a demonstração de que os subsídios que lhe entregou são aplicados nas actividades de solidariedade social e, só então, caso tal não se verificasse, suspender os subsídios com esse fundamento, por entender que os mesmos apenas devem ser aplicados em actividades de solidariedade social e não noutras actividades subsidiariamente prosseguidas.
O que V.ª Ex.ª, e a Câmara a que dignamente preside, não devia ter feito era suspender subsídios atribuídos desde 1988, baseando-se em alegadas questões políticas e desvirtuamento de objectivos sociais não fundamentadas nem documentadas, não se descortinando, assim, que o interesse público melhor prosseguido pela deliberação em causa, seja o que está na base da possibilidade de atribuir ou recusar apoios de carácter financeiro a obras de assistência social. Na aplicação da norma, de modo positivo ou negativo, é este o interesse público relevante, que vincula qualquer acto tomado ao abrigo desse poder discricionário.
Em face de quanto antecede,
RECOMENDO
a V. Ex.ª, ao abrigo do art.º 20, n.º 1, a), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, alterada pela Lei n.º 30/96 de 14 de Agosto)
que se proceda à revogação da deliberação da Câmara Municipal de Valongo, tomada na reunião de …, que deliberou suspender os subsídios que vinham sendo atribuídos ao Centro Social de …, por se encontrar a mesma ferida de desvio de poder.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL