Presidente do Conselho de Administração do Centro Profissional do Sector Alimentar
R-4079/91
N.º 92/A/99
1999.12.16
Área: A2
Assunto:TRABALHO-SECTOR PRIVADO – REESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA – DESPROMOÇÃO – DIMINUIÇÃO DE RETRIBUIÇÃO – REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE.
Sequência:Não Acatada.
1. Foi-me apresentada queixa pela Senhora…, funcionária desse Centro (CFPSA), nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1.1. Desde 1988 que a queixosa exerceu as suas funções no referido Centro com a categoria profissional de Chefe de Divisão de Coordenação de Acções, até Janeiro de 1990, data em que uma restruturação orgânica lhe retirou tais funções.
1.2. De tal acto, transmitido à queixosa através do Comunicado … e da Circular de …, resultou a perda de regalias inerentes à categoria profissional, nomeadamente o subsídio de isenção de horário, no valor de 20%, o subsídio de transporte – à data no valor de Esc. 10.000$00 – e o pagamento de almoço mediante apresentação de factura, descontado o respectivo subsídio.
2. Inquirido sobre os factos alegados, informou o CFPSA que a queixosa deixou de exercer tais funções no âmbito de uma restruturação orgânica dos serviços, “por sua vontade expressa” aceite pelo respectivo Conselho de Administração.
2.1. Tal vontade, segundo testemunhas arroladas por V.Ex.ª., teria resultado de uma “carta de demissão” apresentada pela reclamante, documento nunca disponibilizado a esta Provedoria de Justiça, inicialmente por recusa e, posteriormente, por se alegar ser desconhecido o seu paradeiro.
3. Constam do presente processo os documentos que sustentam os factos alegados pela queixosa, nomeadamente a sua categoria profissional de chefia, as regalias inerentes à mesma, a restruturação que originou a baixa de categoria e perda de retribuição e a sua oposição às mesmas.
4. A presente questão resume-se à aferição da conformidade da conduta do Conselho de Administração do Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar com o disposto na Lei Geral do Trabalho, concretamente com o disposto do Capítulo II do Decreto-Lei n.º 49048, de 24 de Novembro (LCT), “Direitos, deveres e garantias das partes”.
4.1. Relevam neste caso as proibições do nosso direito laboral, designadamente a da diminuição de retribuição e a da baixa da categoria do trabalhador, princípios que encontram excepção nos casos expressamente previstos na Lei ou no acordo entre as partes (arts. 21º e 23º LCT).
4.2. Como decorrência necessária de tais princípios, é entendimento pacífico na jurisprudência que uma empresa, ao pretender reestruturar os seus serviços, deve sempre colocar os seus trabalhadores em cargos equivalentes aos que vinham sendo exercidos (vd., entre muitos outros, Acs. STJ de 05/06/85, in ADSTA, 289, 98; de 06/02/91, ADSTA, 355, 923; 15/11/95, in BMJ, 451, 230).
5. Não se colocam aqui questões de direito, mas de facto: afirmando V.Ex.ª que inexistiu violação dos normativos citados porque a trabalhadora, com a sua carta de demissão, deu o seu assentimento expresso a tal alteração, tudo se resume a verificar tal acordo prévio.
5.1. Parece-me medianamente claro que, não só o Centro não logrou provar o acordo realizado com a trabalhadora para a sua despromoção (art. 342º Código Civil), como os actos documentados no processo determinam convicção contrária.
5.2. De acordo com a Acta n.º 77, relativa à reunião do Conselho de Administração havida em 29 de Janeiro de 1990, “foi entretanto emitido o Comunicado n.º 02/90 que informa os Trabalhadores do Centro da nova estrutura orgânica do CFPSA e nomeação das respectivas chefias, a atribuição de Isenção de Horário às Chefias (…), bem como o procedimento relativamente ao pagamento de horas extraordinárias.”
5.3. Com a nomeação das novas chefias, e conforme reza a mesma Acta, “na prática, e em função dos reajustamentos nas suas posições hierárquicas, deixam de receber isenção de horário as seguintes Chefias: (…) …”.
5.4. De acordo com o Comunicado interno n.º …, publicitou-se a aprovação da “nova estrutura orgânica do Centro tendo em vista uma melhor funcionalidade dos Serviços, (…) deixando de exercer funções e regressando ao seu lugar de carreira os seguintes trabalhadores: (…) Chefe de Divisão …”.
5.5. Conforme Circular interna …, relativamente à queixosa e outras chefias, “por conveniência de serviço, o Conselho de Administração deliberou deixar de aplicar o regime de isenção de horário de trabalho. (…) os empregado abrangidos voltarão a cumprir, a partir daquela data, o horário de trabalho a que estavam obrigados antes de lhes ter sido aplicado o regime de isenção, que agora se retira. Por ter deixado de exercer funções de chefia, já lhe não são devidas” determinadas regalias.
5.6. A estes actos se opôs a queixosa, oposição que culminou na reclamação que foi apresentada neste Órgão de Estado, e em virtude da qual foi determinada a abertura do presente processo.
6. Tais actos traduzem uma restruturação orgânica que comina uma verdadeira baixa de categoria e consequente perda de retribuição da reclamante, unilaterais porque não fundadas em qualquer acordo prévio da trabalhadora.
6.1. A disciplina jurídica da relação laboral, dados os valores que lhe subjazem, valores que são constitucionalmente protegidos, é dotada de uma dignidade superior, de onde decorre uma especial imperatividade das normas protectoras dos trabalhadores.
6.2. Tal protecção consubstancia-se, entre outras nas proibições absolutas supra referidas, cujo afastamento é excepcional e se não compagina com declarações sobre a existência de documentos que, ao longo de cinco anos, a alegada reorganização de ficheiros e arquivos dos serviços não conseguiu trazer à luz do dia.
6.3. Sem necessidade de mais delongas, Senhor Presidente do Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar, o que decorre do processo aqui aberto a instâncias da Senhora… é a existência de actos unilaterais, sem concordância expressa (ou sequer tácita) da trabalhadora e, como tal, violadores das normas contidas nos artigos 21º a 23º do DL n.º 49.408, de 24 de Novembro.
Pelo exposto,RECOMENDO
a V.Ex.a. que, no âmbito da restruturação orgânica operada, seja atribuído à queixosa um cargo equivalente àquele que vinha exercendo em Janeiro de 1990, com o pagamento das prestações pecuniárias que deveria ter entretanto auferido.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel