Ministro das Finanças
R-650/98
N.º 82/A/99
1999.11.18
Área: A2

Assunto:CONTRIBUIÇÕES E IMPOSTOS – IRS – SISTEMA TRIBUTARIO – MISSÕES DIPLOMÁTICAS – POSTOS CONSULARES – TRABALHADORES PORTUGUESES

Sequência: Sem resposta

1. Foi solicitada a minha intervenção relativamente ao regime tributário aplicável aos trabalhadores portugueses ao serviço das missões diplomáticas e dos postos consulares acreditados em Portugal, assunto que já é do conhecimento desse Ministério, e que julgo poder ser resolvido pela administração fiscal de forma a definir rapidamente a situação daqueles contribuintes.

2. De acordo com o teor das reclamações aqui apresentadas e com os elementos coligidos nos respectivos processos, desde que entrou em vigor o Código do IRS tem sido uniforme o entendimento da administração fiscal quanto à não incidência do IRS relativamente aos rendimentos de trabalho dependente daqueles trabalhadores.
Ilustra este procedimento o facto de os funcionários locais das missões diplomáticas e dos postos consulares apresentarem normalmente a sua declaração de rendimentos através do Mod. H, invocando, supostamente de boa fé, o benefício fiscal automático estabelecido no art.º 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo certo que ao longo desta década não foi levantada qualquer objecção pelos serviços receptores a este respeito, nem fiscalizada esta área de tributação durante nove anos.
Por outro lado, algumas instruções genéricas da administração fiscal a este respeito não foram totalmente esclarecedoras, como, por exemplo, o Despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 21/02/89, exarado na Inf. n.º 246/89 (cfr. anotação ao art.º. 42º. do Estatuto dos Benefícios Fiscais, F. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, pág. 266, Rei dos Livros, 2ª Edição, 1993), ou a Circular n.º 5/89, de 13 de Março, o que permitiu a consolidação daquele entendimento.
Acresce que, em resposta a pedidos de esclarecimento efectuados por contribuintes, individualmente, sobre este assunto, a posição da administração fiscal sobre esta matéria foi, expressamente, no sentido de os rendimentos auferidos pelos trabalhadores das missões diplomáticas e postos consulares não serem susceptíveis de tributação em IRS (cfr. Inf. n.º IRS-2295/89, Pº 2482, E.G.1810/89, sancionada por despacho de 89/10/09 do então Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos).
Estas decisões, para além da sua repercussão na definição da situação concreta do contribuinte que as motivou, tiveram também como efeito – aliás lógico e compreensível – o reforço da tese de que tais rendimentos não estavam, em geral, sujeitos a tributação.
Contribuiu para esta convicção generalizada o facto de o universo dos contribuintes directamente interessados nesta questão ser relativamente diminuto, pelo que a informação disponível era rapidamente difundida.

Apenas mais recentemente, na sequência da análise efectuada a declarações periódicas de sujeitos passivos de IRS que invocaram as isenções previstas nos artigos 42º e 46º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, é que a Administração Fiscal considerou que alguns daqueles benefícios vinham sendo usufruídos indevidamente, e produziu o ofício-circulado n.º 5/97, de 2/4, da Direcção de Serviços do IRS.
Todavia, certamente pela complexidade da verificação dos requisitos que estão em causa para que a isenção possa ser concedida, houve necessidade de esclarecer os serviços da administração fiscal sobre esta matéria, tendo sido elaborado o ofício-circulado n.º 12/97, de 12/12, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, que finalmente clarificou o regime jurídico-tributário aplicável a esta situação.

3. O enquadramento jurídico da situação é dado, numa primeira análise, pelo disposto no art. 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, o qual consagra a isenção, em sede de IRS, para o pessoal das missões diplomáticas e consulares, quanto às remunerações auferidas nessa qualidade, nos termos do direito internacional aplicável ou desde que haja reciprocidade.
Decorre, assim, daquela disposição que, para averiguar da existência do benefício fiscal em questão, é necessário que o mesmo esteja previsto em instrumento de direito internacional ou que exista aplicação do princípio da reciprocidade, relativamente à isenção da tributação dos rendimentos de trabalho.

No primeiro caso, quanto aos trabalhadores ao serviço das missões diplomáticas e dos postos consulares estrangeiros, quer no que diz respeito ao pessoal administrativo e técnico, quer no que diz respeito ao pessoal do serviço doméstico, é estabelecido nos artigos 1º, 34º e 37º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n.º 48 295, de 27 de Março de 1968, e nos artigos 1º, 49º, 66º e 71º da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, aprovada para adesão pelo Decreto-Lei n.º 183/72, de 30 de Maio, que apenas beneficiarão da isenção de impostos os trabalhadores que não sejam nacionais do Estado acreditador ou receptor, nem nele tenham residência permanente.
Nesta perspectiva, portanto, aqueles trabalhadores gozam apenas dos privilégios que lhes sejam reconhecidos pelo próprio Estado, que no caso do imposto sobre o rendimento de trabalhadores portugueses ao serviço de missões diplomáticas e postos consulares estrangeiros em Portugal, não são nenhuns.
Diferente será o entendimento quanto aos trabalhadores portugueses que prestem a sua actividade em missões diplomáticas ou postos consulares de Estados acreditantes em que releve o princípio da reciprocidade relativamente à isenção de impostos sobre o rendimento de trabalho, dado que neste caso estão preenchidos os requisitos da concessão do benefício fiscal, previstos no nº1 do art.º 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 15 de Julho.
Como decorre do referido, não está posta em causa, genericamente, a tributação destes rendimentos em sede de IRS. A questão reside apenas no tratamento a dar às situações anteriores a 1998.

4. Tal como já foi referido, o ofício-circulado n.º 5/97 continha instruções aos serviços da administração fiscal no sentido de serem confirmadas as isenções invocadas ao abrigo do art.º 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e na sua sequência tem vindo a ser exigido àqueles contribuintes, tendo em consideração o prazo de caducidade do direito à liquidação, o pagamento de impostos com efeitos retroactivos a 1992.
Esta exigência consubstancia, para os trabalhadores e suas famílias que efectuem o pagamento do imposto relativo a cinco anos de rendimento de trabalho num curto espaço de tempo, um encargo bastante penoso, e para mais inesperado, face aos antecedentes supra mencionados do enquadramento jurídico-fiscal destes rendimentos.

5. Convém também salientar que, no contexto descrito, é inegável que o conteúdo das relações jurídico-tributárias em causa assume particular relevância na definição das relações laborais estabelecidas entre os trabalhadores e as embaixadas ou consulados acreditados em Portugal, nomeadamente na retribuição acordada nos respectivos contratos de trabalho, uma vez que o respectivo montante, como resulta do que ficou exposto, tinha necessariamente como pressuposto a sua liquidez.

Ou seja, por força da actuação da administração fiscal criou-se a legítima convicção de que os rendimentos em causa não eram tributáveis, o que levou a que a sua fixação contratual fosse feita, de boa fé, tendo em conta essa convicção.
Estamos, pois, perante um caso – diferente da generalidade dos outros casos em que benefícios fiscais são usufruídos de forma eventualmente ilegal – em que a própria administração fiscal reconheceu a existência do benefício e em que esse reconhecimento produziu efeitos de monta fora da relação entre o fisco e o contribuinte.
Há, pois, que ter particular atenção às legítimas expectativas dos trabalhadores em manter o nível de retribuição inicialmente contratado.

6. A considerações desta índole não foi alheia a administração fiscal, como decorre de Despacho de Sua Excelência o Ministro das Finanças de 98.01.29, exarado na Informação n.º 35/98, da Direcção – Geral dos Impostos, cujas alíneas a) e b) propunham:
” a suspensão imediata das acções entretanto encetadas neste domínio pela administração fiscal (cancelamento de reembolsos, notificações, etc.);
a necessidade de um levantamento a nível nacional de todas as situações enquadráveis, nomeadamente pela identificação dos funcionários locais, sua nacionalidade e qualidade de funcionário;”.
Neste contexto, corroboro o que a própria administração fiscal reconheceu quanto às dúvidas e hesitações que ao longo destes anos demonstrou sobre esta matéria, pressupondo a boa-fé dos contribuintes, que foram, inclusivamente, procurando esclarecimentos sobre a sua situação fiscal, sem que da parte da administração alguma coisa fizesse supor que a mesma estaria irregular, pelo menos, clara e inequivocamente, até Dezembro de 1997 (cfr. ofício – circulado n.º 12/97, de 12 de Dezembro).

7. Creio, no entanto, que a administração fiscal deveria ter ido um pouco mais longe quanto ao reconhecimento da situação que se verificou durante anos nesta matéria.
De facto, e atendendo também à morosidade dos procedimentos administrativos entretanto encetados, tendentes a efectuar o levantamento a nível nacional das situações enquadráveis na previsão do art.º 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não me parece suficiente a mera suspensão das diligências em curso relativamente ao IRS dos anos em que se verificava a já sobejamente referida situação quanto ao enquadramento jurídico-tributário destes rendimentos, isto é, até 1997 inclusive.
Impõe-se que a administração fiscal reconheça que foi a causadora da situação de não tributação verificada e que essa situação teve reflexos consideráveis e já irreversíveis fora do âmbito da relação jurídico-tributária, e que, em consequência, actue de forma a salvaguardar as legítimas expectativas que criou aos contribuintes em causa.
8. Pelo exposto, e relativamente aos rendimentos auferidos, nessa qualidade, pelos trabalhadores portugueses ao serviço das missões diplomáticas e dos postos consulares acreditados em Portugal,

RECOMENDO
I. Que não sejam efectuadas quaisquer liquidações em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, relativamente a anos anteriores a 1997, inclusive;
II. Que sejam oficiosamente anuladas as liquidações relativas àqueles anos que tenham sido entretanto efectuadas;
III. Que sejam declarados extintos todos os processos de execução fiscal entretanto instaurados para cobrança coerciva de dívidas resultantes de liquidações deste imposto referentes a anos anteriores a 1997, inclusive.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel