Presidente da Assembleia Municipal de Lousada
R-572/97
N.º 68/A/99
1999.09.01
Área: A6
Assunto:DIREITO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA – GRUPOS PARLAMENTARES – INTERVENÇÃO – OPOSIÇÃO PARLAMENTAR – MINORIAS PARTIDÁRIAS – DIREITO DE OPOSIÇÃO PARTIDÁRIA.
Sequência:Acatada.
O presidente do grupo do PSD da Assembleia Municipal de Lousada dirigiu ao Provedor de Justiça uma queixa onde era contestada uma deliberação aprovada por essa Assembleia Municipal, em 24 de Fevereiro de 1995, por força da qual o grupo parlamentar do Partido Socialista será sempre o último a intervir nos debates parlamentares, o que, segundo o reclamante, impede o seu grupo de “repor a verdade ou mesmo de refutar as acusações” que lhes são dirigidas.
De acordo com o estatuído no Regimento da Assembleia Municipal de Lousada, são concedidos às duas forças partidárias que a compõem dois períodos para intervenção, intercalados por intervenção do Presidente da Câmara, estipulando o parágrafo 3º, do seu art.º 21º, de harmonia com a supra referida deliberação, que “o primeiro grupo parlamentar a intervir será o menos votado nas eleições autárquicas”, ou seja no caso concreto o PSD.
Instado a pronunciar-se sobre as questões suscitadas naquela queixa, rejeitou Vª. Exª que o direito de réplica política fosse negado, sustentando que na “Ordem de funcionamento da Assembleia foi deliberado por esta que a sequência de intervenções teria duas voltas, sendo a ordem de intervir a seguinte: 1º – Grupo Parlamentar do PSD. 2º – Grupo Parlamentar do PS”.
Alegou, ainda, que “o funcionamento das sessões tem que obedecer, como se compreende, a uma determinada ordem, estipulada pelo Regimento e essa ordem de funcionamento foi deliberada pela Assembleia Municipal”, pelo que, conclui, “apenas se cumpre o determinado pela própria assembleia.”
Terminada a instrução do processo aberto com fundamento naquela queixa, concluo pela procedência da reclamação, nos termos e pelas razões que se seguem.
Através do seu art.º 114º, n.º 2, a Constituição reconhece às minorias partidárias o direito de oposição democrática, regulamentado através do Estatuto do Direito de Oposição, aprovado pela Lei 24/98, de 26 de Maio, cujo art.º 3º expressamente enuncia como titulares desse direito, para o efeito que ora releva, os partidos políticos representados nos órgãos deliberativos das autarquias locais que não estejam representado no correspondente órgão executivo.
Inserido no Título I, da Parte III, da Lei Fundamental, entre os princípios gerais da organização do poder político, o direito de oposição constitui um elemento garantístico do princípio constitucional da separação e interdependência do órgãos de soberania(1) . Neste âmbito, os centros de titularidade do poder político podem ser esquematicamente definidos como uma maioria governamental e parlamentar, a quem estão acometidas tarefas de direcção política, e como uma oposição, normalmente minoritária, especialmente incumbida de funções de controlo daquela, a quem, por via da sua institucionalização constitucional através do direito de oposição, deve ser garantida a possibilidade de, nomeadamente, contestar as linhas políticas da maioria, apresentar opções políticas alternativas e de se afirmar como alternativa de poder apta para assumir o exercício das funções executivas.
A oposição parlamentar(2), uma das formas de oposição democrática constitucionalmente admissíveis, consiste na actividade procedimentalizada dos diversos grupos parlamentares que compõem o órgão político representativo no o objectivo de controlar e criticar as orientações políticas da maioria, de desenvolver acções e propostas alternativas, de expressar o dissenso relativamente à maioria governativa e, ainda, de esclarecer os cidadãos através da publicidade da controvérsia parlamentar.(3)
De tudo o que ficou enunciado, resulta que a garantia dos direitos e poderes das minorias se afirma como um instrumento constitucional de contrapeso e limite do poder da maioria(4), que exige a concessão de condições de igualdade de oportunidades a todos os partidos, no sentido da paridade de tratamento, que sempre ilegítimará qualquer mais-valia que a este propósito as maiorias parlamentares tentem extrair da posse legal do poder.
Quanto à regra procedimental em apreço, numa lógica puramente formalista, a pré-definição de uma ordem de intervenção parlamentar de dois grupos partidários, a duas voltas, parece conceder a ambos os partidos uma paridade de condições de intervenção no debate(5), no entanto, esta regra encerra uma subtil viciação das regras do jogo democrático, que se traduz numa substancial desvantagem para o primeiro interveniente que, recorde-se, é o partido minoritário da oposição.
De facto, enquanto as posições e propostas apresentadas pela oposição são duplamente contraditadas pela maioria parlamentar, a minoria da oposição somente dispõe de uma única ocasião para contestar as iniciativas idênticas dos adversários políticos da maioria, que acontece no momento da sua intervenção na segunda volta. Situação agravada pelo facto de o encerramento do debate parlamentar caber sempre ao grupo parlamentar da maioria, o que lhe confere a vantagem adicional de formular as conclusões sobre as todas matérias discutidas durante a sessão.
Em conclusão, a regra em apreço coloca o partido minoritário na Assembleia Municipal numa inequívoca posição de desvantagem no debate parlamentar face às condições concedidas à maioria, restringindo de forma injustificada o seu direito ao contraditório parlamentar, no que se prefigura como uma discriminação entre partido da maioria e a oposição. E, acrescente-se, facilmente se adivinha o foco de conflitualidade parlamentar que um regime desta natureza constitui, e que, por certo, não deixará de se reflectir em maior ou menor grau na prossecução dos interesses públicos locais.
Mas a situação é tão mais digna de censura quanto a proposta que deu lhe origem enuncia que ” o grupo parlamentar do Partido Socialista com assento nesta Assembleia, em virtude de na última eleição autárquica ter tido maioritariamente o voto e consequente confiança do povo de Lousada para representar os seus interesses neste órgão deliberativo, entende por esta vontade expressa do povo, dever ter sempre a última palavra sobre os assuntos aqui tratados”, pelo que “nos períodos de intervenção dos grupos parlamentares deverá ser sempre o último a intervir”.
Não posso de deixar de sublinhar, a este propósito, a falta de sentido democrático expressa nesta vontade de, autocraticamente, “ter sempre a última palavra” sobre as matérias em debate, supostamente legitimada pela confiança da maioria dos eleitores locais, em desrespeito pelo pluralismo de expressão e de organização política democráticas que, nos termos do art.º 2º, da Constituição, constituem bases do Estado de Direito democrático e à sombra da qual se acolhe o direito de oposição das minorias.
A “última palavra”, em democracia, é a do órgão representativo, através do voto livre dos seus titulares, e, em última instância, do eleitorado em sufrágio que suporta ou reprova a actuação levada a cabo no mandato que aí finda.
Não pode, pois, proceder o entendimento invocado por V. Exª de que a legitimação para tal regra adviria da sua aprovação pela maioria parlamentar, porquanto num Estado de Direito as maiorias devem adequar as suas condutas à Constituição e aos princípios nela proclamados. Como ensina Gomes Canotilho(6), o suporte que a democracia encontra na maioria não pode ser entendido como o absolutismo da maioria. O direito da maioria é sempre um direito em concorrência com o direito das minorias com o consequente reconhecimento de estas se poderem tornar maiorias.
Nestes termos, ao abrigo do art.º 20º, n.º 1, al. a) da Lei 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO
à Assembleia Municipal de Lousada que altere o seu Regimento no sentido de assegurar à minoria da oposição o pleno exercício do direito do contraditório, de harmonia com o princípio da oposição contido no art.º 114º, n.º 2, da Lei Fundamental.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel
______________________________________
(1)Cf. artº 111º da Constituição
(2)Cf. artº 114º,nº3,da Constituição e artº 3º,nº 1 da Lei 24/98.
(3)Cf. autor citado supra
(4)Idem
(5)Ressalvado o tempo de intervenção conferido a cada grupo parlamentar em função da sua expressão eleitoral,traduzida no número de parlamentares eleitos.
(6)Cf. Direito Constitucional e Teoria da Constitução,pg. 311