Director do Serviço Sub-Regional de Viseu do Centro Regional de Segurança Social do Centro
Número: 57/A/99
Processo: 3788/98
Data: 08.07.1999
Área: A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – SUBSÍDIO DE DESEMPREGO – DECLARAÇÃO DE INÍCIO DO EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE – PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL – DEVOLUÇÃO DO VALOR DA COIMA

Sequência: Sem Resposta

1. A beneficiária…, dirigiu-me uma reclamação na qual se insurge contra a aplicação, no âmbito do processo contra-ordenacional nº …, de uma coima, no valor de 50.000$00, pela prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos do art.º 10º do Decreto-Lei nº 64/89, de 25 de Fevereiro.

2. A situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:

2.1. A beneficiária foi despedida da empresa onde trabalhava no dia … de 1996.

2.2. Inscreveu-se no Centro de Emprego de Lamego no dia … de 1997.

2.3. Nesse mesmo dia, requereu a atribuição do subsídio de desemprego na Delegação desse Serviço Sub-Regional em Lamego.

2.4. No dia … de 1997 reiniciou a sua actividade profissional por conta de outrem na empresa “…”.

2.5. No dia … desse mesmo mês de Janeiro entregou naquela Delegação de Lamego a declaração do início do exercício de actividade profissional e de vinculação a uma nova entidade patronal.

2.6. Foi-lhe instaurado o processo de contra-ordenação nº … pela prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos do art.º 10º do Decreto-Lei nº 64/89, de 25 de Fevereiro, tendo sido notificada da acusação em 19 de Junho de 1997.

2.7. Apesar de notificada da acusação, a exponente não exerceu, desde logo, o seu direito de defesa.

2.8. No dia … de 1997, a exponente foi notificada da decisão que lhe aplicava uma coima no valor de 50.000$00.

2.9. Na sequência da recepção dessa notificação, veio impugnar essa decisão através de carta entrada nesses serviços em … de 1997.

2.10. Nessa carta alegou em sua defesa a entrega, na Delegação desse Serviço Sub-Regional sita em Lamego, no dia … de 1997, de uma declaração de início do exercício de actividade profissional e de vinculação a uma nova entidade patronal.

2.11. O processo contraordenacional instaurado à exponente veio a ser remetido ao Tribunal do Trabalho de Viseu, em … de 1998, para execução da coima aplicada à exponente.

2.12. A exponente veio a pagar a coima em sede de processo de execução.

3. A questão que, essencialmente, se suscita no presente processo é o da aplicação à exponente da coima no valor de 50.000$00 pela prática da a contra-ordenação prevista e punível nos termos do art.º 10º do Decreto-Lei nº 64/89, de 25 de Fevereiro, isto é, o exercício de actividade profissional durante o período de concessão do subsídio de desemprego.

4. Esse Serviço Sub-Regional, conforme resulta do ofício nº …, de … de 1999, fundamenta a instauração e processamento do processo contraordenacional em “razões de fundo”, as quais se prendem com a alegada omissão por parte da exponente do cumprimento da obrigação de comunicar aos serviços de segurança social de um facto determinante da suspensão do pagamento do subsídio de desemprego, em cumprimento do art.º 47º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 24 de Dezembro.

5. É certo que a beneficiária, ao reiniciar a sua actividade profissional, por força do disposto no artº 47º, nº 1, al. a), daquele diploma legal, estava obrigada a proceder àquela comunicação. No entanto, ao contrário do sustentado por esse Serviço Sub-Regional, discordo que se possa sustentar que a beneficiária tenha omitido aquela obrigação.

6. Com efeito, constitui facto comprovado o de a beneficiária ter comunicado à Delegação de Lamego desse Serviço Sub-Regional, no … de 1997, o início do exercício de actividade profissional e de vinculação a uma nova entidade patronal em cumprimento do disposto no art. 3º do Decreto-Lei nº 124/84, de 18 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 201/95, de 1 de Agosto.

7. É indiscutível, também, que o reinício da actividade profissional se constitui como um facto determinante da suspensão do pagamento das prestações de desemprego, termos do art.º 27º, nº 1, al. do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 24 de Dezembro.

8. Ora, assim sendo, não pode deixar de reconhecer-se que, ao efectuar a comunicação prevista no art. 3º do Decreto-Lei nº 124/84, de 18 de Abril, a exponente comunicou, simultaneamente, um facto determinante da suspensão do pagamento do subsídio de desemprego, dando cumprimento ao art.º 47º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 24 de Dezembro.

Com efeito, a comunicação efectuada pela beneficiária dava, materialmente, cumprimento às obrigações previstas nas duas normas jurídicas acima referidas.

9. O que levou, pois, a que se considerasse que a exponente não tinha dado cumprimento a uma daquelas normas e, nomeadamente, ao disposto no art.º 47º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 24 de Dezembro?

Apenas e tão só o facto de a exponente não ter procedido a duas comunicações autónomas.

10. No entanto, nada legitima essa exigência, a qual, aliás, viola, desde logo, o princípio da desburocratização e da eficiência constante no art. 10º do Código do Procedimento Administrativo (1).

Com efeito, este é um exemplo evidente da exigência de um formalismo inútil – a necessidade de fazer duas declarações idênticas do mesmo facto ao mesmo serviço da Administração Pública.

11. E o que é curioso é que o legislador admitiu que a declaração prevista no Decreto-Lei nº 124/84, de 18 de Abril, também produzisse efeitos no que diz respeito à atribuição do subsídio de desemprego.

Na verdade, de acordo com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 201/95, de 1 de Agosto, ao art.º 4º, nº 5, do referido Decreto-Lei nº 124/84, a falta de declaração do início do exercício de actividade profissional determinava para o trabalhador a obrigação de “…devolver à segurança social os subsídios de desemprego ou doença recebidos desta relativamente ao período em que se encontrava em trabalho efectivo, sem prejuízo de outras sanções previstas na Lei.”

Assim sendo, se em caso de incumprimento da obrigação de comunicar o início do exercício de actividade profissional o beneficiário está obrigado a devolver as importâncias recebidas a título de subsídio de desemprego relativas ao período em que se encontrava em trabalho efectivo e à instauração dos procedimentos sancionatórios (nomeadamente contraordenacionais) tendentes à aplicação das sanções legalmente previstas para a violação daquela obrigação, a contrario, haverá, necessariamente, que entender-se que o beneficiário que der cumprimento àquela obrigação não poderá ser objecto de instauração dos referidos procedimentos sancionatórios.

12. Acresce, para além disso, que a comunicação efectuada pela exponente não está, também, afectada por qualquer vício de forma.

Isto porque, se é certo que a comunicação a que refere o art. 3º do Decreto-Lei nº 124/84, de 18 de Abril, devia revestir obrigatoriamente a forma específica prevista no ponto 1.1. do Despacho Normativo nº 123/84, de 22 de Junho, também é verdade que não existe exigência legal quanto à forma que deve revestir a comunicação prevista no art. 47º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 24 de Dezembro.

13. Na verdade, a partir do momento em que aquela comunicação foi efectuada e os serviços ficaram na posse da informação que os habilitava a proceder quer para uns, quer outros efeitos, ficando a eficácia da formulação da comunicação dependente da organização e funcionamento desses próprios serviços.

Não pode, pois, a responsabilidade por uma eventual frustração dos objectivos que presidiram à consagração da obrigação relativa às comunicações ser assacada à beneficiária.

14. É, pois, neste contexto que entendo não se ter verificado a prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos do art. 54º, nº 1, do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março.

15. No entanto, apesar de se fundamentar a instauração e processamento do processo contraordenacional em causa em “razões de fundo” que, como vimos, se prenderam com a omissão imputada à exponente de ter omitido do dever previsto no art.º 47º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 24 de Dezembro, não foi a violação dessa norma legal que originou o processo contraordenacional instaurado à beneficiária.

16. Com efeito, o processo contraordenacional nº … foi instaurado com base na imputação à beneficiária da prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos do art.º 10º do Decreto-Lei nº 64/89, de 25 de Fevereiro, isto é, o exercício de actividade profissional durante o período de concessão do subsídio de desemprego.

17. A imputação à beneficiária da prática desta contra-ordenação, atentas as razões aduzidas, não tem qualquer fundamento.

18. Com efeito, como se disse, se a comunicação do reinício de actividade não foi tida em conta para efeitos da suspensão do subsídio de desemprego, tal anomalia apenas pode ser imputada à deficiente organização e funcionamento dos serviços e não a culpa da exponente.

19. Na verdade, o objectivo do legislador ao consagrar como dever dos beneficiários o de comunicar às instituições de segurança social os factos susceptíveis de determinar a suspensão ou cessação das prestações de desemprego e, ao mesmo tempo, prever a aplicação de sanções para o caso de incumprimento dessa obrigação, foi o de prevenir e evitar processos de recebimento fraudulento do subsídio de desemprego.

Ora, sendo certo que a beneficiária comunicou, tempestivamente, o reinício da sua actividade profissional, esta sua conduta não só denota a diligência da sua parte, como, também, afasta qualquer suspeição quanto à eventual intenção de receber fraudulentamente a prestação em causa.

Com efeito, como V.Exa. saberá, se fosse essa a intenção da beneficiária não teria, certamente, procedido à comunicação relativa ao reinício de actividade.

20. A situação sub judice obriga, no entanto, a que se considere, ainda,o próprio desenvolvimento do processo contraordenacional em causa.

É que, para além do mais, atentos os elementos disponíveis, ter-se á verificado um grave prejuízo do direito de defesa da beneficiária.

21. Isto porque, embora a beneficiária não tenha exercido, durante a instrução do processo, o seu direito de defesa, o que é certo é que impugnou a decisão administrativa que aplicara a coima, em momento prévio ao respectivo trânsito em julgado.

22. Com efeito, a exponente foi notificada da decisão administrativa no dia … de 1997 e impugnou a mesma através de carta entrada nesses serviço no dia … do mesmo ano.

Essa impugnação haverá que considerar-se tempestiva, porquanto, de acordo com o disposto no art. 59º, nº 3, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, tinha um prazo de vinte dias para o fazer.

23. Ora, nessa circunstância, esse Serviço Sub-Regional, por força do disposto no art.º 62º, ns. 1 e 2, do referido Decreto-Lei nº 433/82, apenas podia tomar uma de duas atitudes: ou revogava, no prazo de cinco dias, a decisão de aplicação da coima, ou, remetia os autos ao Ministério Público, para efeitos de recurso.

24. No entanto, verifica-se que esse Serviço Sub-Regional, apesar da decisão de aplicação da coima não ter transitado em julgado (2) , remeteu o processo, em … de 1998, para execução, ao Tribunal do Trabalho de Viseu.

25. Este procedimento, para além de violar as normas legais acima referidas, constituiu, como referi, um grave prejuízo do direito de defesa expressamente previsto no art.º 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa.

26. Atento o contexto a que atrás referi, à luz dos princípios da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da boa fé e da justiça, justifica-se que seja devolvido à exponente o valor da coima aplicada.

27. Sendo que, nada obsta a que essa devolução possa ter lugar. Com efeito, o dever de proceder a essa devolução assume a natureza de uma obrigação natural, o que significa que o Estado não pode ser judicialmente obrigado a cumpri-la, mas que se o fizer não estará a cometer qualquer ilegalidade.

Com efeito, as obrigações naturais, conforme refere Menezes Cordeiro (Obrigações, 1980, 1.º – 321) “…são autênticas obrigações perfeitas, apenas se distingindo das restantes por o seu regime não permitir a execução. Têm três características: a) fundamento em mero dever de ordem moral ou social; b) correspondendo a um dever de justiça; c) de cumprimento não judicialmente exigível.”

Em face do exposto,

RECOMENDO

no sentido de proceder à devolução à beneficiária do valor de 50.000$00, correspondente à coima aplicada no âmbito do processo contraordenacional nº … 97.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) Veja-se quanto ao alcance deste princípio, a nota III, a pag. 132, do “Código do Procedimento Administrativo”, 2ª edição, de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, de acordo com a qual “A celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões são parâmetros em função dos quais a Administração deve pautar o seu poder de conformação do procedimento administrativo. Não se lhe exige nem que seja temerosa (mas expedita) nem complexa (mas económica) nem “picuinhas” ou burocrática (mas eficiente).

E nisto da desburocratização e eficiência, vai sintetizado muito da essência do procedimento administrativo, como vectores fundamentais que são do princípio da informalidade.

Existindo para proteger interesses públicos fundamentais, sejam os interesses dos particulares que se realizam através do procedimento sejam os da comunidade, com uma função de garantia inderrogável, o procedimento administrativo deve avançar – no que não bula com essa garantia – informalmente, isto é, sem arreigo a formas especiais ou pré-determinadas, como as circunstâncias recomendarem para a decisão vir atempadamente e capaz para produzir o seu melhor efeito.”

(2) Veja-se a esse propósito o art.º 88º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.