Reitor da Universidade da Madeira
Rec. n.º 35/A/00
Proc.:R-3043/98
Data:2000-05-02
Área: Madeira
Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA. CONCURSO. PROFESSOR ASSOCIADO.
Sequência: Acatada
1.A Senhora Professora Doutora … requereu a minha intervenção por se considerar lesada na sua carreira, ao não lhe ser facultada a abertura de concurso para promoção a professora associada.
2.A instrução do processo organizado para o efeito nesta Provedoria de Justiça analisou os elementos apresentados em abono da reclamação e procedeu à audição de V.Exa. através do ofício de 27 de Maio p.p., tendo presente a competência dos Reitores para autorizar a aprovação do acto de abertura de concurso, nos termos do disposto no artigo 1.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 323/84, de 9 de Outubro, diploma por via do qual se concretizou a garantia constitucional da autonomia universitária, e tendo presente a regulação da carreira docente universitária, em especial, o disposto nos art.ºs 37.º e segs. do Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/79, de 13 de Novembro, alterado por ratificação parlamentar através da Lei n.º 19/80, de 16 de Julho.
3.Respondeu V.Exa, por ofício recebido em 24 Junho p.p., dando conta das razões que teriam obstado à abertura de concurso para professor associado. Em síntese, obstaria o facto de não ter sido criado o quadro de pessoal docente da Universidade da Madeira, apesar das diligências já efectuadas e obstaria ainda a posição do Conselho Científico de 18/11/1998, baseando-se em resolução do Senado da Universidade da Madeira de 18/12/1996, deliberando dever ser relegada a abertura de concurso para momento ulterior ao da aprovação e publicação oficial do quadro do pessoal docente.
4.Como viesse, entretanto, a ser cumprida esta última condição, por meio da Portaria n.º 884/99, de 11 de Outubro, aprovando o quadro de pessoal em falta, solicitou-se a V.Exa. pelo ofício de 16 de Dezembro p.p., que informasse da evolução do assunto.
5.Da resposta, prestada através do ofício de 10 de Janeiro p.p., resulta manter-se inalterada a situação da peticionante e por razões que, embora devidamente apreciadas, não creio suficientemente adequadas.
6.Admite V.Exa, porém, que possa a minha intervenção contribuir para um melhor entendimento da Universidade da Madeira na interpretação e aplicação do Direito, nomeadamente de certo preceito do Estatuto da Carreira Docente Universitária – o disposto no art. 39.º, n.º 1, cujo teor literal impedirá a imediata abertura de concurso para professor associado, ao qual poderia candidatar-se a peticionante.
7.Importa, para o feito, proceder-se a um breve enunciado dos factos relevantes em duas perspectivas (§1º) a da evolução da carreira docente universitária da peticionante e das vicissitudes de ordem normativa e institucional, após o que exporei os motivos (2º§) que a meu ver concorrem decisivamente para a presente tomada de posição.
§1º
8.A peticionante vê a sua relação funcional enquadrada, em especial, pelo disposto no Decreto-lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro.
9.Com efeito, desde que foi integrada na Universidade da Madeira a extinta Escola Superior de Educação da Madeira, pelo Decreto-Lei n.º 391/89, de 9 de Novembro, que urgia proceder à transposição dos docentes daquela escola – ordenados segundo carreira diversa – para as categorias da carreira universitária, confessando-se no preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 17/98 a indispensabilidade desta providência, cuja falta vinha protelando a sua plena integração na Universidade da Madeira.
10.Porque extinta a sua anterior carreira, os docentes transitados viram, entre a extinção da Escola Superior de Educação e a adopção desta providência legislativa, comprometidas as legítimas expectativas de ascenderem a categorias mais elevadas, já por corresponderem à evolução da carreira universitária onde se integram de pleno direito, já por constituir direito fundamental a plena realização no trabalho (artigo 59.º, n.º 1, alínea b) da Constituição), cumprindo ao Estado arredar os constrangimentos que obstem aleatoriamente ao acesso a quaisquer categorias profissionais (58.º, n.º 3, alínea b) da Constituição).
11.Seria pois, com o Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, que a peticionante veria a sua situação regularizada após mais de oito anos de indefinição com o que tal representou não só em termos pessoais, como também a um nível de desejada boa administração.
12.Professora-Adjunta que era em 1989, a peticionante transitou para a categoria de Professora Auxiliar, em execução do disposto no art.º 1.º, alínea c) do sempre citado Decreto-Lei n.º 17/98.
13.Durante este interstício temporal, a peticionante encontrara-se impedida de aceder a uma categoria superior da extinta carreira, pois não foi aberto concurso para Professor Coordenador por força do regime de instalação da UMA e da extinção do ESEM, como impossibilitada estava de procurar aceder a uma categoria superior da nova carreira na falta de definição do reposicionamento. Após tal período, a única possibilidade de promoção seria concorrer para lugar vago de Professor Associado.
14.Ora, o legislador, por isso mesmo, não se cingiu em 1998 a estabelecer a transposição entre carreiras, determinada mas não executada oito anos atrás. Como tal, veio dispor um mecanismo especial que facultasse aos lesados compensar o prejuízo sofrido na sua carreira académica com a tardia regularização.
15.Nesse sentido, veio permitir aos “Professores-Adjuntos com cinco anos de efectivo serviço na categoria que transitem para a categoria de Professor Auxiliar e que possuam o grau de Doutor ou o obtenham no prazo de cinco anos a contar da data da publicação do presente diploma” que concorram à categoria de Professor Associado (art. 2.º, n.º 2).
16.A situação funcional da peticionante preenche todos estes requisitos porquanto:
a) possui mais de cinco anos de efectivo serviço na categoria de professora adjunta;
b) transita ipso jure para a categoria de professor auxiliar; e,
c) possui grau de Doutora, desde Dezembro de 1995.
17.Se a peticionante não tem direito a ser provida na categoria de professor associado tem, sem dúvida, o direito a ver aberto concurso para recrutamento de professores associados.
18.E tão pouco se poderá obstar com a contingência de lugares, uma vez que o legislador, especificamente para estes casos, admitiu a criação de lugares supranumerários a extinguirem quando vagarem.
19. E se a tanto, ainda assim, parecia contrapor-se a falta de um quadro de professores da Universidade da Madeira, o certo é que esses eventual escolho seria ultrapassado com a publicação da portaria n.º 884/99, de 11 de Outubro.
20. Desde então, é legítimo aos departamentos, por via da respectiva comissão científica, propor que sejam accionados os meios próprios com vista ao recrutamento de professores (art.º 45.º, n.º 6, dos Estatutos da Universidade da Madeira, homologados pelo despacho normativo n.º 83/98, de 31 de Dezembro).
21. Este mesmo facto, veio a ocorrer, segundo informa V. Exa. pelo aludido ofício de 10 de Janeiro p.p., através da comunicação interna de 14 de Dezembro p.p. “o Departamento de Ciências de Educação propôs, muito recentemente a abertura de um concurso de Professor Associado numa área pertinente à Prof. Doutora …”.
§2º
22.Resulta do exposto que a peticionante vem sendo lesada na sua carreira por constrangimentos que lhe são de todo alheios, mas que a fazem encontrar-se confinada a uma categoria profissional materialmente idêntica à que possuía em 1989 quando foi extinta a Escola Superior de Educação da Madeira.
23.Resulta do exposto que estão criadas as condições legais e regulamentares que permitem desbloquear a sua situação ainda que não reparando os danos patrimoniais e não patrimoniais suportados durante este dilatado lapso de tempo.
24.Creio, pois, que a abertura de concurso para dar execução ao disposto no artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, não apenas significa o cumprimento de um imperativo de justiça, como se revê plenamente na conformidade com o direito.
25. Não valerá a pena controverter mais a questão de saber se é ou não um poder vinculado, tanto mais que parece dispor-se V. Exa. a fazê-lo, acolhendo favoravelmente o já proposto pelo Departamento de Ciências de Educação.
26.Aquilo que, ao invés, é por V.Exa alegado é o facto de não poder determinar a abertura do concurso antes de Julho próximo futuro, já que, no art. 39.º n.º 1 do Estatuto da Carreira Docente Universitária é obrigatório a abertura dos concursos bienalmente e no referido mês.
27.Na verdade, esta disposição legal apontava para que os Reitores das Universidades devessem propor bienalmente, no mês de Julho, ao Ministro da Educação a abertura de concursos para preenchimento das vagas de professor que se verifiquem nos quadros das respectivas escolas ou departamentos.
28.Sem prejuízo de se mostrar extremamente questionável a eficácia presente desta norma do Estatuto, uma vez que o Decreto-Lei n.º 323/84, de 9 de Outubro, procedeu à transmissão deste poder do Ministro para os Reitores (art. 1.º, n.º 1, alínea a), é de crer que esta mesma disposição jamais cercearia o poder de o Reitor providenciar pela abertura de concursos fora deste lapso de tempo, desde que verificadas as demais condições legais, administrativas e financeiras para o fazer.
29.Assim, seria irrazoável admitir que, por não terem sido abertos concursos num dado mês de Julho de um certo e determinado ano, só decorridos dois anos poderia o reitor autorizá-lo.
30.A fixação do mês de Julho antes se prende com a previsão orçamental para o ano económico subsequente, de tal sorte que as despesas futuras com o recrutamento não se encontrem descabimentadas no seguinte ano económico.
31.Como tal, o poder que bienalmente previsto para Julho é vinculado, fora desse período correspondendo a uma faculdade, por via de regra, em especial quando não seja exercido o primeiro.
32.E assim seria no caso vertente. Estaria V.Exa. habilitado autorizar a abertura e estaria V.Exa vinculado a fazê-lo em Julho p.p.
33.Todavia, a especificidade do caso vertente vai mais longe, não apenas no plano da factualidade, como também do tratamento normativo que recebeu.
34.É que do Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, decorre a obrigatoriedade de facultar a abertura de concurso aos destinatários das suas normas, pois de outro modo, perderia sentido útil quanto se dispõe no art. 2.º, n.ºs 2 e 3.
35.A lei não pode ser interpretada de modo elíptico ou redundante, de tal sorte que cada um dos seus preceitos se apresentasse desprovido de sentido útil. Por isso, cumpre ao intérprete descortinar relações de proeminência entre normas a partir de relações hierárquicas, funcionais, de especialidade ou simplesmente cronológicas, o que em último caso levará a considerar que certa norma caducou, foi revogada ou derrogada.
36.A norma do art. 2.º, n.º 2, seria vazia de sentido caso pudesse simplesmente retirar-se do seu teor o direito de os Professores Auxiliares que possuam o grau de Doutor (ou o obtenham entretanto) poderem ser opositores em concursos para a categoria imediatamente superior.
37.Isto, porque já resultaria do art. 41.º do Estatuto de Carreira Docente Universitária que os Doutores por Universidades Portuguesas, em especialidade adequada à área da disciplina, pudessem apresentar-se aos concursos para recrutamento de professores associados, desde que contando, pelo menos, cinco anos efectivos de serviço na qualidade de docentes universitários.
38.Se, porventura, o que o legislador pretendia garantir era a contagem, para esse efeito, do tempo de serviço prestado na categoria de Professor Auxiliar, então, bastaria o disposto no art. 3.º do Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, onde se garante que sempre o tempo de serviço prestado nas categorias da Escola Superior de Educação da Madeira conte para efeitos de progressão na carreira universitária.
39.O direito alcançado por parte dos sujeitos destinatários na norma contida no art. 2.º,n.º 2, do Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, não é, por seu turno, incondicionado ou sujeito a termo.
40.Têm um verdadeiro direito a ser providos desde que obtenham aprovação com mérito absoluto em concurso pelo que fica arredada a disponibilidade do órgão competente em ajuizar da oportunidade da abertura do mesmo.
41.Divergente do que surge exposto por V. Exa. no ofício de 10 de Janeiro p.p., este não é um concurso típico em todos os seus aspectos. É um concurso cuja específica regulação se perfila no contexto singular do Decreto-Lei n.º 17/98.
42.Se é certo que o direito ao provimento na categoria de Professor Associado não é automático, porque sujeito à aprovação com mérito absoluto, já automática parece ser a sua abertura, conquanto que submetida aos pertinentes formalismos procedimentais.
43.Concedo que do referido concurso possa resultar a admissão de outros docentes, como de resto é próprio da selecção concursal, mas o que não pode é argumentar-se com possibilidade de criação de lugares supranumerários em sentido que minimize a posição da peticionante.
44.Deve reparar-se que a norma que concede a criação de lugares supranumerários, a extinguir quando vagarem, é inteiramente subordinada à disposição imediatamente anterior, isto é, ao artigo 2.º,n.º 2.
45.Bem se vê, pois então, o que pretendeu o legislador:
a)Que o concurso não pudesse deixar de ser aberto por falta de vagas disponíveis;
b)Que os opositores que tendo transitado como Provedores-adjuntos da Escola Superior de Educação da Madeira para a categoria de Professores Auxiliares da carreira universitária, e que tendo o grau de Doutor (ou o obtenham entretanto) e sejam aprovados em concurso com mérito absoluto, não pudessem deixar de ser providos por força de um pior resultado comparativo e da contingência do número de lugares a prover;
46.Inevitável me parece ser de concluir que o sentido a atribuir à possibilidade de criação automática de lugares de supranumerário (art. 2.º, n. º 3) se destina apenas e exclusivamente a reforçar o direito outorgado precedentemente (art. 2.º,n.º 2), e não para contemplar todo e qualquer outro docente provido como Professor Associado o que viesse a ser admitido a concurso.
47.Por fim, o lapso na publicação do quadro de Professores da Universidade da Madeira superiormente dirigida por V.Exa, ao ter sido generalizada a precariedade das vagas criadas, não impede a abertura do concurso, pois é manifesto que tal estipulação se resume aos únicos que foram criados de acordo com a respectiva legenda (Professor Coordenador e Provedor-adjunto).
Conclusões
1.ª O Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, cuidou de regular a transição do pessoal docente da Escola Superior de Educação da Madeira, extinta pelo Decreto-Lei n.º 391/89, de 8 de Novembro, e reconstituir as possibilidades de os seus destinatários concretizarem a legítima promoção a categorias superiores.
2.ª A peticionante reúne todas as condições para ser provida como Professora Associada do quadro de Professores da Universidade da Madeira, aprovado pela Portaria n.º 884/99, de 11 de Outubro, à excepção da aprovação com mérito absoluto em concurso.
3.ª A verificação deste último requisito para poder exercer o direito ao provimento que lhe concede norma legal é condição incerta, mas estritamente na medida do mérito que demonstre nas provas do concurso.
4.ª Já a abertura deste mesmo concurso não pode ser condicionada pelos factores de ordem administrativa que condicionam a generalidade da abertura dos concursos para professores Universitários.
5.ª É materialmente justo aspirar ao desenvolvimento regular das carreiras individuais, cumprindo aos competentes órgãos universitários providenciar nesse sentido.
6.ª O sentido específico que o legislador pretendeu conferir às disposições do Decreto-Lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro, sairia desvirtuado se as mesmas fossem preteridas pela aplicação da lei geral, pois inequivocamente se aplica preferentemente a lei especial por razões de unidade e coerência da ordem jurídica.
7.ª Ainda que se admitisse a vigência da norma do art. 39.º, n.º 1, do Estatuto da Carreira Docente Universitária, nem por isso seria de aguardar por 1/7/2000 para dar início à abertura do concurso proposta em 14 de Dezembro p.p. pela Comissão Científica do Departamento de Ciências da Educação da Universidade da Madeira.
8.ª Isto, porque não se vê outro meio de executar o disposto no Decreto-Lei n.º 17/98, ao que acresce não se esgotar o poder de abrir concursos em 31/7 de cada dois anos, já que aquilo que resultaria do mencionado art. 39.º n.º 2, é um imperativo de providenciar pela sua abertura em tempo certo, de modo a compatibilizar a gestão de recursos humanos com a gestão orçamental e de modo a não privar os legítimos interessados na promoção dos critérios de oportunidade e conveniência por parte do órgão com competência.
Contraditada a pretensão da peticionante com os esclarecimentos (e até dúvidas) expostos por V.Exa, e analisadas as questões relevantes à luz do direito aplicável e de considerações de justiça pertinentes para a apreciação do caso, RECOMENDO:
que sejam adoptadas as necessárias medidas aptas a iniciar, no mais breve trecho, a abertura de concurso para professor associado do quadro de Professores da Universidade da Madeira, proposta através de comunicação interna de 14/12/1999 do Departamento de Ciências da Educação para, pelo menos, o número de vagas que permitam habilitar a execução do disposto no art. 2.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-lei n.º 17/98, de 29 de Janeiro.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL