Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões
Rec. n.º 21/A/2000
Proc.R-305/99
2000.03.20
Área: A3
Assunto: Segurança social. Pensão de velhice antecipada
Sequência: Não acatada
1. O Senhor …, beneficiário nº …, dirigiu-me uma reclamação na qual questionava o acto de indeferimento de pensão de velhice antecipada por si requerida.
2. A situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:
2.1. O beneficiário requereu a atribuição das prestações de desemprego, tendo as mesmas vindo a ser-lhe atribuídas em de 28 de Março de 1995.
2.2. Esgotado o período de atribuição daquelas prestações, requereu, dia 18 de Julho de 1997, junto do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, a atribuição da pensão velhice antecipada.
2.3. Na sequência desse requerimento, esse Centro, veio, no entanto a comunicar-lhe, através do ofício de 16 de Fevereiro de 1998, que:
– o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo comunicara que as prestações de desemprego que lhe haviam sido atribuídas “não haviam sido convalidadas” em virtude de se encontrar na situação de aposentado pela Caixa Geral de Aposentações.
– e que, “…não havia lugar à aplicação do art.º 33º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 3 de Março, em virtude das prestações de desemprego não serem acumuláveis com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho nem comprestações de pré-reforma”.
– nessa medida, a atribuição das prestações de desemprego que se verificara não lhe conferia direito ao acesso antecipada à pensão de velhice.
2.4. Apesar do beneficiário se ter manifestado contra esses fundamentos, o requerimento foi indeferido e comunicado ao beneficiário através do ofício desse Centro de 6 de Março de 1998, no qual se mantiveram os argumentos anteriormente aduzidos.
2.5. Na sequência de reclamação dirigida pelo beneficiário ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo no dia 26 de Fevereiro de 1998, este organismo veio a comunicar-lhe, através do ofício nº …, que:
– fora decidido convalidar as prestações de desemprego processadas no período compreendido entre 28 de Março de 1995;
– e fora comunicada ao Centro Nacional de Pensões aquela decisão “…para aqueles serviços procedam à reanálise do requerimento apresentado para a antecipação à Pensão de Velhice.”
2.6. Esse Centro veio, no entanto, a informar o beneficiário, através do ofício nº …, que:
– se confirmava o teor dos ofícios de 16 de Fevereiro de 1998 e de 6 de Março do mesmo ano e se mantinham os fundamentos neles aduzidos:
– embora o pagamento do subsídio de desemprego tivesse sido convalidado pelo Serviço Sub-Regional de Lisboa do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, se considerava que o respectivo pagamento havia sido indevido, por o beneficário receber uma pensão paga pela Caixa Geral de Aposentações;
– se mantinha o indeferimento do pedido de pensão de velhice antecipada por o beneficiário não reunir os requisitos previstos no art.º 23º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, conforme lhe fora comunicado anteriormente.
3. Presentes as circunstâncias atrás referidas, estes serviços solicitaram ao Serviço Sub-Regional de Lisboa do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo informações complementares quanto à situação em apreço, tendo este organismo informado, através do ofício nº …, o seguinte:
“1. O acto de atribuição indevida da prestação, verificada em 28-03-95, não pode ser revogado, dado, em 10/97, já estar amplamente ultrapassado o prazo de um ano de que os serviços tinham para o efeito. Assim, e na esfera dos direitos imediatos da convalidação do acto, não há lugar à exigência da reposição de valores indevidos, subsistindo o direito ao correspondente registo de remunerações por equivalência à entrada de contribuições.
2. No que respeita aos seus efeitos futuros, dado o vício do acto de 28-03-95 ter sido sanado pelo decurso do prazo de revogação, não deve o interessado ser afastado do acesso à pensão antecipada por velhice, nos termos de previsão do Art.º 36º do Dec-Lei 418/93, de 24/12.”
4. Esse Centro, no ofício nº …, dirigido a esta Provedoria, veio sustentar que não devia haver lugar à alteração do despacho de indeferimento “…uma vez que o subsídio de desemprego que lhe foi concedido foi indevido, em virtude de usufruir de uma pensão paga pela Caixa Geral de Aposentações, pelo que sendo a concessão do subsídio de desemprego ilegal, por violação do Art.º 33º do DL 79-A/89 de 13 de Março, daqui resulta que os efeitos normais do acto de concessão não se podem repercutir na esfera jurídica do beneficiário, sob pena de se estar a defraudar a intenção do legislador.”
5. Analisada a questão no âmbito destes serviços, concluiu-se que, decorrido o prazo previsto no art.º 141º do Código do Procedimento Administrativo, o acto de atribuição das prestações de desemprego se havia consolidado no ordenamento jurídico, pelo que o acto de indeferimento do acesso antecipado à pensão de velhice carecia de fundamento. Nessa medida, foi solicitada a V.Exa., através do ofício nº …, informação quanto à disponibilidade para promover a revisão do processo de atribuição antecipada daquela prestação ao beneficiário.
6. Esse Centro veio a responder através do ofício nº … passado, no qual se comunicou a indisponibilidade para promover a revisão do processo.
7. Tal posição foi fundamentada nos seguintes termos:
“…o pedido de pensão por velhice antecipada, referente ao beneficiário acima indicado, foi indeferido em virtude de não se verificarem os pressupostos legais exigidos no art.º 36º do DL 79-A/89, na redacção do DL 418/93 de 24 de Dezembro:
a) Esgotar as prestações de desemprego : embora tenha esgotado as prestações de desemprego, a concessão deste foi ilegal, pelo que não pode constituir pressuposto para a prática de outro acto (concessão de pensão). A eventual convalidação pelo decurso do tempo de revogação apenas impede que naquela prestação se extraiam os efeitos da ilegalidade (revogação e reposição), mas o acto ilegal de concessão não se torna legal.
b) Manter a situação de desempregado: o beneficiário não se encontra em situação de desemprego porque é pensionista da Caixa Geral de Aposentações.
Assim, não estando o beneficiário em situação de desemprego, como já foi referido, a convalidação das prestações de desemprego não tornam o acto válido, mantém os efeitos directos e normais decorrentes desse acto inválido (pagamento do subsídio e registo de equivalências).”
8. Resulta, pois, das considerações anteriormente referidas que a questão determinante que se suscita na análise da situação em causa se prende, essencialmente, com a eficácia do acto administrativo através do qual foram concedidas as prestações de desemprego ao beneficiário.
9. Começando, pois, por este aspecto, esse Centro tem vindo a sustentar, como referido anteriormente, que o requisito previsto na al. a) do art.º 36º do DL 79-A/89 não pode considerar-se preenchido porquanto o acto administrativo de atribuição das prestações de desemprego ao beneficiário havia sido um acto inválido por força do disposto no art.º 33º do mesmo diploma.
10. O acto administrativo estaria, por esse motivo, afectado por vício de violação de lei, o que o tornava anulável face ao disposto no art.º 135º do Código do Procedimento Administrativo, não podendo portanto considerar-se os respectivos efeitos.
11. Embora a questão suscitada não se prenda, como demonstrarei, com os efeitos do acto em causa mas, em bom rigor, com a sua existência e relevância jurídica, importa clarificar as consequências da invalidade invocada por esse Centro e avaliar em que medida podem, efectivamente, prejudicar a possibilidade de o beneficiário aceder à atribuição antecipada da pensão de velhice ao abrigo do disposto no art.º 36º do DL 79-A/89.
12. Na verdade, as consequências da anulabilidade do acto administrativo merecem, praticamente, a unanimidade da doutrina, pelo que me parece pertinente atentar, de perto, nas posições que os autores têm defendido sobre a matéria.
Inicialmente, entendia-se que o decurso do prazo de recurso contencioso comportava a validação do acto.
Assim, de acordo com Marcello Caetano, em Manual de Direito Administrativo, vol.I, 10ª edição, a pags. 518, o acto anulável “…produz efeitos até à anulação: enquanto não for anulado, é um acto eficaz e obrigatório, não apenas para os funcionários mas também para os particulares a que se destine.”, para , mais à frente, acrescentar “não sendo impugnada a sua validade dentro do prazo de recurso, não pode mais invocar-se a invalidade, por ataque directo ou em defesa, o que equivale à eliminação do vício, à conversão do acto viciado em acto são…”.
Também Diogo Freitas do Amaral, em “Direito Administrativo”, III volume, 1989, a fls. 327, 1º, refere que ” o acto anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado. Enquanto não for anulado é eficaz, produz efeitos jurídicos como se fosse válido …” e, mais à frente, a pags. 331, “…a regra é a de que o acto inválido é anulável; se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação, ele converte-se num acto válido.”
Do mesmo modo, José Robin de Andrade defendia em “A revogação dos actos administrativos”, a fls. 225, “Em nosso entender, o decurso do prazo de recurso sana objectivamente as ilegalidades de qualquer acto administrativo, constitutivo ou não constitutivo de direitos, e impede, quer a sua anulação contenciosa, quer a anulação graciosa.”
Modernamente, tal doutrina mereceu uma certa evolução como se infere do que Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim em “Código do Procedimento Administrativo”, 2º Edição, nota II, a pags. 660 e 661, referem, a propósito:”outra das indicações fundamentais do regime da anulabilidade contida no art.º 136º é a de que, decorrido certo tempo, o acto administrativo anulável já não pode mais ser anulado pela Administração ou impugnado perante os tribunais: a sua ilegalidade deixa de poder fundamentar uma anulação administrativa ou uma sentença anulatória e, portanto, ele passa a ser visto no ordenamento jurídico como um acto tão consistente quanto um acto legal, ficando sujeito ao regime da revogação dos actos administrativos válidos.
Não que desapareça a ilegalidade de que o acto padecia – resultado que só se obtém pela sua sanação (ou cura) através de ratificação, da reforma ou conversão…O que sucedeu é que tal ilegalidade perdeu (no que a ele respeita) a sua força invalidante: o acto tornou-se inimpugnável com esse fundamento.
Efectivamente, ao fim de um determinado tempo – que é, normalmente, um ano contado da sua prática (publicação ou notificação), como resulta da remissão feita nos ns. 1 e 2 deste artigo do Código para o seu art. 141º e para a lei do contencioso administrativo (art. 28º da Lei de Processo) – o acto já não pode ser mais revogado (anulado) pela Administração ou impugnado perante os tribunais competentes para o anular, passando a viver, nesta perspectiva (mas já não, por exemplo, em sede indemnizatória) como se de um acto válido se tratasse.”
13. Nesta medida, resulta de qualquer uma das concepções que o acto administrativo anulável produz efeitos, como se fosse válido e, se não for revogado ou sua anulabilidade decretada judicialmente no prazo previsto para o efeito, se consolida na ordem jurídica, tornando-se inatacável.
14. Ora, foi isso que aconteceu no caso concreto em apreço.
Com efeito, a anulação do acto de atribuição das prestações de desemprego não se verificou, não só porque a respectiva validade não foi impugnada em sede judicial, como, também, não foi revogado pelo orgão competente para o efeito, dentro do prazo de recurso, conforme refere, aliás, o próprio ao Serviço Sub-Regional de Lisboa do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo que, embora reconhecendo a invalidade do mesmo, reconhece, também, que a respectiva revogação se não verificou dentro do prazo legalmente previsto para o efeito.
15. A existência no ordenamento jurídico do acto de atribuição das prestações de desemprego e, consequentemente, a sua relevância jurídica são, pois, inquestionáveis.
16. Este esclarecimento tornava-se essencial atenta a argumentação que esse Centro Nacional de Pensões sempre veio a deduzir a propósito da situação em análise.
Isto porque, ao contrário do que vem a ser sustentado, o direito ao acesso antecipado à pensão de velhice não se trata de um efeito, directo ou indirecto, do acto de atribuição das prestações de desemprego.
Saliente-se, no entanto, que, se fosse, era inatacável.
17. Na verdade, de acordo com o disposto no art.º 36º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 418/93, de 4 de Dezembro, os requisitos legais do acesso antecipado à pensão de velhice são os seguintes:
– ter o beneficiário 55 anos de idade à data do requerimento da atribuição das prestações de desemprego;
– ter o beneficiário perfeito 60 anos de idade;
– ter o beneficiário esgotado o período de concessão das prestações de desemprego, ainda que satisfaçam as condições de atribuição subsequencial do subsídio social de desemprego ou se encontrassem a receber esta prestação;
– ter o beneficiário mantido uma situação de desemprego involuntário, comprovado pelas instituições de segurança social.
18. Se se atentar no teor dessa disposição legal, verifica-se que o requisito previsto na al. a) daquela norma legal não se reporta ao direito à atribuição das prestações de desemprego, mas sim ao facto de o beneficiário ter recebido as prestações de desemprego e o respectivo período de atribuição se ter esgotado.
19. É certo que o acesso antecipado à atribuição da pensão de velhice, nesta sede, pressupõe que se tenha verificado previamente a atribuição das prestações de desemprego.
No entanto, como referi e demonstrei anteriormente, esse pressuposto não só se verificou, como, também, se tornou inatacável com fundamento na sua invalidade, tendo-se consolidado na ordem jurídica, não sendo por isso possível sustentar a sua inexistência ou inexistência dos efeitos por ele produzidos.
20. Se não é possível “varrer” ou eliminar da ordem jurídica o facto de o beneficiário ter efectivamente recebido as prestações de desemprego, também não é possível ignorar esse facto para efeitos da atribuição da pensão.
21. O indeferimento do acesso antecipado à pensão de velhice, no ofício nº … desse Centro dirigido a esta Provedoria, veio, no entanto, a ser, ainda, fundamentado num novo argumento.
Com efeito, nessa altura, veio sustentar-se que, à data do requerimento, o beneficiário não se encontrava na situação de desempregado, não preenchendo por esse motivo, o requisito previsto no art.º 36º do Decreto-Lei nº 79-A/89, al. b).
E, tal aconteceria, porque o beneficiário é pensionista da Caixa Geral de Aposentações.
22. A este propósito, importa relembrar que a caracterização de uma situação de desemprego se encontra definida no Decreto-Lei nº 79-A/89, sendo essa e nenhuma outra a definição relevante para os efeitos nele previstos.
De acordo com o art.º 2º desse diploma legal, era considerada uma situação de desemprego toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho.
23. Ora, se se atentar nessa definição, resulta óbvio que o facto de o beneficiário ser pensionista da Caixa Geral de Aposentações em nada obsta a que se encontre naquela situação.
24. Note-se, aliás, que a lógica do art.º 33ºº do Decreto-Lei nº 79-A/89, repetidamente invocado por esse Centro como fundamento da invalidade do acto de atribuição das prestações de desemprego ao beneficário, resulta, em parte, da possibilidade de os pensionistas se encontrarem na situação de desemprego involuntário.
Com efeito, se assim não fosse, que sentido útil teria essa norma no que respeita às pensões, consideradas estas como prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho?
Se a exclusão da possibilidade dos pensionistas receberem as prestações de desemprego resultasse, desde logo, da própria caracterização legal da situação de desemprego involuntário, essa situação constaria entre aquelas que o legislador considerou não integrarem o desemprego involuntário e não no capítulo que tem por epígrafe “da acumulação e coordenação das prestações”.
25. E, tanto assim é, que o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, entidade a quem nos termos da lei competia proceder à atribuição das prestações de desemprego e, portanto, apreciar os requisitos da respectiva atribuição, nunca invocou, em qualquer momento, como facto impeditivo de o beneficiário do direito a receber essas prestações o facto não se encontrar numa situação de desemprego involuntário.
26. Note-se, aliás, que também esse Centro Nacional de Pensões, apesar de sempre ter invocado a invalidade do acto de atribuição das prestações de desemprego, nunca antes invocara esse argumento.
Na verdade, a necessidade desse Centro de recorrer a um novo argumento mais não significa do que o reconhecimento da insuficiência e falta de consistência da argumentação anteriormente aduzida.
27. Atentas as razões aduzidas, considero que o acto de indeferimento por parte desse Centro Nacional de Pensões carece totalmente de fundamento.
Em face do exposto,RECOMENDO
a V.Exa. a revogação do acto de indeferimento do acesso antecipado à pensão de velhice requerida pelo beneficiário, com a consequente atribuição da pensão desde a data em que foi requerida.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel