Administradora dos Serviços de Acção Social do Instituto Politécnico do Porto
Rec. n.º 52/A/00
Proc.:R-1208/00
Data: 08-06-2000
Área: A3
Assunto: EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR PÚBLICO. BOLSA DE ESTUDO.
Sequência: Não Acatada
No presente processo, tem vindo a ser apreciada uma determinada interpretação adoptada por esses Serviços relativamente às condições de concessão de bolsas de estudo a alunos do ensino superior público que não se encontrem matriculados no primeiro ano dos respectivos cursos.
Assim, o Regulamento de Atribuição de Bolsas a alunos do Ensino Superior Público, contido no Despacho n.º 10324-D/9731 de Outubro de 1997, condiciona a atribuição de bolsa de estudo a um limite de dois anos lectivos sem aproveitamento escolar por parte do candidato (cfr. artigo 7.º, n.º 1, alínea e.1).
O mesmo regulamento remete para os diversos estabelecimentos de ensino a fixação das condições mediante as quais se verificará o aproveitamento escolar (artigo 4.º).
A questão que se coloca prende-se com a noção de aproveitamento escolar. No entender desses Serviços, e segundo se depreende do teor da correspondência enviada a este respeito à Provedoria de Justiça, o Regulamento, ao aludir a aproveitamento, refere-se ao aproveitamento em todas as disciplinas, apenas remetendo para os estabelecimentos de ensino a fixação das condições de aproveitamento a vigorar para cada disciplina.
No caso concreto suscitado na Provedoria de Justiça, está em causa a atribuição de bolsa a um aluno que, tendo sucessivamente transitado de ano e encontrando-se no terceiro ano do seu curso, regista uma disciplina em atraso do primeiro ano, considerando esses Serviços que este facto configurará falta de aproveitamento no ano escolar a que se reporta a disciplina, falta de aproveitamento essa que, tendo ocorrido por mais do que duas vezes, inviabilizará a concessão de bolsa.
Este entendimento não pode deixar de suscitar reservas, nos termos que passo a enunciar. No seu sentido comum, o aproveitamento escolar corresponde à transição de ano, opondo-se, nesse contexto, à retenção de ano, que exactamente implica a repetição do ano escolar em questão, no seu todo ou apenas nas disciplinas em que não se logrou o aproveitamento.
Ora, quando o Regulamento remete para os estabelecimentos a competência para fixar as condições de aproveitamento, não pode senão entender-se que se refere às condições de transição de ano lectivo. Em primeiro lugar, porque a expressão utilizada é o “aproveitamento escolar num ano lectivo”.
Depois por, na apreciação do mérito escolar dos bolseiros, o Regulamento ter subjacente uma lógica de aproveitamento anual, tendo designadamente em conta o número de anos que, em cada caso, o candidato necessitará para completar o seu curso (cfr., a esse respeito, o disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea e.2 e n.º 2). Assim, a falta de aproveitamento apenas relevará se afectar o prazo de duração do curso (sem prejuízo de, se a falta de aproveitamento se reportar à totalidade ou quase das disciplinas, inviabilizar também a concessão de bolsa, por o aluno não ter atingido os mínimos admissíveis – designado de “aproveitamento mínimo”).
Não será, assim, correcto, equiparar a falta de aproveitamento a uma disciplina, que não inviabilize a transição de ano nem compromete o período necessário para a realização do curso, com a falta de aproveitamento a um conjunto de disciplinas que inviabilizem a transição de ano e que venha necessariamente a afectar o número de anos em que o curso venha a prolongar-se. Caso contrário, tratar-se-á de modo idêntico duas situações que de semelhante nada têm, equiparando-se alunos que, transitando sempre de ano, reprovem por duas vezes a uma única disciplina a alunos que por duas vezes tenham ficado retidos no mesmo ano. Por outro lado, a interpretação feita por esses Serviços, mediante a qual aos estabelecimentos apenas caberia estabelecer as condições a observar para o aproveitamento em cada disciplina, também não seria muito plausível, uma vez que, como é sabido, as condições de aproveitamento disciplinar, independentemente do estabelecimento ou do curso, referem-se invariavelmente à mera obtenção de classificação final positiva, pelo que não seria necessária uma remissão do Regulamento a este respeito; muito mais pertinente e útil seria que o Regulamento, como efectivamente sucede, remetesse para definição local as normas a observar na transição do ano lectivo, essas sim, variáveis conforme os estabelecimentos e cursos.
Deve, assim, concluir-se que, quando o Regulamento condiciona a concessão de bolsa ao aproveitamento escolar do candidato, refere-se à transição de ano, independentemente de poder reprovar a alguma disciplina. De resto, nas próprias “Regras Técnicas para a Candidatura e Atribuição de Bolsas de Estudo” elaboradas por esses Serviços para o ano lectivo 1999/2000, o requisito de aproveitamento é expressamente traduzido pelo termo transitar (cfr. ponto n.º 4, alíneas b) e c)), facto que não pode deixar de indiciar um entendimento na linha daquele que tive ocasião de expor supra. Diga-se ainda que, segundo se pôde apurar no decorrer da instrução do presente processo, também o Fundo de Apoio ao Estudante considera corresponder ao conceito de aproveitamento não o aproveitamento integral, mas a mera transição de ano lectivo.
Atento o exposto, RECOMENDO
que se passe a considerar a condição de aproveitamento a que alude a alínea e.1 do artigo 7.º, n.º 1 do Regulamento de Atribuição de Bolsas a Alunos do Ensino Superior Público, contido no Despacho n.º 10324-D/97, de 31 de Outubro de 1997, como correspondente a transição de ano, ainda que com reprovação a alguma disciplina;
que, no caso concreto em apreço, se reaprecie o processo do candidato, considerando como preenchido o requisito de aproveitamento nos caso de anos lectivos em que tenha transitado para o ano seguinte.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL