Primeiro Ministro

Rec.n.º 6/A/99
IP-1/99
IP-97/99
1999.03.02
Área: Açores

ASSUNTO: AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS – SECTOR CIMENTEIRO – PROJECTO DE ELIMINAÇÃO DE ELIMINAÇÃO DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS – ACÇÃO POPULAR – AUDIÊNCIA PRÉVIA.

Sequência: Recomendação sem resposta conclusiva

Introdução

Em diversas ocasiões tenho feito referência ao incumprimento das disposições da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que consagrou o direito de participação popular em procedimentos administrativos e instituiu um dever de audiência prévia relativamente à adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território, bem como à decisão sobre a localização e a realização de determinados investimentos públicos.
Estas minhas chamadas de atenção sobre o incumprimento das disposições da Lei de Participação Procedimental constaram já das Recomendações que fiz ao senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em virtude da realização de obras na Rua da Rosa, em Lisboa, sem a audiência prévia dos moradores afectados, e que dirigi à Junta Autónoma do Porto de Angra do Heroísmo, por ocasião dos trabalhos de construção da porto de recreio de Angra do Heroísmo.

Presentemente, o “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro” tem motivado manifestações populares largamente noticiadas nos órgãos de comunicação social, e constitui o objecto de uma queixa que me foi apresentada.
Como irei demonstrar a Vossa Excelência, a circunstância de ter sido assegurada a consulta ao público no procedimento de avaliação do impacto ambiental do “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro” não permite considerar cumpridas as disposições da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, tendo presente que aquele investimento público tem implicações significativas na vida das populações envolvidas.

Com efeito, pese embora a similitude de expressões utilizadas nos textos legais que prevêem os regimes jurídicos da avaliação do impacto ambiental (A.I.A.) e da participação procedimental poder induzir a ideia de que se trata de procedimentos alternativos e não cumulativos, o facto é que a consulta do público (da A.I.A.) e a audição dos interessados (da Lei de Participação Procedimental) constituem realidades, jurídica e conceptualmente, não sobreponíveis. Acresce que, como igualmente irei demonstrar, devem ser assegurados em fases diferentes dos procedimentos administrativos a que dizem respeito, e visam objectivos distintos.

A questão sobre a qual sou chamado a pronunciar-me é a da compatibilização dos regimes da avaliação do impacto ambiental e da participação procedimental. Introdutoriamente, direi que a entidade competente para a realização da consulta do público interessado [nos termos do disposto no artigo 4º, do Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro, o Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB)], deve promover uma consulta do público, de molde a permitir uma alargada participação das entidades interessadas e dos cidadãos na avaliação dos efeitos directos e indirectos de determinados projectos no ambiente (ou seja, sobre o homem, a fauna e a flora; o solo, a água, o ar, o clima e a paisagem; sobre a interacção destes factores; e sobre os bens materiais e o património cultural, nos termos do disposto no artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho). Diferentemente, o direito procedimental de participação popular pressupõe um dever de prévia audiência na fase de instrução dos procedimentos de decisão relativos à localização e à realização de obras públicas ou outros investimentos públicos com impacto relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional.

A coberto do ofício nº …, de 05/01/99, solicitei a Sua Excelência a Ministra do Ambiente cópia integral dos processos administrativos relativos à escolha da localização dos estabelecimentos onde irá ser realizada a incineração dos resíduos perigosos. Em 12/01/99 (através do ofício nº …/99), recebi cópia do relatório da consulta do público e do parecer da comissão de avaliação de impacto ambiental realizada no âmbito do processo da A.I.A. relativo ao projecto de eliminação de resíduos pelo sector cimenteiro.
Foi ainda consultada a informação disponibilizada através da internet (endereço: http://www.ipamb.pt). Relativamente ao “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro” são apresentados três ecrãs: “relatório”, “parecer” e “despacho”.
A análise dos documentos recebidos sustenta a conclusão de que o projecto de eliminação de resíduos pelo sector cimenteiro apenas foi submetido a consulta do público nos termos das disposições da Lei de Impacto Ambiental, e que não foi cumprido o dever de prévia audiência dos interessados consagrado na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

II Exposição de Motivos

A – A Avaliação do Impacto Ambiental

O Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, e o Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, diplomas alterados respectivamente pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro, contêm o regime jurídico da avaliação do impacto ambiental.
Esta disciplina jurídica surgiu na sequência do disposto no artigo 30º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril, que dispõe que “os planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos, quer sejam da responsabilidade e iniciativa de um organismo da administração central, regional ou local, quer de instituições públicas ou privadas, devem respeitar as preocupações e normas desta Lei e terão de ser acompanhados de um estudo de impacto ambiental”, e que igualmente erige o acto administrativo de aprovação do estudo de impacto ambiental em formalidade essencial (ou “condição essencial”, como lhe chama) do licenciamento final das obras e trabalhos.

O artigo 31º da Lei de Bases do Ambiente procede à definição do conteúdo mínimo do estudo de impacto ambiental, e dispõe que este deve conter:
a)Uma análise do estado do local e do ambiente;
b)O estudo das modificações que o projecto provocará;
c)As medidas previstas para suprimir e reduzir as normas aprovadas e, se possível, compensar as eventuais incidências sobre a qualidade do ambiente.

O Decreto-Lei nº 186/90 transpõe para o direito interno a Directiva do Conselho nº 85/337/CEE, de 27 de Junho, a qual define as normas a que deve obedecer a avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente. Mediante a publicação do Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, a redacção dos artigo 2º, 3º, 6º, 7º e 9º do Decreto-Lei nº 186/90, bem como do anexo III, foi alterada. Por outro lado, foram aditados ao diploma os artigo 3º-A e 6º-A.
Como resulta do disposto no artigo 2º, nº 2, a avaliação do impacto ambiental visa a verificação dos “efeitos directos e indirectos dos projectos” sobre:
“a) O homem, a fauna e a flora;
b) O solo, a água, o ar, o clima e a paisagem;
c) A interacção dos factores referidos nas alíneas anteriores;
d) Os bens materiais e o património cultural”.

Em regra, todos os projectos abrangidos pelas disposições do Decreto-Lei nº 186/90 carecem de A.I.A. Excepcionalmente, porém, um projecto pode ser isento deste procedimento, nos termos do disposto no artigo 2º, nº 4.
O artigo 3º, nº 1, preceitua que, no início do procedimento de autorização ou licenciamento do projecto, o dono da obra deve apresentar à entidade licenciadora um E.I.A. (abreviatura para estudo de impacto ambiental). Nos termos do disposto no nº 2 da mesma disposição, a entidade (licenciadora) pública enviará, “de imediato”, ao membro do Governo responsável pela área do ambiente, o projecto [alínea a)], o E.I.A. [alínea b)] e outros elementos que considere úteis [alínea c)].
Cabe ao membro do Governo responsável pela área do ambiente nomear a entidade que instruirá o processo de A.I.A. (artigo 4º, nº 1, 1ª parte). A esta entidade “cabe apreciar e emitir parecer sobre o projecto” (2ª parte). Como atrás referi, a competência para “promover uma consulta do público interessado, de molde a permitir uma alargada participação das entidades interessadas e dos cidadãos na apreciação do projecto”, inicialmente atribuída também a esta entidade, é hoje do IPAMB.

Nos termos do disposto no artigo 3º, do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro:
– A designação da entidade competente para instruir o processo de A.I.A. é feita mediante despacho do ministro responsável pela área do ambiente;
– Nos casos de projectos situados dentro de perímetros urbanos ou que atravessem povoações, a competência do ministro responsável pela área do ambiente é exercida conjuntamente com o ministro responsável pelo ordenamento do território;
– Quando o projecto se localize numa região autónoma, a entidade competente para a instrução de A.I.A. é designada pelos respectivos órgãos de governo próprio.
O conteúdo do E.I.A. vem consubstanciado no artigo 3º, nº 3. Na redacção inicial do Decreto-Lei nº 186/90, era feita uma remissão genérica para o anexo II. Em virtude da alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, passou a ser definido um conteúdo mínimo (é utilizada a expressão “o EIA deve, pelo menos, incluir”) para o E.I.A.. As especificações constantes do anexo II apenas serão de ter em conta “na medida em que (…) se mostrem adequadas ao tipo de projecto, sua fase específica e características, bem como aos elementos do ambiente que possam ser afectados, e ainda aqueles cuja existência se afigure razoável em face, nomeadamente, dos conhecimentos e métodos de avaliação existentes” (nº 4).

As especificações mínimas são:
a) Descrição do projecto, com informações relativas à localização, concepção e dimensões;
b) Descrição das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, remediar os efeitos negativos significativos;
c) Dados necessários à identificação e avaliação dos efeitos principais que o projecto possa ter no ambiente;
d) Resumo não técnico dos aspectos referidos em a), b) e c).
Importa, de igual modo, ter presente a redacção do anexo II ao Decreto-Lei nº 186/90:

Anexo II

1.Descrição do projecto, incluindo, em especial:
Uma descrição das características físicas da totalidade do projecto e exigências no domínio da utilização do solo, aquando das fases de construção e de funcionamento;
Uma das principais características dos processos de fabrico, por exemplo a natureza e as quantidades de materiais utilizados;
Uma estimativa dos tipos e quantidades de resíduos e emissões esperados (poluição da água, da atmosfera e do solo, ruído, vibração, luz, calor, radiação, etc.) em resultado do funcionamento do projecto proposto.
2.Se for caso disso, um esboço das principais soluções da substituição examinadas pelo dono da obra e a indicação das principais razões dessa escolha, atendendo aos efeitos no ambiente.
3.Uma descrição dos elementos do ambiente susceptíveis de serem consideravelmente afectados pelo projecto proposto, nomeadamente a fauna, a flora, o solo, a água, a atmosfera, os factores climáticos, os bens materiais, incluindo o património arquitectónico e arqueológico, a paisagem,, bem como a interrelação entre os factores mencionados.
4.Uma descrição (que deve mencionar os efeitos e, se for caso disso, os efeitos indirectos secundários, cumulativos, a curto, médio e longo prazos, permanentes e temporários, positivos e negativos do projecto) dos efeitos importantes que pode ter no ambiente resultantes:
Da existência da totalidade do projecto;
Da utilização dos recursos naturais;
Da emissão de poluentes, da criação de perturbações ou da eliminação dos resíduos, e a indicação pelo dono da obra dos métodos de previsão utilizados para avaliar os efeitos no ambiente.
5.Um resumo não técnico das informações transmitidas com base nas rubricas mencionadas.
6.Um resumo das eventuais dificuldades (lacunas técnicas ou nos conhecimentos) encontradas pelo dono da obra na compilação das informações requeridos.
O nº 5 do artigo 3º (introduzido pelo Decreto-Lei nº 278/97) determina que a apreciação do E.I.A. considere os efeitos cumulativos ou sinérgicos no ambiente. No entanto, deve dizer-se que esta imposição constava já do disposto no artigo 2º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro.
Inovação resultante da publicação do Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, é o artigo 3º-A, que dispõe, no nº 1, sobre o número de exemplares do E.I.A. a enviar pela entidade licenciadora à entidade competente para a instrução do A.I.A.:
– Sete: se o projecto estiver compreendido no anexo I;
– Cinco: se o projecto estiver compreendido no anexo III.

Nos termos do nº 2 do artigo 3º-A, incumbe ao “proponente”, no prazo de cinco dias após solicitação do organismo competente para instruir o processo da consulta do público, facultar o número de exemplares do E.I.A. igual à soma do número de municípios abrangidos pelo projecto, e o número de exemplares do resumo não técnico correspondente ao número de freguesias abrangidas.
O nº 2 do artigo 4º relaciona a consulta do público à “divulgação prévia dos estudos efectuados e respectivos resultados (…) [e à] explicitação dos elementos mais caracterizadores do empreendimento (…)”, sem deixar de salvaguardar a protecção dos conhecimentos técnicos não patenteados.
O artigo 5º, nº 1 dispõe que no prazo de 120 dias – o qual pode ser prorrogado por 30 dias, nos termos do disposto no nº 2 da mesma disposição – contados desde a data em que recebeu (enviado pela entidade licenciadora) o projecto, o E.I.A. e os outros elementos considerados úteis, o membro do Governo responsável pela área do ambiente envia à tutela e à entidade com competência para autorizar ou licenciar o projecto:
– O parecer;
– O relatório da consulta pública;
– A análise do relatório da consulta pública.
A 1ª parte do nº 1 do artigo 6º dispõe, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, que a entidade com competência para autorizar ou licenciar o projecto deve ter em consideração o parecer da A.I.A., o relatório de consulta pública e, nas situações de implicações transfronteiriças, as informações recebidas dos outros Estados membros. No caso de não serem adoptadas as conclusões do parecer da A.I.A., a decisão da entidade licenciadora deve fundamentar, de facto e de direito, as razões que determinaram a não adopção. Se naquele prazo nada for comunicado à entidade com competência para autorizar ou licenciar o projecto, considera-se favorável o parecer (artigo 5º, nº 3). Mas, nos termos do disposto no artigo 6º, nº 2 (também alterado pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro) esta “entidade (…) deverá ter em consideração o EIA fornecido pelo dono da obra, bem como o resultado da consulta do público interessado no projecto em causa, que para o efeito será solicitado à entidade competente para a instrução do processo da AIA”.
No final do procedimento de A.I.A. “as decisões (…), bem como os respectivos processos, devem ser objecto de divulgação pública” (artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro).
Os projectos listados no anexo III ao Decreto-Lei nº 186/90 “(…) serão submetidos a AIA, nos termos e de acordo com os critérios e limites (…)” definidos no Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, como postula o artigo 7º, nº 1 do mencionado Decreto-Lei nº 186/90, na redacção resultante da publicação do Decreto-Lei nº 278/97.

Sobre o âmbito de aplicação do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, dispõe o nº 1 do seu artigo 1º, na redacção do Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro:
1.O presente diploma aplica-se à avaliação de impactes ambientais (AIA) dos projectos referidos no anexo I do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, bem como dos projectos listados no anexo III do mesmo diploma, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, quando para estes sejam verificados impactes significativos no ambiente de acordo, nomeadamente, com a sua dimensão, natureza e localização, descritos no anexo a este diploma, que dele faz parte integrante.
O nº 2 impõe, ainda assim, a obrigatoriedade de salvaguarda, no respectivo processo de licenciamento ou autorização, das incidências sobre o ambiente dos projectos que não ultrapassem os limites ou dimensões dos projectos referidos no anexo.

As alíneas a) e b) do nº 1 e a) e b) do nº 2 do artigo 4º do Decreto Regulamentar nº 38/90 dispõem sobre os prazos da consulta ao público, bem como sobre a legitimidade de acesso e participação. Relativamente aos projectos enumerados no anexo I do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho:
A consulta do público deve realizar-se por um período de tempo não inferior a quarenta nem superior a sessenta dias;
O público interessado são os cidadãos e as suas organizações representativas (nomeadamente as associações de defesa do ambiente e as autarquias locais da região abrangido, relativamente a empreendimentos em cujo processo não tenha participado).

O regime a que se submetem os projectos enumerados no anexo III e especificados no anexo do Decreto Regulamentar nº 38/90 tem, por seu turno, as seguintes especialidades:
A consulta do público deve realizar-se por um período de tempo não inferior a vinte nem superior a trinta dias;
O público interessado são as freguesias onde se localize o empreendimento ou por onde ele passe e as que lhes sejam limítrofes se por ele possam ser afectadas, os cidadãos nelas residentes e as suas organizações representativas (nomeadamente as associações de defesa do ambiente).

Como forma de divulgação da consulta pública, o nº 3 do artigo 4º dispõe, na redacção conferida pelo Decreto Regulamentar nº 42/97, que devem ser emitidos anúncios e editais contendo a identificação do projecto [alínea a)], o período da consulta pública [alínea b)], a indicação dos locais de consulta do E.I.A. e do resumo não técnico [alínea c)], o procedimento de apresentação de observações e sugestões [alínea d)], bem como a data, local e hora da realização da audiência pública [alínea e)].
O Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro, manteve o conteúdo dos nºs 3, 4, 5, e 6 do artigo 4º do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Outubro, alterando, unicamente, a respectiva numeração.
Assim:
-O processo de consulta pública é desencadeado mediante a divulgação do resumo não técnico fornecido pelo dono da obra (nº 4, na numeração conferida pelo Decreto Regulamentar nº 42/97);
-No âmbito deste procedimento, devem ser consideradas e apreciadas as exposições e reclamações apresentadas por escrito (actual nº 5);
-São promovidas audiências públicas abertas aos interessados quando as circunstâncias do projecto o aconselhem, nas quais se procederá à discussão e debate dos aspectos específicos do projecto previamente divulgados (nº 6, na actual numeração);
-É elaborado, nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo fixado para a consulta do público, relatório sucinto especificando as diligências efectuadas, a participação registada e as conclusões a extrair (artigo 4º, nº 7, do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Outubro, na numeração alterada pelo Decreto Regulamentar nº 42/97).

B- A Participação Procedimental

A Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, consagrou o direito de participação popular em procedimentos administrativos e instituiu um dever de audiência prévia relativamente à adopção de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública, de planos de urbanismo, de planos directores e de ordenamento do território, bem como à decisão sobre a localização e a realização de determinados investimentos públicos. A título exemplificativo, são interesses relevantes, e como tal protegidos, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público (artigo 1º, nº 2).
São titulares do direito procedimental de participação popular, para além das associações e das fundações cujo objecto social seja a promoção da defesa dos interesses referidos (e desde que preencham os requisitos de legitimidade activa descritos no artigo 3º), “quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos” (artigo 2º, nº 1) e, ainda, as autarquias locais, em relação aos interesses de que sejam titulares cidadãos residentes na área da respectiva circunscrição (nº 2). Por outro lado, “são designadamente interesses protegidos pela (…) Lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público” (artigo 1º, nº 2).
O direito procedimental de participação popular pressupõe um dever de prévia audiência, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1, na fase de instrução dos procedimentos relativos à
-Aprovação de planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública (note-se que o nº 2 refere “considera-se equivalente aos planos a preparação de actividades coordenadas da Administração a desenvolver com vista à obtenção de resultados com impacto relevante”);
-Aprovação de planos de urbanismo;
-Aprovação de planos directores e de ordenamento de território;
-Decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou outros investimentos públicos com impacto relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional.

São consideradas, para efeitos da disciplina instituída pelo artigo 4º, obras públicas ou investimentos públicos com impacto relevante, aqueles que:
-se traduzam em custos superiores a um milhão de contos;
-influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área (quer sejam executados directamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários).
Este dever de prévia audiência impõe a audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões. Para a realização da audição, devem ser afixados editais nos lugares de estilo (se os houver) e devem ser publicados anúncios em dois jornais diários de grande circulação e num jornal regional (quando existir), nos termos do artigo 5º, nº 1.
Os editais e os anúncios devem identificar as principais características do plano, obra ou investimento, descrever os seus prováveis efeitos e indicar a data a partir da qual será realizada audição dos interessados (nº 2). Deve ser respeitado o prazo mínimo de vinte dias entre a data do anúncio e a realização da audição, salvo casos de urgência devidamente justificados (nº 3). Durante este período de consulta, os estudos e outros elementos preparatórios dos projectos dos planos ou das obras – dos quais constarão obrigatoriamente dados sobre as consequências que a adopção dos planos ou decisões possa ter sobre os bens, ambiente e condições de vida das pessoas (artigo 6º, nº 2) – são facultados à consulta dos interessados (artigo 6º, nº 1) e podem ser pedidos esclarecimentos, oralmente ou por escrito (artigo 6º, nº 3)
No prazo de cinco dias depois do termo do período de consulta, os interessados devem comunicar à autoridade instrutora a sua pretensão de serem ouvidos oralmente ou de apresentarem observações escritas (artigo 7º, nº 1). Caso pretendam ser ouvidos, os interessados devem indicar os assuntos e o sentido geral da intervenção (nº 2).
A audição dos interessados é feita mediante a realização de uma audiência pública (artigo 8º, nº 1). No decurso desta, os esclarecimentos são prestados pela autoridade encarregada da instrução (nº 2), e são lavradas actas que são assinadas pelos membros da autoridade instrutora (nº 3).
Existe um dever de ponderação e de resposta, nos termos do qual são respondidas as objecções formuladas e justificadas as opções tomadas (artigo 9º, nº 1). O conteúdo das respostas deve ser comunicado por escrito aos interessados (nº 2).
Os artigos 10º e 11º referem-se ao procedimento colectivo, isto é, às situações em que a autoridade instrutora deva proceder a mais de vinte audições. Nestes casos, poderá ser determinado que os interessados se organizem de modo a escolherem representantes nas audiências a efectuar e, no caso daqueles não se fazerem representar, pode a entidade instrutora proceder à escolha, de entre os representantes de posições afins, de modo a não ser excedido o número de vinte audições.
Passados em revista os regimes jurídicos da A.I.A. e da participação procedimental importa, todavia, conciliar o exercício da consulta do público com a audição dos interessados.

C – A Consulta do Público (A.I.A) e a Audição dos Interessados (Lei da Participação Procedimental)

A delimitação dos parâmetros normativos da A.I.A. e da Lei de Participação Procedimental que deixei feita permite, desde já, identificar algumas particularidades próprias de cada instituto. A A.I.A. é o procedimento administrativo que visa a avaliação dos efeitos directos e indirectos de determinados projectos no ambiente e que compreende, em fase determinada, a consulta do público. Esta, baseando-se no E.I.A. e no resumo não técnico, tem por finalidade permitir uma alargada participação das entidades interessadas e dos cidadãos na apreciação do respectivo projecto. A participação procedimental tem por objecto possibilitar que os cidadãos tomem parte na instrução dos procedimentos administrativos susceptíveis de afectar determinados interesses (como a saúde, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público). A participação consiste na audiência prévia dos interessados, relativamente à decisão de localização e realização de investimentos públicos, com base nas informações constantes dos editais e anúncios – características do investimento, estudos e elementos preparatórios, efeitos prováveis que a adopção das decisões possa ter nos bens, ambiente e condições de vida das pessoas.
Ali (na A.I.A.), está em causa a avaliação dos efeitos directos e indirectos de determinado projecto no ambiente; aqui (na participação procedimental), o objecto é a decisão de localização e realização de um investimento público.
Abro um parêntese para aludir à questão da interpretação das disposições legais em confronto.

Determina o artigo 9º do Código Civil que a interpretação deve reconstituir o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que a Lei é aplicada. E se a letra da Lei é, não só o “ponto de partida da interpretação” (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, Almedina, Coimbra, pág. 182) mas também o elemento intransponível de toda a interpretação, “nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica” (cf., por todos, o Parecer nº 1/97, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, II série, de 4 de Julho de 1997). Na esteira do mesmo parecer concluo que a utilização destes elementos interpretativos – os elementos sistemático (“a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada (…), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins”), histórico (“as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da Lei e os trabalhos preparatórios”) e racional ou teleológico [a “razão de ser da norma (ratio legis)”, o “fim visado pelo legislador ao editar a norma” e as “soluções que tem em vista e que pretende realizar”] – conduzirá a uma das modalidades de interpretação: declarativa, extensiva, restritiva, revogatória ou enunciativa.

Importando buscar, à luz da unidade do sistema jurídico, a compatibilidade do(s) texto(s) legal(ais) com o pensamento legislativo, não posso deixar de concluir que os procedimentos de consulta e participação dos interessados previstos na Lei de Avaliação do Impacto Ambiental e na Lei de Participação Procedimental são distintos, visam finalidades diversas e devem ser assegurados cumulativamente sempre que os projectos, investimentos ou obras sejam subsumíveis na previsão dos respectivos diplomas. E isto, pela seguinte ordem de razões:

1. A A.I.A. pressupõe a escolha prévia de uma localização. Aliás, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Julho, a A.I.A. é desencadeada com a apresentação do E.I.A. (pelo dono da obra), no início do procedimento de autorização ou licenciamento do projecto. Tanto a decorrência de um procedimento de autorização ou licenciamento, como a existência de um dono da obra, implicam uma decisão anterior sobre a localização dos trabalhos submetidos a consulta pública. Diferentemente, é na fase da escolha da localização que deve ser assegurada a audição dos interessados ao abrigo da disciplina constante da Lei de Participação Procedimental. Esta é a razão, certamente, da expressão “dever de audiência prévia” de que este texto legal faz uso.
Tal como ALVES CORREIA refere, a propósito da elaboração de projectos de PDM (O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 263), a contraposição da audição dos interessados, na Lei de Participação Procedimental, à consulta do público, na A.I.A., aproxima-se da dissemelhança entre o instituto do direito alemão da participação preventiva dos cidadãos (primeiro nível de participação) e o da participação sucessiva ou formal (segundo nível de participação). São, como afirma o autor, temporária e objectivamente independentes.

2.A Lei nº 83/95 foi publicada em 31 de Agosto de 1995. Nesta data, já a avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente era obrigatória. O legislador não cuidou, ainda assim, de isentar a Administração Pública do dever de audiência prévia relativamente aos projectos sujeitos a avaliação do impacto ambiental. Centrando a análise na Lei de Participação Procedimental, diploma posterior em cerca de cinco anos à Lei de Avaliação do Impacto Ambiental, concluo, pois, que o verdadeiro sentido e alcance da participação procedimental em nada se confunde com a avaliação do impacto ambiental. A letra da Lei, em especial pela inclusão do vocábulo “prévia”, não permite interpretação divergente: o legislador, consciente de que preexistia o instituto jurídico da avaliação do impacto ambiental, criou um novo regime no âmbito do qual a Administração Pública tem o dever de audiência (prévia, logo anterior a sua definitividade) relativamente à decisão sobre a localização e a realização de determinados investimentos públicos, ou sobre a adopção de planos.
3.O fim visado (ratio legis) pelos legisladores dos diplomas é diferente. A A.I.A. apenas se debruça sobre os efeitos ambientais de determinado projecto; a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, respeita a um mais vasto leque de interesses protegidos (tendo o legislador optado por enunciar, a título meramente exemplificativo, a saúde, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público). Creio, pois, que ficaria frustrada a teleologia da participação procedimental se a consulta do público no âmbito da A.I.A. subsumisse a audição dos interessados imposta pela Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

D – O “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro”

O “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro”, apresentado em traços gerais a fls. 12 e 13 do parecer da comissão de avaliação do impacto ambiental, compreende quatro estabelecimentos:
-Uma Estação de Transferência de Resíduos Industriais, no parque industrial da “Quimiparque”, em Estarreja.
-Uma Estação de Tratamento de Resíduos Industriais, no parque industrial da “Quimiparque”, no Barreiro.
-Duas instalações de queima de resíduos, correspondentes a dois fornos de cimento, um em cada uma de duas unidades cimenteiras a escolher de entre quatro localizações alternativas: Alhandra, Maceira, Outão e Souselas.
Em informação do senhor Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente, de 28 de Dezembro de 1998, Sua Excelência a Ministra do Ambiente proferiu despacho de concordância com a mesma data. Pela sua relevância na economia da presente Recomendação transcrevo, na íntegra, o teor da informação.
Assunto:Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais
pelo Sector Cimenteiro

1.Em Portugal são produzidas anualmente 16 000 toneladas de resíduos industriais perigosos cujo destino mais adequado é a incineração.
Porque a construção de uma incineradora dedicada, em face desta quantidade, se demonstrava desadequada, foi tempestivamente tomada a decisão de co-incinerar estes resíduos nos fornos das cimenteiras (Resolução de Conselho de Ministros nº 98/97, de 25 de Junho), decisão esta com inequívocas vantagens ambientais, sociais e económicas, conforme já foi amplamente explicitado. Com esta opção, os resíduos deixam de ser matéria prima exclusiva (incineração) para passarem a ser combustível alternativo (co-incineração).
Destaque-se ainda a medida supletiva de prudência que consta do Memorando de Entendimento firmado entre o Ministério do Ambiente e as duas empresas cimenteiras que restringe a 25% a proporção de energia calorífica proveniente do combustível alternativo, quando o Decreto-Lei nº 273/98, de 2 de Setembro, que transpõe a Directiva 94/67/CE, de 16 de Dezembro permite que este valor se cifre em 40%.
A co-incineração desta tipologia de resíduos é apenas uma parcela da solução para o conjunto de destinos finais possíveis de todos os resíduos industriais, para os quais a já citada Resolução de Conselho de Ministros define uma clara “hierarquia de preferencia” e que passa em primeiro lugar pela prevenção (redução da produção).
No entanto, e porque a redução da produção é um objectivo a médio prazo, o seu cumprimento não se compagina com a urgência de encontrar uma solução no imediato, bem como, e no tocante à natureza dos resíduos em causa, não é expectável – com as actuais tecnologias – que a redução das quantidades dispense uma solução de valorização.

2.O processo de avaliação de impacto ambiental, conduzido pela Administração, e tendo na sua génese um estudo de impacto ambiental (EIA) promovido pelas empresas proponentes, iniciou-se em Julho p. p. O estudo é parte de um pedido de licenciamento em que se solicita a adaptação das unidades industriais para a co-incineração de resíduos industriais perigosos, bem como a instalação de uma estação de transferência e pré-tratamento no Barreiro e ainda de uma estação de transferência em Estarreja. Neste pedido de licenciamento, e sem embargo do EIA ser igualmente aprofundado para as quatro unidades em apreço, entendeu a SCORECO (empresa proponente) explicitar a sua preferência por duas delas (Alhandra e Outão).
Num quadro de transparência e credibilidade, entendeu a Senhora Ministra do Ambiente, por despacho, estender o debate público às quatro localizações possíveis, bem como proceder a esse mesmo debate público em Estarreja e no Barreiro, embora a Lei, neste caso, a tal não obrigasse.

3.Em anexo apresenta-se o relatório final da comissão de avaliação do EIA, cujas conclusões, recomendações e medidas mitigadoras se subscrevem.
Deste resulta claro que:
– qualquer uma das localizações para a co-incineração é viável;
– sem embargo de não terem que ser sujeitas a este processo, as estações do Barreiro e Estarreja, por se encontrarem em parques industriais convenientemente infraestruturados, são possíveis mediante o cumprimento das medidas de minimização de impactes aí preconizadas;
– é fundamental assegurar medidas de acompanhamento, controlo e divulgação dos resultados da laboração sobre os procedimentos das cimenteiras e as emissões atmosféricas, e que estas medidas terão que ser continuamente fiscalizadas pela Administração;
– nas cimenteiras terá que ser levado a cabo um programa de requalificação ambiental, tanto interna (p.ex. a colocação de “filtros de mangas”) como externa.

4.Concretamente, e porque são válidos para ambas as localizações escolhidas, os mecanismos de controlo e as condições da licença – do foro ambiental – que vier a ser emitida pelo Ministério da Economia, são os seguintes:

a) Mecanismos de controlo:

I.obrigatoriedade de, trimestralmente, as cimenteiras produzirem relatórios sobre as condições de laboração, os quais deverão ser tornados públicos, e merecer a discussão no seio das comissões abaixo referidas. Estes relatórios deverão ter por base a instalação de uma rede de estações de medição e controlo instaladas quer no interior da unidade, quer na sua área envolvente. O início da laboração deverá ser precedido da apresentação do programa de monitorização;

II.criação de uma comissão de acompanhamento local constituída por um representante da Câmara Municipal (que preside), Junta de Freguesia, Organizações não Governamentais e outras com sede no concelho.
Esta comissão tem como competências seguir a laboração, apreciar os relatórios periódicos, e deverá poder ter acesso – por solicitação – à unidade fabril, bem como a toda a informação, como seja a das emissões atmosféricas e o plano de queima de resíduos;

III. criação de uma comissão técnica a quem incumbirá controlar e aferir do ponto de vista técnico, as condições de incineração, e de emissões atmosféricas e respectivas medições, seus impactes, tendo como obrigação a apreciação dos relatórios de monitorização.
Esta comissão é constituída por um representante da Direcção Geral do Ambiente (que preside), da Direcção Regional do Ambiente, da Autarquia, e da Universidade a quem, como organismo autónomo, caberá em particular, a auditoria da calibração dos sistemas de controle, métodos e medidas;

IV. divulgação em tempo real das emissões produzidas nas chaminés das cimenteiras, com um terminal de leitura dos resultados instalado na Câmara Municipal e na Direcção Regional do Ambiente.

V.a criação de um Comissariado que, na dependência directa de Sua Excelência a Ministra, ou de quem ela designar, e à escala nacional acompanhe o planeamento e gestão do processo de recolha e tratamento de resíduos industriais, em particular da co-incineração na sua fase de licenciamento e de início da laboração.
b) Condições da licença
No âmbito do processo de licenciamento industrial da competência dos serviços do Ministério da Economia e sem prejuízo de quaisquer condicionalismos de outra ordem, considera-se fundamental que a licença que titule a autorização de laboração seja condicionada ao cumprimento do universo de condicionantes e recomendações do parecer da comissão de avaliação de impacto e do presente despacho.
Dada a natureza pioneira desta actividade no nosso país, entende-se como desejável, aquando da vistoria que nos termos da legislação industrial precede o início da laboração, a ponderação do recurso ao mecanismo de laboração a título provisório, previsto na alínea e) do artigo 17º do Regulamento do Exercício da Actividade Industrial, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 25/93, de 17 de Agosto, durante e enquanto durar o período experimental previsto, relativamente à primeira das cimenteiras nos termos que à frente se expõem.
Sem embargo do que atrás ficou exposto e como mecanismo prévio ao início da laboração, o proponente deve dar cumprimento ao estipulado nos artigos 8º e 9º do Decreto-Lei nº 239/97, de 9 de Setembro, apresentando para o efeito, junto do Ministério do Ambiente, o competente pedido de autorização prévia, cuja emissão será condicionada ao cumprimento das condicionantes e recomendações do presente parecer da comissão de avaliação de impacto ambiental.

5.No cumprimento estrito da proposta inclusa no parecer da comissão de avaliação de impacto ambiental deste projecto, propõe-se que as unidades escolhidas sejam as de Souselas e Maceira, nos concelhos de Coimbra e Leiria, respectivamente.
Num quadro em que qualquer uma das quatro unidades poderia ser escolhida, estas duas localizações evidenciam um particular estado de degradação ambiental na envolvente das cimenteiras que urge inverter.
Complementarmente, a localização geográfica destas unidades, permite-lhes ocupar uma posição de centralidade em face dos centros geradores de resíduos.
No caso de Souselas, servida por boas acessibilidades, o início do processo de co-incineração deverá inverter o estado de degradação, podendo, com a instalação dos filtros de mangas e a vigilância que será exercida denotar resultados positivos no curto prazo. A autorização que será emitida pelo Ministério do Ambiente será sujeita à concretização de tais medidas, bem como à ponderação das acções efectivas e complementares de recuperação ambiental do espaço territorial de proximidade.
No caso de Maceira, encontram-se reunidas as condições para exercitar um eficaz controlo ambiental, sujeito a título prévio de iguais exigências às já referidas para Souselas.

O pioneirismo desta decisão, associada ao facto de em Maceira ainda se proceder à queima de pneus que importa reduzir em quantidade – se não mesmo eliminar, caso se concretizem outras soluções menos onerosas para o ambiente – recomenda ainda como prudente que se não inicie em simultâneo a co-incineração em ambas as unidades fabris.
Assim, e na sequência das recomendações do parecer da comissão de avaliação de impacto ambiental, deverá considerar-se um período experimental de seis meses a decorrer na unidade de Souselas. Este permite avaliar, para além de todas as condicionantes já expostas, a real capacidade de cumprimento das exigências por parte das cimenteiras, bem como a eficácia de todos os mecanismos de controlo. Uma vez concluída esta fase, e efectuadas as correcções que ela demonstrar necessária, estarão cumpridas as condições para que a laboração se estenda à unidade de Maceira. Tal pressuposto não deverá afectar o rápido início da requalificação ambiental da fábrica da Maceira.

6.Em área a definir e na envolvente a cada uma das unidades cimenteiras, impõe-se a concretização de um programa de reabilitação, devidamente calendarizado, e que inclua um conjunto de acções de requalificação da paisagem, bem como do reforço dos sistemas de saneamento básico, e ainda outras com relação directa ou indirecta com o bem estar das populações.
Este programa deverá ser presente à Senhora Ministra do Ambiente até ao final do primeiro trimestre do próximo ano, estando acometida à Direcção Regional do Ambiente, em articulação com as autarquias, a responsabilidade pela sua elaboração.
À consideração da Senhora Ministra do Ambiente.
Lisboa, 28 de Dezembro de 1998
O Secretário de Estado Adjunto da Ministra do Ambiente
Eng. Ricardo Magalhães
Visto. Concordo nos termos propostos.
98.12.28
Elisa Guimarães Ferreira
Ministra do Ambiente

Não sendo a questão da avaliação do impacto ambiental o objecto principal do processo instruído neste Órgão do Estado não posso, ainda assim, deixar de manifestar o meu apreço pelos procedimentos assegurados pelo Ministério do Ambiente, em cumprimento do regime jurídico constante do Decreto-Lei nº 186/90, de 6 de Junho, e do Decreto Regulamentar nº 38/90, de 27 de Novembro, diplomas alterados respectivamente pelo Decreto-Lei nº 278/97, de 8 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar nº 42/97, de 10 de Outubro, em especial por ter sido determinado por Vossa Excelência que o debate público se alargasse às quatro localizações alternativas para as instalações de queima de resíduos (Alhandra, Maceira, Outão e Souselas).

Não me surpreendem, porém, os fenómenos colectivos de reacção negativa que o “Projecto de Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro” tem suscitado. Configurem estas acções populares apreensões perante as implicações ao nível da saúde, ambiente e qualidade de vida, ou preocupações de cariz essencialmente científico ou, simplesmente, manifestações de atitudes perante o desenvolvimento industrial [nas expressões anglo-saxónicas, NIMBY ou BANANA “acronyms for some attitudes to development: “Not in my backyard” and “Build absolutely nothing anywhere near anybody” (ALAN GILPIN, Environmental Impact Assessment – Cutting Edge for the Twenty-First Century, Cambridge University Press, 1995, pág. 171)], o certo é que deve ser possibilitada “uma modalidade de participação preventiva dos cidadãos (Vorgezogene Bürgerbeteiligung) ou de participação tempestiva dos cidadãos (Frümzeitige Bürgerbeteiligung), distinta e mais eficaz do que a participação sucessiva ou formal (Förmiliche Bürgerbeteiligung), em que o interessado apenas é chamado a exprimir a sua opinião sobre as soluções já adoptadas num projecto acabado do plano ou da norma regulamentar” (ESTEVES DE OLIVEIRA, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 526). É esta, afinal, a essência do direito de participação procedimental do qual resulta o dever de audiência prévia.

E – O Dever de Audiência Prévia Relativamente à Decisão de
Eliminação de Resíduos Industriais pelo Sector Cimenteiro

Escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira que “a participação na formação das decisões ou deliberações administrativas (…) assume configuração especial quando estão em causa grandes conjuntos indeterminados de cidadãos. Nesses casos, impõe-se a adopção dos chamados procedimentos administrativos colectivos ou populares e o acolhimento da noção de interesses difusos ou interesses públicos latentes. Tal conduz à configuração das relações entre a Administração e os cidadãos como relações jurídicas poligonais ou multipolares e ao alargamento das noções de interesse e de legitimação para efeitos de recurso aos meios graciosos e contenciosos de tutela administrativa. Essas formas específicas de procedimento administrativo são necessárias para legitimar medidas administrativas que interessam a um grande número de cidadãos (grupos, categorias sociais ou comunidades) e visam a defesa preventiva ou sucessiva de interesses ou direitos que, embora não especialmente “personalizados”, dizem respeito, quer a situações jurídicas englobadas no âmbito normativo de direitos fundamentais (v.g., direito à saúde, direito ao ambiente), quer a interesses públicos “difundidos” na colectividade (casos de instalação de centrais nucleares ou de indústrias poluentes, de delimitação de parques naturais, etc.)” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 932). Esta posição aparece hoje claramente fortalecida no contexto do ordenamento jurídico português pela aprovação da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.

Duas palavras finais. Uma, para chamar a atenção para o momento de democracia participativa (na expressão de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 66) que consiste na audiência prévia postulada na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto. Como escreve um diferente autor, deve buscar-se, em especial nas questões ambientais susceptíveis de afectar uma pluralidade de sujeitos, um escrutínio público para as decisões [“that governments were elected to govern and should be free to govern without public “interference” has tended to wither in democratic countries. Democracy is increasingly seen as a continuous and dynamic process in which governments carry ultimate responsibility but only with the most careful public scrutiny” (ALAN GILPIN, ob. cit., pág. 63)]. Outra, para referir que a necessária celeridade, que a gravidade da situação de falta de controlo dos resíduos industriais perigosos impõe, não é posta em crise pelo acatamento da minha Recomendação. Desde logo, porque os prazos legalmente estipulados não são de molde a provocar atrasos relevantes nos procedimentos em face dos ganhos obtidos. E, finalmente, porque, nos casos de urgência devidamente justificados, existe a possibilidade do prazo mínimo previsto (vinte dias entre a data do anúncio e a realização da audição) ser encurtado.

F – A “Estratégia de Gestão dos Resíduos Industriais”

Pelo conjunto de argumentos que deixei expostos não posso deixar de concluir que a decisão de eliminação de resíduos industriais pelo sector cimenteiro deveria ter sido sujeita a audiência prévia à luz dos interesses protegidos pela Lei de Participação Procedimental, designadamente a saúde pública, o ambiente lato sensu, o ordenamento do território e a qualidade de vida.
Aquela decisão vem na sequência e resulta directamente da aprovação da “Estratégia de Gestão dos Resíduos Industriais”, constante do anexo à Resolução do Conselho de Ministros nº 98/97, de 25 de Junho, que dispõe:
Estratégia de gestão dos resíduos industriais

1.Responsabilidade do produtor – A estratégia de gestão dos resíduos industriais reafirma o princípio, já consagrado há longo tempo na legislação nacional e comunitária, da responsabilidade do produtor pelo destino a dar aos resíduos que produza, motivo pelo qual, no caso dos resíduos industriais, é a cada unidade industrial que compete zelar pela gestão dos respectivos resíduos.
A tendência actual, mormente da política comunitária, é mesmo a de reforçar essa responsabilidade, extrapolando-a ao caso dos produtos que, após utilização pelos consumidores, dão origem a resíduos. Esses resíduos, alienados pelos respectivos consumidores, devem, de acordo com a legislação nacional e comunitária sobre embalagens, ser retomados pelos respectivos embaladores, que são considerados responsáveis pelo seu destino.
Sem prejuízo deste princípio da responsabilidade centrada no produtor, é necessário, no entanto, criar os meios necessários para tornar exequíveis as obrigações decorrentes dessa responsabilidade.

2.Hierarquia de preferência – A hierarquia de preferência a observar quanto aos destinos possíveis para cada tipo de resíduos é a aprovada pela União Europeia, segundo a qual a alternativa ideal corresponde a evitar ou reduzir, tanto quanto possível, a própria produção ou nocividade do resíduo (estratégia da prevenção).
Não sendo viável evitar a produção de um resíduo, a alternativa a adoptar será então a sua valorização. Esta alternativa pode traduzir-se na reintrodução do resíduo num ciclo produtivo, utilizando-o como matéria-prima para o fabrico do mesmo ou outro produto (reciclagem) ou para a produção de energia (valorização energética).
Assim, a opção pelo tratamento e ou deposição em aterro deve ser reservada aos casos em que não seja viável adoptar formas de valorização.

3.Separação dos resíduos industriais – A gestão adequada dos resíduos industriais exige, desde logo, a sua separação dos restantes tipos principais de resíduos (urbanos, hospitalares e outros). Esta necessidade resulta quer da própria natureza dos resíduos industriais – que, em muitos casos, requerem tipos de tratamento diferentes – quer do facto de a respectiva responsabilidade caber a entidades distintas.
Por outro lado, é indispensável promover a separação, na origem, entre os resíduos industriais perigosos e não perigosos, dado que são diferentes os correspondentes métodos de gestão a considerar – formas de recolha e transporte, tipos de valorização, tratamento e destino final.
A distinção entre resíduos perigosos e não perigosos assenta actualmente em critérios objectivos, válidos no espaço da União Europeia, que deram lugar à publicação quer do Catálogo Europeu de Resíduos (Decisão do Conselho nº 94/3/CE, publicada no Jornal Oficial, nº L 5, de 7 de Janeiro de 1994) quer da Lista de Resíduos Perigosos (Decisão do Conselho nº 94/904/CE, publicada no Jornal Oficial, nº L 356, de 31 de Dezembro de 1994), que são confirmados no nosso país através da sua publicação na forma de uma Portaria conjunta dos Ministérios da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, da Saúde e do Ambiente.

4.Resíduos industriais perigosos – No que respeita aos resíduos industriais perigosos, mantêm-se, quanto à concepção global do respectivo sistema de gestão, os métodos principais já anteriormente previstos, designadamente a incineração, o tratamento físico-químico e a deposição em aterro, conforme se mostre adequado à natureza dos resíduos em presença. No entanto, importa definir alterações substanciais face à política anteriormente seguida em relação a cada um desses métodos, quer no que se refere às opções concretas disponíveis quer quanto às metodologias para a sua instalação.

4.1. Incineração – Em resultado da adopção da nova Lista de Resíduos Perigosos, que não inclui numerosos resíduos considerados na elaboração do projecto da unidade de incineração, verifica-se agora que não se confirma a produção em Portugal de uma quantidade de resíduos a incinerar que possa garantir a rentabilidade económica dessa unidade. Em face desta alteração de circunstâncias, e afastada, por princípio, a importação de resíduos, o projecto não reúne condições mínimas de viabilidade.
Por outro lado, a evolução tecnológica verificada nos últimos anos veio evidenciar a existência de uma alternativa possível à construção de um incinerador autónomo – a chamada “co-incineração” em unidades industriais que aproveitam os resíduos como combustível auxiliar. É, designadamente, o caso das unidades cimenteiras, que já se revelaram competitivas no espaço europeu, quer em termos económicos quer em termos ambientais, quando comparadas com unidades autónomas de incineração.
Tendo sido apresentada ao Governo uma proposta para eliminação dos resíduos incineráveis em fornos de cimento nacionais, e assegurada a possibilidade técnica de serem respeitados com esta alternativa os requisitos ambientais exigidos pela legislação nacional e europeia, verifica-se que esta solução revela um saldo de custo-benefício favorável, quer para a indústria nacional quer para o ambiente.

É certo que uma pequena parte dos resíduos industriais não é susceptível de incineração nas unidades cimenteiras, devendo, por isso, ser encaminhada para a exportação, mas também é verdade que a construção do incinerador autónomo não evitaria a exportação de determinados resíduos.
Acresce que a proposta de eliminação de resíduos industriais em fornos de cimento permite reduzir em muito o prazo de entrada em funcionamento do sistema, o que, dada a urgência manifesta do problema, é um dado muito importante a ter em conta na definição de uma nova opção política.
Considerando as vantagens ambientais e económicas, comprovadas em vários estudos comparativos, e a referida celeridade na implementação do sistema, o Governo opta pela solução de co-incineração em unidades cimenteiras nacionais, como forma preferencial de tratamento dos resíduos industriais perigosos incineráveis.
A entrada em funcionamento da incineração em unidades cimenteiras está, naturalmente, dependente da apresentação dos respectivos projectos e do cumprimento dos procedimentos legais em vigor, que incluem a avaliação do respectivo impacto ambiental.

4.2. Tratamento físico-químico – A unidade de tratamento físico-químico, concebida pelo sistema nacional de tratamento de resíduos industriais como unidade agregada à instalação de incineração, perdeu também a sua razão de existir, face à capacidade excedentária instalada na estação de tratamento de resíduos líquidos, em fase de arranque na zona industrial de Águeda. Os dados disponíveis indicam aquela infra-estrutura como adequada e suficiente para tratar os resíduos produzidos no País que necessitam deste tipo de tratamento.

4.3. Deposição em aterro – Quanto à deposição em aterro de resíduos perigosos, é também introduzida uma alteração importante na orientação até aqui vigente, dado o insucesso a que conduziu a anterior política.
Assim, caberá às entidades privadas identificar localizações adequadas, efectuar os respectivos estudos de impacto ambiental e propor os respectivos projectos. Ao Governo, por seu turno, e sem prejuízo das competências próprias de outras entidades, nomeadamente em matéria de localização, caberá assumir, nos termos da Lei, a responsabilidade de autorizar essas infra-estruturas e de apoiar, na medida do possível, o seu financiamento, com recurso aos fundos comunitários disponíveis, comprometendo-se ainda a fazer os investimentos públicos necessários para garantir a manutenção dos padrões ambientais da região onde vierem a ser instaladas.

4.4. Necessidade de triagem – De acordo com o atrás definido e tendo em conta os diferentes métodos de tratamento, a que corresponderão diferentes processos tecnológicos, os industriais terão de assegurar a separação:
dos resíduos destinados a incineração;
dos resíduos que requerem tratamento de natureza físico-química;
dos resíduos que podem ser de imediato depositados em aterro;
dos resíduos que terão de ser exportados para efeito de tratamento.

5 – Resíduos industriais não perigosos – Os resíduos industriais não perigosos constituem um conjunto muito diversificado de resíduos que, no entanto, em termos globais, se podem considerar de perigosidade análoga à dos resíduos sólidos urbanos, requerendo meios de tratamento em muitos casos também semelhantes. A estratégia a seguir no caso deste tipo de resíduos privilegiará, por isso, a respectiva integração no quadro dos mecanismos de gestão dos resíduos sólidos urbanos.
Assim, com a entrada em funcionamento, durante o ano de 1997, de numerosos sistemas multimunicipais e municipais, concebidos e dimensionados para o tratamento de resíduos sólidos urbanos, estarão criadas as condições para que os mesmos sistemas possam dar também resposta ao problema dos resíduos industriais. Para esse efeito, bastará que a natureza destes resíduos e as respectivas quantidades sejam compatíveis com as novas infra-estruturas, em particular com a área disponível dos aterros, onde poderão, sempre que necessário, ser abertas novas células anexas, específicas para este tipo de resíduos.
Deverá, no entanto, ser estimulada a criação de novas empresas, que serão sujeitas aos preceitos legais de autorização aplicáveis, agregando eventualmente como accionistas as empresas a quem está confiada a gestão dos sistemas multimunicipais ou municipais, bem como entidades privadas. Desta forma, será garantida a separação entre a gestão dos resíduos industriais e a gestão dos resíduos urbanos, embora possam ser utilizados meios e infra-estruturas comuns.
As empresas que produzem resíduos industriais poderão, assim, negociar com as referidas entidades a possibilidade de os respectivos resíduos terem como destino as mencionadas infra-estruturas, não olvidando que os respectivos custos de tratamento deverão ser pagos na totalidade e que as características especiais dos resíduos industriais irão certamente induzir tarifas diferentes das previstas no caso dos resíduos urbanos.

Note-se, no entanto, que, como decorre dos princípios gerais acima mencionados, a recolha dos resíduos industriais terá de ser sempre autónoma da recolha dos resíduos urbanos.
Poderão ainda ser criadas infra-estruturas de tratamento totalmente distintas, específicas para resíduos industriais. Sem prejuízo do apoio que o Governo poderá dar à criação dessas infra-estruturas, a iniciativa desses projectos, bem como a procura de novas localizações, caberá aos industriais, sejam eles os próprios produtores de resíduos ou empresas constituídas para proceder ao seu tratamento.
Naturalmente, os aterros serão apenas uma das formas de tratamento e destino final a considerar para os resíduos não perigosos, estando aberta a possibilidade de recurso às diversas formas de eliminação e valorização aceites pela legislação, sem excluir a incineração, para a qual também aqui se poderá aproveitar a capacidade disponível das unidades cimenteiras.

6 – Controlo prévio de recepção – Os tipos de resíduos a receber por cada infra-estrutura de tratamento terão de ser objecto de um contrato prévio com cada produtor. A entrada dos resíduos nessa infra-estrutura dependerá obrigatoriamente da realização de um procedimento de controlo que confirme que as características dos resíduos respeitam as condições desse contrato. Assegurar-se-á, desta maneira, que não serão recebidos resíduos perigosos em infra-estruturas concebidas para resíduos não perigosos.

7 – Responsabilidades da Administração – A qualificação a operar na gestão dos resíduos industriais passa necessariamente pela criação e organização de unidades de valorização, tratamento e destino final dos resíduos.
Neste quadro, competirá à Administração Pública, fundamentalmente, avaliar e dar resposta rápida e eficiente aos pedidos de autorização para a instalação de novas unidades de gestão de resíduos ou alteração das unidades existentes. Em conformidade, será revista a actual distribuição de competências nesta matéria, sem prejuízo das incumbências próprias do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e das autarquias locais, atribuindo-se ao Ministério da Economia a competência para licenciar os projectos de natureza essencialmente industrial e ao Ministério do Ambiente a responsabilidade de aprovar as operações de gestão de resíduos.

Por outro lado, a optimização das formas de gestão dos resíduos industriais terá de ser encarada a todos os níveis, seja no plano da própria unidade geradora dos resíduos ou do conjunto de unidades que produzem resíduos do mesmo tipo ou susceptíveis da mesma forma de valorização ou tratamento, seja ainda no plano local, regional ou nacional.
Ora, esta abordagem só será possível com base em dados fiáveis e actuais e terá de ser traduzida pela elaboração de planos de gestão. Com o objectivo mais importante de elaborar um plano de gestão nacional, e sem prejuízo do recurso a outras fontes, será exigido aos industriais o registo de dados sobre resíduos, já hoje obrigatório nos termos da Portaria nº 189/95, de 20 de Junho, e que, sem prejuízo de futuros aperfeiçoamentos, constitui um instrumento fundamental para uma eficaz fiscalização por parte da Administração.

Pelas mesmas razões já aduzidas, que se prendem com os objectivos essencialmente ambientais que se prosseguem, passará a competir ao Ministério do Ambiente a recepção e tratamento dos dados sobre resíduos industriais, bem como a elaboração do plano nacional de gestão de resíduos industriais, sem que se dispense, no entanto, a colaboração do Ministério da Economia.
Com o objectivo de pôr em prática a política de gestão dos resíduos industriais assim definida, serão efectuados os ajustamentos legislativos necessários, nomeadamente do Decreto-Lei nº 310/95, de 20 de Novembro, da Portaria nº 744-B/93, de 18 de Agosto (Tabela de Classificação das Actividades Industriais), e da Portaria nº 189/95, de 20 de Junho.

8 – Outros resíduos – A estratégia delineada para os resíduos industriais é extensiva, com as devidas adaptações, a resíduos que possam ter outras origens, entre os quais se contam os óleos usados, os veículos em fim de vida e outras sucatas, os pneus usados, as lamas das estações de tratamento de águas residuais, os resíduos do sector da construção civil, os acumuladores e pilhas usadas, os resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos, os bifenilos policlorados (PCB) e os clorofluorocarbonetos (CFC).
É, portanto, este o investimento público que deve ser submetido à participação popular, nos termos da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, porquanto configura um plano de desenvolvimento da actividade da Administração Pública (a preparação de actividades coordenadas da Administração a desenvolver com vista à obtenção de resultados com impacto relevante é equivalente a um plano) e é, acrescidamente, susceptível de influenciar significativamente as condições de vida das populações das áreas que venham a ser abrangidas pela construção dos respectivos componentes sectoriais.
A circunstância da “Estratégia de Gestão dos Resíduos Industriais” ter sido aprovada em 25 de Junho de 1997 em nada desmotiva o propósito de submeter a sua concretização a audiência prévia. Prova-o, indubitavelmente, o conjunto de iniciativas da sociedade civil que actualmente decorre. Por outro lado, deve evitar-se que a actuação do Governo em matéria de resíduos, pela sua inquestionável oportunidade, colida constantemente com as posições dos cidadãos localmente afectados. Uma discussão, de cariz científico e com base