Presidente da Câmara Municipal da Amadora
RECOMENDAÇÃO Nº 11/A/99
Proc. R-605/98
1999.02.11
Área: A1
Assunto: URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES LICENCIAMENTO – ALVARÁ DE LOTEAMENTO – NULIDADE DO LICENCIAMENTO – EMBARGO DA OBRA.
Sequência: Não Acatada
I – Dos Factos
1. Foi solicitada a intervenção do Provedor de Justiça junto de V. Exa., a propósito da aparente desconformidade que se verificaria entre as imposições constantes do alvará de loteamento nº 13/79 (Alfragide) e a licença de construção nº 405/97, de 20 de Fevereiro, em que se sustenta a obra promovida no lote 12.
2. Através do ofício de 30 de Abril p.p., foi V. Exa. instado a informar das possibilidades para a construção naquele espaço, designadamente, quanto à área de construção e número de pisos previstos no alvará de loteamento, e a esclarecer se o alvará de licença de construção se conformava com o prescrito naquele instrumento de planeamento territorial.
3. Por ofício de 9 de Julho p.p., veio V. Exa. informar que o alvará de loteamento nº 13/79 previa a implantação, no lote 12, de um edifício de 17 pisos + 3 caves, com uma área de construção de 5.554,81 m², respeitando a obra em desenvolvimento “o nº de pisos acima da cota de soleira prescritos no Alvará de Loteamento”.
4. No entanto, em visita efectuada ao local, em 20 de Agosto p.p., observar-se-ia que na placa afixada na zona onde se desenvolviam os trabalhos constavam, e entre outras, as seguintes indicações:
– Pisos: 18 + 5 caves
– Área de construção: 7.729,32 m²
5. Confrontada a Câmara Municipal a que V. Exa. preside com tal facto, vieram a ser prestados os esclarecimentos que constam de ofício nº 15410, de 16 de Setembro p.p., através dos quais se pretendia justificar a desconformidade detectada.
II – Dos Fundamentos
Da análise dos elementos carreados no decurso da instrução do processo, resulta:
– A – Quanto ao número de pisos:
6. É facto assente que o alvará de loteamento prevê a construção de 17 pisos acima do solo, mais 3 pisos em cave, destinados a habitação e comércio.
7. Dúvidas também não restam que o alvará de licença de construção prevê a edificação de 18 pisos acima do solo, mais 5 pisos em cave, sendo o 18º piso destinado a instalações de apoio ao condomínio (constituídas por casa das máquinas, sala de condóminos e habitação da porteira) e as 2ª a 5ª caves destinadas a estacionamento.
8. Pretende essa Câmara Municipal justificar a construção de mais um piso acima do solo (o 18º), em desrespeito do previsto no alvará de loteamento, pelo facto de a sua destinação vir a dar cumprimento à exigência de instalações de apoio ao condomínio (prevista no regulamento municipal de edificações urbanas).
9. No entanto, não se vê que tal motivação seja susceptível de vir a alcançar o fim que se pretende.
10. Isto porque, datando o edital municipal que publicita aquela exigência de 20 de Dezembro de 1979 (a alteração ao referido regulamento municipal foi objecto de deliberação da Câmara Municipal de 7 de Novembro de 1979, e de aprovação da Assembleia Municipal de 4 de Dezembro de 1979), nunca foram avançadas quaisquer justificações para o facto de, o projecto de arquitectura apresentado no âmbito do processo de licença de obra, não prever a construção daquelas instalações dentro do número de pisos autorizado pelo alvará de loteamento.
11. Por seu turno, não colhe, por falta de motivação legalmente atendível, a justificação avançada no sentido de, porque aquele espaço constitui “áreas não comercializáveis”, não dever entrar no cômputo do número de pisos.
12. No que concerne à inclusão de mais duas caves para além das previstas no alvará de loteamento, também não parece de aceitar a justificação avançada no sentido de o desrespeito pelo prescrito neste alvará ter sido motivado pela preocupação em dotar o prédio em apreço de uma área acrescida de estacionamento.
13. Efectivamente, não vislumbro razão que obstasse a que o projecto de arquitectura objecto do processo de licenciamento de construção previsse uma unidade funcional do prédio que servisse aqueles objectivos, em respeito dos parâmetros definidos pelo alvará de loteamento.
14. Aliás, acrescente-se que, não definindo o alvará de loteamento o número de fogos a implantar naquele lote 12, sempre se poderia ter previsto, no projecto de arquitectura, número consentâneo com os lugares de estacionamento a desenvolver nas 3 caves autorizadas pelo alvará de loteamento.
15. Conclui-se, assim, pelo desrespeito da licença de construção ao prescrito no alvará de loteamento, quanto ao número de pisos permitido.
– B – Quanto à área de construção:
16. Prevê o alvará de loteamento que a área de construção a desenvolver seja de 5.584,81 m².
17. Por seu turno, o alvará de licença de obra prevê a construção de 7.729,32 m².
18. Alega V. Exa. que tal desconformidade será meramente aparente, já que as áreas relativas a parqueamento (que constituem 4 das 5 caves) e a área afecta às instalações de apoio ao condomínio (que constitui o 18º piso), não deverão ser contabilizadas para efeitos de cálculo da área de construção.
19. Conclui, ainda, V. Exa., que a área efectivamente destinada a habitação e comércio, porque se traduz num acréscimo que não alcança 3%, deverá considerar-se como constituindo uma alteração de pormenor.
20. Para o efeito, bastaria, portanto, a autorização tomada por simples deliberação fundamentada da Câmara Municipal, com dispensa de quaisquer outras formalidades (art. 36º, nºs 4 e 5 do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, que aprovou o regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 334/95, de 28 de Dezembro, e Lei nº 26/96, de 1 de Agosto).
21. São conhecidas as vantagens do parqueamento subterrâneo, por tal solução se mostrar adequada a assegurar o estacionamento em boas condições, minorando, assim, o impacto decorrente do parqueamento e da circulação de um maior número de veículos para os futuros residentes do prédio em construção e daqueles que residem na sua área de influência, contribuindo-se, deste modo, para o acréscimo da segurança e comodidade públicas.
22. Sufragando este entendimento, tem vindo a moderna doutrina urbanística a defender a construção em cave, pelas inúmeras vantagens ao nível do aproveitamento de espaço, com a comodidade daí inerente, e do menor impacto visual que essa opção propicia.
23. Nesta esteira, veio o legislador a considerar no art. 7º, al. c), do Decreto-Regulamentar nº 63/91, de 29 de Novembro, que para efeitos do cálculo do índice de construção não será utilizado o valor da área a construir abaixo da cota de soleira, se esta se destinar exclusivamente a estacionamento e o contrário não esteja previsto em plano municipal de ordenamento do território.
24. Acolhendo esta tendência, veio o Regulamento do Plano Director Municipal da Amadora (ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 44/94, de 22 de Junho) a exceptuar, para efeitos do cálculo do índice de construção, designadamente, as áreas de estacionamento coberto para utilização do condomínio – art. 9º, secção II, al. 40.
25. Entendo, assim, razoável defender que não deverão ser contabilizadas as áreas dos pisos abaixo da cota de soleira destinados a garagens.
26. No entanto, o mesmo já não direi relativamente à área destinada às instalações de apoio ao condomínio.
27. É que não se vislumbra qualquer apoio legal à tese defendida por essa edilidade.
28. Nestes termos, entendo que o valor dessa área deverá ser contabilizado.
29. Concluo, então, que no âmbito do processo de licenciamento da obra veio essa Câmara Municipal a autorizar a construção de um edifício com a área contabilizável de 5.877,92 m², que corresponde ao valor encontrado quando se deduz da área total do edifício (7.729,32 m²) a que se encontra destinada a garagens em cave (1.851,40 m²).
30. Ora, este valor ultrapassa o encontrado através da aplicação do coeficiente de aumento de 3% (art. 36º, nºs 4 e 5 do supra mencionado Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro) sobre o valor da área de construção prevista no alvará de loteamento (sendo que o valor encontrado é de 5.721,45 m²).
31. Assim sendo, necessário é concluir que o alvará de licença de construção viola o imposto pelo alvará de loteamento quanto à área de construção permitida.
32. O facto de a referida licença de construção contender com o disposto no alvará de loteamento acarreta a nulidade do acto administrativo que decidiu do pedido de licenciamento da construção – art. 52º, nº 2, al. b), do regime de licenciamento municipal de obras particulares aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro).
33. Assim sendo, o acto em causa é insusceptível de produzir qualquer efeito jurídico, podendo ser declarado nulo a todo o tempo (art. 134º, nºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo).
34. Por seu turno, as obras já realizadas ao abrigo da licença de construção, irremediavelmente ferida de nulidade (note-se que o acto nulo é insusceptível de ser ratificado, sanado, convertido ou revogado), sujeitam-se ao regime das obras ilegais.
35. Nestes termos, deverá ser imediatamente ordenado o embargo das obras, sem prejuízo da sua futura legalização através de processo de licença de construção cuja decisão final venha a obedecer às prescrições impostas pelo alvará de loteamento.
36. Faço notar a V.Exa. que a situação em apreço faz incorrer o município na obrigação de indemnizar os lesados pelo prejuízo que lhes causou em consequência da decisão impugnada.
37. E quanto mais dilatado venha a ser o momento em que se decida pela declaração da nulidade da licença de construção, mais avultados serão os prejuízos dos terceiros afectados e, consequentemente, maior será o quantitativo indemnizatório a pagar.
38. Efectivamente, o art. 52º, nº 5, do supra mencionado Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, manda ao município assumir a obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados aos interessados em consequência de actos administrativos nulos, por decidirem pedido de licenciamento de obras particulares em violação do disposto em alvará de loteamento em vigor.
III – Conclusões
Senhor Presidente da Câmara Municipal da Amadora, ao abrigo do disposto no art. 20º, nº 1 al. a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO:
I) Seja declarada a nulidade do acto administrativo que decidiu o pedido de licenciamento de construção em violação do prescrito no alvará de loteamento em vigor.
II) Seja ordenado o embargo da obra promovida a coberto daquela licença de construção ferida de nulidade.
III) Assuma o município a responsabilidade pelos prejuízos causados aos terceiros lesados em consequência daquele acto.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel