Director Regional da Solidariedade e Segurança Social

Rec. n.º 20/A/00
Proc.:P-13/99
Data: 13.03.2000
Área: Açores

Assunto: DIREITOS DOS MENORES. SEGURANÇA SOCIAL. ENTREGA DE CRIANÇA. ADOPÇÃO.

Sequência: Acatada

I- INTRODUÇÃO

No mês de Junho de 1999, a RTP Açores difundiu uma peça jornalística sobre a existência de casos de entrega de crianças, pelas respectivas mães biológicas a pessoas e/ou famílias não identificadas e, pelo menos em algumas situações, contra o recebimento de quantias em dinheiro. A repercussão pública deste relato motivou a divulgação nos órgãos de comunicação social nacionais de muitas outras notícias relativas a casos de entrega de crianças, pelos pais naturais a terceiros, ocorridos fora de processos de adopção ou em desrespeito pelas respectivas normas. Em face do grande número de situações relatadas estas passaram a ser designadas como o caso da venda de crianças na ilha Terceira.

Em 25/06/99, determinei a abertura de processo de iniciativa própria, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, in fine, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e, em 27/06/99, por ocasião da minha visita à Região Autónoma dos Açores, anunciei publicamente o começo da realização das diligências de investigação pela Extensão da Provedoria de Justiça em Angra do Heroísmo.

Não estando cometidas ao Provedor de Justiça competências de investigação criminal, foi no âmbito da “defesa e promoção dos direitos, liberdades e garantias” (artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Provedor de Justiça) que decorreu a instrução do P-13/99 (Aç).

Desde logo tornei público que a preocupação principal que presidira à abertura de processo na Provedoria de Justiça eram os aspectos sociais inerentes às situações relatadas; e afirmei, igualmente, que numa primeira fase ir-se-ia proceder a diligências que permitissem comprovar a existência de casos de entrega de crianças fora dos competentes processos de adopção; que, seguidamente, proceder-se-ia à análise de algum, ou alguns, dos casos conhecidos e que, por fim, ouvir-se-iam as pessoas e as entidades públicas cuja actuação pudesse, directa ou indirectamente, permitir fazer o enquadramento social e jurídico da questão.

Cabe lembrar que não obstante ter sido destacado desde o início da intervenção deste Órgão do Estado que os aspectos sociais constituíam o tema nuclear da averiguação, a atenção dos órgãos da comunicação social centrou-se no problema da criminalização das condutas descritas, designadamente dos casos de entrega de crianças pelos pais naturais e o recebimento (ou a “compra”) de crianças por terceiros fora dos normais processos de adopção.

Em virtude das inúmeras peças jornalísticas produzidas no período que se seguiu à divulgação da primeira notícia e, em especial, aos diversos depoimentos recolhidos, gerou-se algum debate sobre a questão da relevância criminal dos comportamentos de “dar/vender crianças” e de “receber/comprar crianças”. Nesta fase, e em consequência das solicitações de jornalistas, manifestei o entendimento de que os comportamentos descritos deviam ser examinados à luz do Código Penal, designadamente no que diz respeito aos alegados registos falsos.

As primeiras diligências instrutórias realizadas permitiram desde logo verificar que o regime de registo civil ainda hoje vigente possibilitava (e, refira-se, ainda possibilita), por um lado, que no registo de nascimento figurem como pais naturais pessoas sem nenhuma ligação ao recém-nascido e que seja registado o nascimento de uma criança que nunca existiu e, por outro lado, não assegura que todos os nascimentos ocorridos em Portugal sejam declarados para efeitos de registo civil.

Por este facto, em 23/07/99 dirigi ao senhor Ministro da Justiça a Recomendação n.º 28/B/99 na qual recomendei a alteração das pertinentes disposições do Código do Registo Civil por forma a:

a) Tornar obrigatória a exibição de declaração médica/do estabelecimento hospitalar atestando o nascimento, para efeitos de registo civil do respectivo nascimento;
b) Tornar exigível a declaração do médico que primeiro assistiu ao recém-nascido nas situações em que os nascimentos ocorram sem assistência médica ou fora de estabelecimento hospitalar;
c) Consagrar, em todas as situações sem excepção, a obrigatoriedade de os estabelecimentos onde os partos tiverem ocorrido, ou das pessoas que a eles tiverem assistido, comunicarem aqueles nascimentos ao registo civil.

Apuradas que ficaram as implicações, em termos de registo civil, da situação reclamada, a instrução do processo prosseguiu na Extensão dos Açores com o intuito de averiguar os aspectos sociais que estavam na base dos factos noticiados e com a finalidade de apurar se as notícias divulgadas na imprensa haviam resultado, como vinha sendo dito, do empolamento das situações pelos órgãos de comunicação social, ou se, pelo contrário, existiam indícios da prática de ilícitos criminais que devessem ser encaminhados para as entidades competentes para a investigação criminal.

II- DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS

Em cumprimento do meu despacho de 25/06/99, a Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores assegurou a instrução do respectivo processo a qual compreendeu a audição de pessoas com conhecimento pessoal e directo da realidade social da ilha Terceira, reuniões com órgãos ou titulares de cargos de pessoas colectivas públicas com competência no âmbito do apoio social e, ainda, uma visita de inspecção ao IAS-Instituto de Acção Social em Angra do Heroísmo.

Manifesto o meu especial agradecimento ao senhor Dr. Francisco Borges de Ávila, conservador do registo civil de Angra do Heroísmo, ao senhor Padre Francisco Dolores, pároco da freguesia da Terra-Chã, ao senhor Dr. António Portugal, Procurador da República do Círculo Judicial de Angra do Heroísmo, e à senhora Dra. Maria d’Ornelas Armas, directora e chefe do serviço de obstetrícia/ginecologia do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo, pelas informações que prestaram à Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores. E apraz-me registar, igualmente, os contributos do senhor Capitão Carvão, do SEF Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Angra do Heroísmo, do senhor Dr. Hélio Flores Brasil, director da Casa de Saúde de São Rafael, do senhor Dr. Cota Moniz, conservador do registo civil da Praia da Vitória, e do senhor inspector-adjunto Pires, do S.E.F. – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras da fronteira do aeroporto das Lajes. Destaco, finalmente, os esclarecimentos prestados pela Senhora …(1), mãe de quatro crianças “entregues”, e que se disponibilizou para relatar as circunstâncias em que a referidas entregas se processaram.

Em 28/06/99, esteve na Extensão de Angra do Heroísmo o senhor Dr. Francisco Ávila. Na sua exposição, o senhor conservador do registo civil de Angra do Heroísmo abordou as questões do registo de nascimento, da paternidade presumida e da revisão de sentenças de divórcio estrangeiras. E, em 07/07/99, o meu assessor na Região Autónoma dos Açores o deslocou-se à conservatória do registo civil de Angra do Heroísmo. Nesta ocasião, o senhor Dr. Francisco Ávila fez entrega de documentação relativa às três situações que expusera anteriormente. Em 29/06/99, foi realizada uma reunião na Extensão dos Açores com o senhor Padre Francisco Dolores, pároco da freguesia da Terra-Chã (concelho de Angra do Heroísmo) há cerca de nove anos e que, anteriormente (na década de 1970), desempenhou funções idênticas na freguesia das Lajes. No mesmo dia, foi realizada uma reunião com o senhor Dr. António Portugal, Procurador da República do círculo judicial de Angra do Heroísmo. Em 07/07/99, foi realizada uma reunião com a senhora Dra. Maria d’Ornelas Armas, directora e chefe do serviço de obstetrícia/ginecologia do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo. Foram ainda estabelecidos contactos informais com o senhor Capitão Carvão, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em Angra do Heroísmo; e na sequência deste, com o senhor inspector-adjunto Pires, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no aeroporto das Lajes e, em 07/07/99, foram mantidas conversas telefónicas com o senhor director da Casa de Saúde de São Rafael, senhor Dr. Hélio Flores Brasil e com o senhor Dr. Cota Moniz, conservador do registo civil da Praia da Vitória. Em 08/07/99, o meu assessor na Região Autónoma dos Açores teve oportunidade de trocar impressões com a Senhora …, na freguesia da Terra-Chã, em Angra do Heroísmo, a propósito das circunstâncias em que se processaram as entregas de quatro dos seus filhos.

Foi igualmente realizada uma visita de inspecção ao IAS Instituto de Acção Social de Angra do Heroísmo com o intuito de analisar detalhadamente os elementos constantes dos diversos processos de adopção.

III- FACTOS APURADOS

As diversas diligências realizadas pela Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores permitiram analisar um conjunto relativamente vasto de realidades directamente ou indirectamente relacionadas com os processos de adopção organizados na ilha Terceira; mas, muito para além da análise procedimental, a instrução do processo propiciou uma visão integrada dos aspectos sociais subjacentes à entrega de crianças para adopção.

Não pode ser esquecido o facto dos relatos de situações de “venda” de crianças ter sido desencadeado por uma peça jornalística que deu voz pública a factos repetidamente comentados mas nunca devidamente concretizados. Com efeito, são constantes, na ilha Terceira, as referências às entregas de crianças fora dos processos de adopção; e são quase sempre acompanhadas de alusões a pagamentos em dinheiro. Inicialmente, os factos descritos diziam respeito a crianças provenientes de famílias em situação de pobreza extrema e a casais de nacionalidade norte-americana em serviço na Base Aérea n.º 4 (Base das Lajes). Mas, há cerca de seis anos, deu-se o caso da senhora Dr.ª …, psicóloga de nacionalidade brasileira que ao mesmo tempo que desempenhou funções no IAS Instituto de Acção Social de Angra do Heroísmo terá pretendido adoptar uma criança. A circunstância de ter sido desencadeado procedimento judicial contra esta ex-funcionária do IAS de Angra do Heroísmo contribuiu decisivamente não só para a subsistência das dúvidas já existentes sobre a legalidade de muitas adopções, como para reavivar as referências às deficientes condições de entrega de crianças mesmo a coberto dos competentes procedimentos de adopção.

Este caso é preocupantemente elucidativo:

1. Em 1991 e por decisão judicial, a menor … foi internada no Lar de Santa Maria Goretti;
2. Aquela funcionária do IAS de Angra do Heroísmo teve contacto profissional com a menor;
3. A criança criou laços afectivos com a funcionária e, posteriormente, com a família da funcionária (começou a frequentar a casa desta e, inclusivamente, passou com ela o Natal e o Fim-de-Ano);
4. Em determinada data, o Lar confiou a menor … aos cuidados da família da funcionária;
5. Mais tarde, o próprio IAS de Angra de Heroísmo fez denúncia de factos praticados pela então funcionária que conduziram à abertura de processo de inquérito.

Mesmo tendo presente a presunção de inocência da visada não deixa de ser notória a leviandade do procedimento organizado – a qual é especialmente revelada numa das peças do processo (uma informação) na qual está aposta a identificação dos elementos da equipa do IAS que a elaboraram: um dos elementos identificado é a própria requerente da confiança judicial. Ainda que a informação em causa não esteja por ela assinada é por demais evidente que não houve a preocupação de fazer intervir uma outra equipa do IAS absolutamente autónoma e sem quaisquer ligações à requerente. Mais: resultam até indícios de que a colaboração de um elemento da equipa de Adopções do IAS de Ponta Delgada em substituição da psicóloga/requerente visou simplesmente conferir legalidade formal a um procedimento cuja matéria relevante estava já apurada e cuja decisão estava já tomada.

A análise, ainda que sumária, de outros processos de adopção revela que muitas crianças terceirenses foram “confiadas” a famílias (norte-americanas residentes na Base das Lajes e também portuguesas) que, numa fase posterior, as adoptaram. Assim sendo, parece começar a descortinar-se a justificação para alguns dos rumores constantemente repetidos, a saber:

– Um senhor …, de Ponta Delgada (ilha de São Miguel) que, juntamente com uma senhora micaelense que trabalhava na Base Aérea n.º 4, estaria implicado em “negócios” envolvendo a entrega de crianças a cidadãos americanos;
– Aviões militares norte-americanos que, em trânsito pela Base das Lajes, não seriam controlados pelo SEF Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e que transportariam crianças para os EUA;
– Um senhor advogado envolvido em “negócios” de entrega de crianças.

Com efeito, houve crianças terceirenses confiadas a casais norte-americanos, residentes na Base das Lajes e que, numa segunda fase e através de advogados, desencadearam procedimentos de adopção. É natural, portanto, que tenham sido transportados em aviões militares norte-americanos e que os respectivos processos de adopção tenham tido a intervenção de advogados; mas nenhuma destas circunstâncias indicia, de per si, procedimentos “contra legem”.

A instrução do processo não permitiu encontrar, porém, qualquer fundo de verdade nas afirmações relativas ao transporte de menores em aviões militares norte-americanos – este seria, alegadamente, o meio escolhido para fazer sair da ilha Terceira as crianças “compradas” – ou à “devolução” de menores que apresentassem deficiências mentais somente detectadas após serem levados para os EUA. Sobre o controlo efectuado na fronteira das Lajes importa reter o depoimento do senhor inspector-adjunto Pires. Nos voos internacionais que passam pelo aeroporto os cidadãos estrangeiros que são acompanhados por crianças estrangeiras devem apresentar os documentos de identificação dos menores(2). Quando os menores portugueses viajam sem ser acompanhados pelos pais é necessária uma declaração destes autorizando a deslocação. No caso de os pais se encontrarem divorciados, a declaração deve ser passada pelo progenitor a quem está confiado o poder paternal, e deve ser acompanhada de documento do tribunal atestando a regulação do poder paternal. O senhor inspector-adjunto referiu existirem, para além dos voos internacionais que transitam pelo aeroporto, os chamados “voos civis de carga”, que são voos de aviões militares norte-americanos que transportam passageiros (ou familiares de militares norte-americanos estacionados nas Lajes, ou militares norte-americanos reformados). Também estes voos são controlados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em moldes idênticos aos anteriormente referidos; disse, ainda, que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é informado pelas autoridades norte-americanas da totalidade dos voos realizados para que seja levado a cabo o competente controlo fronteiriço e, por fim, afirmou desconhecer em absoluto a existência de voos de aviões americanos que não são declarados ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Relativamente à alegada existência de casos de crianças que, tendo sido levadas para os Estados Unidos da América, são posteriormente “devolvidas” para a ilha Terceira ao ser detectado que padecem de doenças do foro psiquiátrico, e que seriam internadas na Casa de Saúde de São Rafael, em Angra do Heroísmo – o senhor Director deste estabelecimento negou peremptoriamente a existência de situações de internamento de menores com esta proveniência.

Também não pode deixar de se destacar o depoimento de pessoas ligadas aos serviços médicos e de enfermagem do Hospital de Santo Espírito de Angra do Heroísmo e o facto de revelaram conhecimento não só da existência de inúmeros casos de “entrega de crianças”, como da circunstância destas entregas serem combinadas em períodos anteriores aos nascimentos e, ainda, de situações de mães muito jovens ou mães solteiras que afirmam nas consultas que têm vontade de ficar com os bebés mas que as suas mães querem “dar” as crianças.

Chegados aqui, importa atentar no relato feito pela Senhora …:

1. Aos doze anos de idade casou com um indivíduo de dezoito anos de quem teve uma filha V…. Cerca de dois anos depois separou-se;
2. Posteriormente, viveu com outro indivíduo, de quem teve dois filhos (A… e D…). Seguidamente, viveu com um outro indivíduo de quem teve uma filha (P…). Teve ainda um outro filho (J…), que nasceu numa altura em que não tinha companheiro certo. Teve, portanto, cinco filhos (a V…, com vinte anos; o A…, com dezoito anos; o D…, com quinze anos; o J…, com nove anos; e a P…, com sete anos);
3. Quanto se efectivou a separação da Senhora … e do primeiro marido, a filha V… ficou a viver com o pai, na Praia da Vitória. Hoje vive num lar em Angra do Heroísmo (Lar de Santa Maria Goretti) e é mãe solteira de duas crianças (uma menina de cinco anos e um rapaz de dois anos) e “quer dar os filhos para o Lar por causa do namorado” uma vez que este estaria na disposição da viver com a V… “mas sem as crianças”.
4. O filho A…, de dezoito anos, vive na ilha de São Jorge desde os cinco anos, altura em que foi entregue a um casal. Segundo afirmou a Senhora …, não houve nenhum processo de adopção;
5. O filho D…, de quinze anos, está em São Mateus (ilha Terceira) com um casal que o terá adoptado;
6. O filho J…, de nove anos, nasceu numa altura em que a Senhora … vivia da prostituição e foi entregue a um casal que vive no Canadá. Terá havido um processo de adopção mas os primeiros contactos para a entrega da criança terão decorrido particularmente, sem intervenção de nenhuma entidade pública;
7. A filha P…, de sete anos, terá sido entregue a um casal norte-americano (o marido seria piloto da Força Aérea americana) e terá sido registada, com três anos, como filha do casal americano. Não obstante, a Senhora … disse ter sido instruído um processo de adopção; afirmou, ainda, que sempre que o casal americano passa pela ilha Terceira leva a P… a ver a mãe (biológica).

Por fim, registe-se que no IAS-Instituto de Acção Social de Angra do Heroísmo não foram encontrados registos comprovativos das adopções dos filhos da Senhora …

IV- PROCESSOS DE ADOPÇÃO

Dos processos de adopção a cuja análise se procedeu na visita de inspecção realizada ao IAS de Angra do Heroísmo apresentam-se esquematicamente os seguintes casos, aleatoriamente escolhidos (e apresentados sob a designação de casos 1 a 7), sem menção de nomes atendendo ao respectivo carácter secreto (artigo 173.º-B do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro):

PROCESSO 1

-Menor : A
-Data de nascimento : 25.10.1989
-Motivo entrega : Degradação condições de vida
-Mãe : O…
-Estado civil : Solteira
-Data nascimento : 23.06.1973
-Profissão indicada : –
-Residência : Lar Santa Maria Goretti
-Pai : –
-Estado Civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Casal adoptante/Instituição : C…
-Nacionalidade : Portuguesa
-Residência : EUA
-Data 1º contacto com menor : 21.09.1992
-Motivo contacto : Entrega pela mãe
-Data da intervenção do IAS : 09.07.1993
-Motivo intervenção IAS : Adopção
-Nota: criança com o casal adoptante 9 meses antes do início da adopção

PROCESSO 2

-Menor : B
-Data de nascimento : 22.06.1991
-Motivo entrega : Situação de risco
-Mãe : O…
-Estado civil : –
-Data nascimento : 23.06.1973
-Profissão indicada : Prostituta
-Residência : Barraca
-Pai : –
-Estado Civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Casal adoptante/Instituição : Lar Nossa Senhora do Livramento
-Nacionalidade : –
-Residência : –
-Data 1.º contacto com menor : 23.07.1997
-Motivo contacto : Confiança judicial para acolhimento
-Data da intervenção do IAS : 23.07.1997

Nota:
Relatório do IAS muito completo e que resultou, segundo é referido, de diversos contactos da respectiva técnica com a mãe do menor, vizinhos, centro de saúde e presidente da Junta de Freguesia.

PROCESSO 3

-Menor : C
-Data de nascimento : 21.08.1995
-Motivo entrega : actual marido não aceita a criança
-Mãe : P…
-Estado civil : Casada
-Data nascimento : 1974
-Profissão indicada : Doméstica
-Residência : Angra do Heroísmo
-Pai : –
-Estado Civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Casal adoptante/Instituição : B
-Nacionalidade : Americana
-Residência : Base das Lajes
-Data 1º contacto com menor : Novembro 1995
-Motivo contacto : entrega pela mãe
-Data da intervenção do IAS : 21.07.1997
-Motivo intervenção do IAS :Pedido de confiança judicial

Nota:
Criança com o casal adoptante desde os 2 meses e meio; uma vez que o casal não tinha legitimidade para pedir a confiança judicial, a mãe biológica fez a entrega da criança à Irmandade de Nossa Senhora do Livramento que propôs a acção. Mais tarde foi decretada judicialmente a adopção plena.

PROCESSO 4

-Menor : D
-Data de nascimento : 24.11.1982
-Motivo entrega : –
-Mãe : –
-Estado civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Pai : –
-Estado Civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Casal adoptante/Instituição : T…/C…
-Nacionalidade : Portuguesa
-Residência : Angra do Heroísmo
-Data 1º contacto com menor : 1998
-Motivo contacto : Deslocação ao Lar Santa Maria Goretti
-Data da intervenção do IAS : 1996
-Motivo intervenção IAS : Adopção plena

Nota:
Criança com o casal adoptante desde há cerca de 8 anos. Desconhece-se como decorreu o processo de confiança, parecendo que a menor simplesmente foi entregue ao casal, sem mais.

PROCESSO 5

-Menor : E
-Data de nascimento : 08.12.1994
-Motivo entrega : Situação de risco
-Mãe : M…
-Estado civil : Solteira
-Data nascimento : 1979
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Pai : –
-Estado Civil :-
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência :-
-Casal adoptante/Instituição : T…
-Nacionalidade : Portuguesa
-Residência : Ilha Terceira
-Data 1º contacto com menor : 15.02.96
-Motivo contacto : Confiança administrativa
-Data da intervenção do IAS : –
-Motivo intervenção IAS : Adopação plena

PROCESSO 6

-Menor : F
-Data de nascimento : 1989
-Motivo entrega : –
-Mãe : –
-Estado civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Pai : –
-Estado Civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : –
-Casal adoptante/Instituição : S…/B…
-Nacionalidade : Americana
-Residência : Base das Lajes
-Data 1º contacto com menor : 1994
-Motivo contacto : –
-Data da intervenção do IAS : 1996

Nota:
O casal adoptante já adoptou uma irmã da F; tem ainda um filho biológico (de 8 anos); a F tem problemas de aprendizagem e frequenta aulas de apoio especial individualizado.

PROCESSO 7

-Menor : G
-Data de nascimento : 26.03.1988
-Motivo entrega : maus tratos
-Mãe : M…
-Estado civil :-
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : Casa de Saúde do Espírito Santo
-Pai : F…
-Estado Civil : –
-Data nascimento : –
-Profissão indicada : –
-Residência : Angra do Heroísmo
-Casal adoptante/Instituição : A…
-Nacionalidade : Portuguesa
-Residência : Angra do Heroísmo
-Data 1º contacto com menor : Setembro 1989
-Motivo contacto : Solicitação familiar
-Data da intervenção do IAS : 1994
-Motivo intervenção IAS : –

Nota:
Uma funcionária da casa de saúde onde o menor nasceu solicitou à sua irmã que cuidasse dele; a situação foi-se prolongando no tempo.

VI-CONCLUSÕES

Existe, na ilha Terceira, a generalizada convicção da existência de inúmeros casos de “venda” de crianças. A referência mais comum é relativa a situações de “venda” de crianças a cidadãos norte-americanos vivendo na Base das Lajes por famílias residentes nos bairros da “Serra de Santiago” e “Santa Rita”, no concelho da Praia da Vitória. Importa, não obstante, destacar que a quase totalidade dos casos mencionados terá alegadamente ocorrido há alguns anos, que não foram identificadas pessoas ou famílias concretas envolvidas e que não existe – com a excepção do relato feito pela Senhora … – conhecimento pessoal e directo das situações. Os casos são, sempre e só, de ouvir dizer.

Mas as ideias repetidamente difundidas que dão conta de uma realidade social preocupante e de uma intervenção estadual deficiente devem ser vistas, no que aos processos de adopção diz respeito, numa perspectiva mais ampla e necessariamente integrada: em primeiro lugar, porque existem situações de carência económica extrema que merecem uma acção contínua e alargada em termos sociais; do mesmo passo, porque estas situações estão intimamente ligadas a casos de toxicodependência, de alcoolismo, de prostituição e de outras actividades socialmente marginais; e, finalmente, porque os casos descritos têm consequências profundas ao nível da estrutura familiar onde os menores estão integrados e de onde, no seu próprio interesse, acabam por ser retirados. Os processos de adopção são, por estas razões, não uma causa mas um inevitável efeito. Ainda assim, os factos apurados pela instrução realizada pela Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores são susceptíveis de permitir compreender algumas da razões que estiveram na origem do surgimento dos relatos que os órgãos de comunicação difundiram:

a) Existe uma aparente confusão entre as situações de entrega de crianças para adopção e os casos “venda” de crianças. Com efeito, as situações usualmente referidas como de entrega de crianças e de “venda” de crianças (i.e. casos em que comprovadamente há recebimento de dinheiro pelas famílias naturais) podem coexistir ainda que tenha havido processo de adopção;
b) Como ficou demonstrado, muitos dos processos de adopção analisados resultaram de situações de facto geradas e decididas fora e ao arrepio das disposições que na lei regulam as adopções;
c) Em muitos dos casos analisados existiu contacto pessoal e directo entre as famílias “adoptantes” e as mães biológicas das crianças. Uma vez que a quase totalidade das mães biológicas que entregam as crianças para “adopção” encontram-se numa situação de pobreza extrema não é de afastar a possibilidade de ter existido entrega de dinheiro ou de bens materiais. Mas este facto não configura um caso de venda de crianças.

Mas a principal conclusão que deve ser alcançada não é relativa à ausência dos procedimentos próprios dos processos de adopção nem, tão pouco, à existência de casos de “venda” de crianças que foram posteriormente conduzidas para fora dos Açores de forma mais ou menos clandestina. Diferentemente, a análise efectuada revela simplesmente que, na ilha Terceira, um número elevadíssimo de crianças foi entregue aos cuidados de terceiras pessoas sem nenhuma intervenção do Tribunal, do IAS-Instituto de Acção Social ou de qualquer outra entidade pública competente na matéria.

Anote-se a circunstância, constante de um dos processos a cuja análise se procedeu, que a entrega de uma criança sem a intervenção do Tribunal (ou, como a sentença judicial refere, em “antecipação ao Tribunal”), mereceu o seguinte comentário lavrado na sentença que ratificou a entrega do menor:

(…) pese embora a antecipação ao Tribunal no sentido de confiar o menor a uma família, considerando o interesse deste, é de louvar e encorajar a iniciativa do Lar de Santa Maria Goretti, porquanto diligenciou, em conjugação com uma equipa de adopção, no intuito de descobrir uma família que o acolhesse e que talvez venha a contribuir para um desenvolvimento são e harmonioso de menor (…)

A segunda conclusão é consequência lógica da anterior: um grande número de processos de adopção consistiu, simplesmente, na legalização destas situações de facto.

Não pode perder-se de vista, em caso algum, que a adopção visa assegurar o interesse do menor – em termos de segurança, saúde, formação moral e educação – e pretende constituir, por sentença judicial (artigo 1973.º, n.º 1 do Código Civil), um vínculo de parentesco electivo.

Apraz-me, pois, registar que em todas as situações analisadas, sem excepção, há indícios claros de que a situação afectiva e material dos menores foi substancialmente melhorada com a passagem da família natural para a nova família; mas, sob pena de ser absolutamente desvirtuado o instituto da confiança do menor (artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, na redacção conferida pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio), justifica-se chamar a atenção para a necessidade de serem respeitados os requisitos da confiança administrativa (o problema não se coloca quanto à confiança judicial uma vez que a intervenção do Tribunal constitui suficiente garantia de legalidade). Esta chamada de atenção impõe-se em virtude de dois aspectos:

a) Nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, na redacção conferida pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio, não é permitida a colocação de menor com vista à sua adopção no estrangeiro quando se mostrar viável a adopção em Portugal (princípio da subsidiariedade);
b) Em mais de metade dos casos analisados, os menores já vivem com os candidatos a adoptantes muito antes de lhes ser atribuída a guarda provisória, a confiança judicial e de, por fim, ser decretada a adopção.

Estou em crer que é esta última circunstância que tem motivado as desconfianças que, mais tarde, deram origem às notícias publicadas na comunicação social: em muitos casos, os processos de adopção nada mais significam do que a confirmação, por via institucional, de situações de facto geradas sem a intervenção dos Tribunais, dos organismos de segurança social ou de outra qualquer entidade pública; e, então, pode suscitar-se a questão de se saber em que condições foram os menores entregues, pelas famílias naturais a terceiros e é natural, como se viu, que se fale em “negócios” em “vendas” e em “redes”.

A “responsabilidade que a comunidade tem com todas as crianças e, em especial, com as crianças que se encontram privadas de meio familiar normal” (preâmbulo do Decreto-lei n.º 120/98, de 8 de Maio) não pode significar que a intervenção dos organismos da segurança social seja limitada à mera constatação, a posteriori, da situação do menor já integrado na família adoptante.

Note-se que, nos casos analisados, o inquérito (artigo 1973.º, n.º 2 do Código Civil e artigo 169.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio e pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio) – que deveria “incidir, nomeadamente, sobre a personalidade e saúde do adoptante e do adoptando, a idoneidade do adoptante para criar e educar o adoptando, a situação familiar e económica do adoptante e as razões determinantes do pedido de adopção” – configura quase exclusivamente a mera descrição de relações familiares perfeitamente estáveis; e, diga-se, na fase em que foi elaborado nem poderia ser de outra forma.

Chegou mesmo a dar-se a situação absurda descrita no PROCESSO 3: uma criança que desde os dois meses e meio de idade estava a ser criada por um casal foi “devolvida” à mãe biológica, aos dois anos de idade, para que esta a entregasse à Irmandade de Nossa Senhora do Livramento, uma vez que só esta entidade, e não o casal, tinha legitimidade para pedir a confiança judicial. Neste caso a interesse da criança não foi, manifestamente, salvaguardado.

Pese embora ser satisfatória a conclusão de que os menores adoptandos viram, nos casos averiguados, substancialmente melhoradas as suas perspectivas morais, familiares, educacionais e materiais não deixa de ser preocupante a verificação de que poderemos estar perante a repetição sistemática de procedimentos que constituem meios privilegiados de obtenção da confiança (de facto) de menores uma vez que, posteriormente, os Tribunais se limitarão a reconhecer as situações de facto ao decretar as adopções. Não obstante, as condutas descritas resultam de situações que, quase sempre, escapam à intervenção das entidades públicas competentes neste domínio. Resta, portanto, diligenciar no sentido de serem criadas as condições para, na medida do possível, evitar que os casos de entrega de menores a particulares possam vir a gerar situações de confiança de facto totalmente fora do controlo judiciário e administrativo.

Assim sendo, devem ser tomadas as necessárias providências no sentido da situação dos menores entregues a particulares por decisão das instituições de acolhimento ser, desde logo, acompanhada pelos técnicos do IAS-Instituto de Acção Social.

Uma nota final: os procedimentos analisados por este Órgão do Estado são, as mais das vezes, referidos pelos aspectos negativos que revestem ou pela susceptibilidade de serem melhorados; mas, casos há (e a informação social n.º 130/97 da Técnica Superior de Serviço Social, Helena Rodrigues é desse facto um exemplo claro) em que a actuação dos serviços analisados vai muito para além do que (infelizmente) se espera do desempenho das diferentes funções públicas. Não pode o Provedor de Justiça deixar de reconhecer, no caso em apreço, o evidente profissionalismo e a grande dedicação demonstrada pelos técnicos dos serviços sociais, para mais e como é consabido, em condições muito difíceis, tanto física como psicologicamente.

VII-RECOMENDAÇÕES

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO que:

A. Que seja diligenciado no sentido de ser assegurado que todas as entregas de crianças ocorridas por decisão das instituições de acolhimento sejam sempre devidamente fundamentadas e acompanhadas de comunicação ao Tribunal competente e ao IAS;

B. Que as entregas verificadas por decisão das instituições de acolhimento passem a ser, imediata, necessária e obrigatoriamente, acompanhadas pelo IAS;

C. Que o pessoal do IAS seja instruído no sentido de, nos casos de acolhimento de menores por particulares de que tenham conhecimento, ser providenciado o estudo das situações com a maior brevidade possível, designadamente para apurar se o menor está em situação de poder vir a ser adoptado, ainda que não estejam preenchidos os requisitos constantes do artigo 1978.º do Código Civil.

Chamo a atenção de Vossa Excelência para a circunstância da presente Recomendação, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, não dispensar a comunicação a este Órgão do Estado da posição que venha a ser assumida em face das respectivas conclusões.

Atendendo às repercussões públicas que teve a divulgação de notícias sobre a venda de crianças na ilha Terceira e tendo presentes as conclusões alcançadas na instrução do presente processo determinei, ainda, a publicação de um comunicado à imprensa que, a par da publicitação desta Recomendação, dá conta do apreço que me merece a actuação dos técnicos do IAS Instituto de Acção Social, bem como da decisiva importância que a sua intervenção tem tido no apoio às crianças em situação de risco.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Todas as pessoas mencionadas no presente texto estão devidamente identificadas. A salvaguarda da dignidade das pessoas envolvidas e o dever de sigilo impuseram a omissão dos respectivos nomes.
(2) Segundo informação do senhor inspector-adjunto Pires, os menores de nacionalidade norte-americana são portadores de passaporte.