Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo
Rec.nº: 53/A/99
Proc.: 01734/95
Data: 18.06.1999
Área: A3
Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – SUBSÍDIO DE DESEMPREGO – ATRIBUIÇÃO – ACTO DE INDEFERIMENTO – REVISÃO E REVOGAÇÃO DO ACTO
Sequência: Acatada
1. Foi-me solicitada a intervenção quanto ao indeferimento, por parte do Serviço Sub-Regional de Lisboa desse Centro Regional de Segurança Social de um pedido de atribuição do subsídio de desemprego.
2. A situação de facto relevante resume-se, essencialmente, ao seguinte:
2.1. A exponente, beneficiária nº …, esteve a viver em França, tendo trabalhado neste país no período compreendido entre … 1983 e …. 1994.
2.2. Regressada a Portugal, trabalhou na empresa “…” no período compreendido entre …. 1994.
2.3. Em … 1994 inscreveu-se no Centro de Emprego do … .
2.4. No dia … 1994, deslocou-se ao Serviço Sub-Regional de Lisboa.
2.5. Nesse mesmo dia e na sequência daquela deslocação, remeteu, via fax e carta registada com aviso de recepção, aos serviços franceses um formulário E 301 emitido pelo Seviço Sub-Regional de Lisboa.
2.6. Em resposta, os serviços franceses vieram a remeter à exponente, no dia … de 1995, os documentos relativos à certificação dos períodos de trabalho prestado naquele país.
2.7.A exponente requereu junto do Serviço Sub-Regional de Lisboa a atribuição do subsídio de desemprego no dia 24 do mesmo mês, tendo junto para o efeito os documentos recebidos dos serviços franceses.
2.8. No dia … de 1995, a exponente foi notificada do indeferimento, com fundamento no facto de ter sido apresentado fora do prazo previsto no art.º nº 37º, nº 2, do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março.
3. Atentas estas circunstâncias, esta Provedoria de Justiça desenvolveu diversas diligências junto do Serviço Sub-Regional de Lisboa, tendo-se admitido que a questão pudesse ser resolvida após o esclarecimento dos aspectos havidos como convenientes junto dos serviços de segurança social franceses.
4. Na verdade, os factos acima referidos apresentam aspectos contraditórios, sendo certo que importa promover o respectivo esclarecimento em ordem a evitar a frustração da legítima pretensão da exponente de receber o subsídio de desemprego, já que, presentes os elementos disponíveis, reunia todos os requisitos legais para a atribuição daquela prestação.
5. Todavia, esse Centro Regional veio, a informar, através do ofício nº …, de …. 1996, que se mantinha o indeferimento da atribuição do subsídio de desemprego.
6. Essa posição assentou, essencialmente, nas seguintes ordens de razões:
6.1. No dia … de 1994, a exponente se deslocara ao Serviço Sub-Regional de Lisboa mas apenas solicitara o Modelo E 301 da segurança social portuguesa, comprovativo dos dez dias de trabalho prestado em Portugal, tendo em vista o seu regresso a França.
6.2. No momento da sua deslocação ao Serviço Sub-Regional de Lisboa, a exponente não manifestara a intenção de requerer o subsídio de desemprego em Portugal.
6.3. Os objectivos da exponente não se haviam concretizado pelo que esta havia requerido a atribuição do subsídio de desemprego no dia … de 1995, fora do prazo previsto no art.º 37º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março.
7. Essa posição foi reiterada através do ofício nº …, de … 1998, desse Centro Regional, por se considerar que não existiam elementos novos que justificassem a alteração da decisão.
8. Não posso, porém, deixar de discordar dos argumentos que sustentaram tal decisão.
9. No entanto, aqui não está apenas em causa a mera verificação do cumprimento ou incumprimento do prazo previsto no referido art.º 37.
O que está essencialmente em causa na questão sub judice é a apreciação que esse Centro Regional fez da conduta da interessada. Não se pretende o alargamento do prazo para requerer as prestações nem a criação de situações excepcionais que a Lei não permite, mas a apreciação daquele comportamento com vista a apurar se se subsume na previsão da norma em causa.
10. Ora, essa análise haverá que integrar, para além do mais, uma ponderação à luz dos princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade e da boa fé.
11. Na verdade, a Administração está vinculada à aplicação de tais princípios, mesmo no caso de a sua actividade comportar o exercício do poder discricionário; isto porque, a esfera da autonomia pública não se restringe ao exercício desse poder (1).
Em nenhum domínio da sua actividade – seja mais ou menos vinculada – pode a Administração escapar ao respeito dos princípios gerais que norteiam a sua actividade.
12. Na verdade, se se atentar nos argumentos expendidos por esse Centro Regional, não pode deixar de concluir-se que na apreciação efectuada não só se negligenciaram os referidos princípios como não se acautelou o respeito do princípio da boa fé.
Essa insuficiência manifesta-se, prima facie, na definição e apreciação da matéria de facto subjacente à presente questão.
13. Apresenta-se, desde logo, como contraditório ao indeferimento da prestação com fundamento na apresentação extemporânea do requerimento,o facto de a exponente se ter dirigido,tempestivamente, quer aos serviços de segurança social portugueses, quer aos serviços de segurança social franceses.
14. Com efeito, se assim foi, que razões podem explicar que a exponente tenha vindo a requerer a prestação fora do prazo legalmente previsto para o efeito?
15. De acordo com esse Centro Regional ( v. ofício nº…., de … 1996) a exponente apenas terá solicitado a emissão do modelo E 301 junto do Serviço Sub-Regional de Lisboa porquanto era sua intenção regressar a França e aí requerer a atribuição do subsídio de desemprego.
E que a exponente teria, entretanto, mudado de ideias, não tendo regressado àquele país, sendo que, quando, então, veio a requerer a prestação junto daquele Serviço Sub-Regional, já se havia esgotado o prazo previsto no art.º 37º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março.
16. No entanto, essa versão, para além de não ser suficientemente fundada nos factos, também não explica, coerentemente, o desenvolvimento da situação tal como se veio, efectivamente, a verificar.
17. Com efeito, a intenção de regressar a França, imputada à exponente, baseia-se, apenas, no facto de ela ter solicitado a emissão do modelo E 301 junto do Serviço Sub-Regional de Lisboa; ora, embora essa solicitação possa sugerir essa intenção, não constitui,no entanto,a demonstração dessa vontade.
Sendo que, como se sabe, tal regresso nunca chegou a verificar-se.
Note-se que, independentemente de se saber que esse não era o procedimento adequado à percepção em Portugal da prestação, a remessa aos serviços de segurança social franceses do modelo E 301 no próprio dia em que se verificou a deslocação da beneficiária ao Serviço Sub-Regional de Lisboa não é, também, compatível com essa intenção. No entanto, como adiante referirei, essa remessa apenas terá tido lugar por força da errada convicção da exponente de que se tornava necessária para o efeito acima referido.
18. Acresce que, também contrasta com essa versão o facto de a exponente, logo que recebeu a documentação certificativa dos períodos de trabalho prestado em França, ter requerido em Portugal a atribuição da prestação.
Na verdade, ou a exponente mudou a sua intenção exactamente na data em que recebeu esses elementos; ou, tendo-a mudado antes, fica por explicar razão porque não veio, anteriormente requerer a atribuição da prestação, ficando, pura e simplesmente, a aguardar a chegada daqueles elementos .
19. A resposta a esta questão é, no entanto, dada pela própria exponente quando afirma ter sido informada no Centro de Emprego “…que poderia requerer o subsídio de desemprego após envio do modelo E 301 …a França”.
20. Na verdade, essa afirmação da exponente sugere claramente que não estava devidamente informada quanto aos meios e vias de efectivação do seu direito. Isto é, a exponente estaria convicta de que a atribuição do subsídio de desemprego estaria dependente da remessa do modelo E 301 para França.
E, ainda que se questione a verdade dessa afirmação, o que é certo é que a mesma se apresenta como mais coerente com o desenvolvimento dos factos entretanto verificados.
21. Note-se, no entanto, que a conduta da exponente está longe de poder ser considerada negligente.
Nomeadamente, verifica-se que a exponente, nos diversos momentos relevantes no processo, desenvolveu sempre uma conduta diligente, dirigindo-se aos serviços julgados competentes logo que passou a dispor dos elementos necessários ao efeito pretendido.
22. Analisada essa conduta verifica-se, aliás, que, como adiante demonstrarei, a exponente não manifestou extemporaneamente a sua vontade de receber o subsídio de desemprego.
23. Com efeito, na carta dirigida aos serviços de segurança social franceses no dia … de 1994, a exponente refere:
” Junto remeto o documento necessário (E 301) para obter o subsídio de desemprego”.
Ao fazê-lo manifestou, expressa e inequivocamente, a vontade de receber aquela prestação.
24. E essa manifestação de vontade tem que ser considerada eficaz.
Isto porque o legislador europeu acautelou expressamente a possibilidade de os pedidos, declarações ou recursos poderem ser considerados entrados fora dos prazos legalmente previstos para o efeito, por essa entrega se ter processado junto de uma autoridade, instituição ou órgão jurisdicional correspondente de outro Estado-membro.
Com efeito, de acordo com o art.º 86º do Regulamento (CEE) nº 1408/71 acima referido, a data em que aqueles pedidos, declarações ou recursos foram apresentados a uma autoridade, instituição ou órgão jurisdicional do segundo Estado deverá ser considerada como a data da apresentação à autoridade, instituição ou órgão jurisdicional competente para decidir.
25. O espírito da norma constante no art.º 86º obriga a que, no presente caso,se deva considerar, para efeitos da atribuição do subsídio de desemprego, em Portugal, a data em que a vontade de receber o subsídio de desemprego foi manifestada, por escrito, ao organismo francês, isto é, o referido dia … de 1994.
26. Pelo que o acto de indeferimento da atribuição do subsídio de desemprego, com fundamento na apresentação do mesmo fora do prazo previsto no art.º 37º, nº 2, do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março, está afectado pelo vício de violação de Lei.
Em face do exposto, tenho por bem formular a V.Exa. a presente RECOMENDAÇÃO :
no sentido de promover a revisão do processo e revogar o acto de indeferimento da atribuição do subsídio de desemprego, com fundamento de mérito, nos termos do art.º 140º, nº1, do Código do Procedimento Administrativo.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) A doutrina tem, aliás, vindo a salientar a existência de novas dimensões de autonomia pública, desde logo, as que resultam da interpretação e aplicação da lei. E, neste domínio, não estamos somente perante os casos de utilização, pelo legislador, de cláusulas gerais ou conceitos indeterminados, mas também quando se trata simplesmente da subsunção de uma situação à previsão normativa.