Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais
R-778/98
N.º 70/A/99
1999.09.28
Área: A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – ACUMULABILIDADE DE PRESTAÇÕES – PENSÃO DE APOSENTAÇÃO – SUBSÍDIO DE DESEMPREGO – REVISÃO DO PROCESSO DE ATRIBUIÇÃO DE SUBSÍDIO SOCIAL – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

Sequência:Não Acatada.

1. Conforme referido anteriormente, a beneficiária n.º…, suscitou junto desta Provedoria de Justiça a questão da cumulabilidade das prestações de desemprego com as pensões atribuídas ao abrigo do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na sequência do indeferimento do requerimento, apresentado em 16 de Junho de 1997, através do qual solicitara a atribuição do subsídio social de desemprego subsequencial.

2. Com efeito, dado que a beneficiária é pensionista da Caixa Geral de Aposentações e tem vindo a receber uma pensão de aposentação atribuída ao abrigo do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 23/80, de 29 de Fevereiro) a sua pretensão foi indeferida com base no disposto no art.º 33º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março, então em vigor.

3. De acordo com essa norma legal, as prestações de desemprego não eram cumuláveis com prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho, nem com prestações de pré-reforma.

4. A questão que se suscitava era, pois, a da cumulabilidade entre a pensão em causa e as prestações de desemprego, pelo que se tornava necessário, antes de mais, analisar o contexto normativo então em vigor nessa matéria e saber em que medida se verificava uma aplicação simultânea de diferentes leis a um mesmo risco social, protegido por diversos regimes do mesmo sistema ou de diferentes sistemas de protecção social.

5. Essa análise não pode, no entanto, restringir-se ao disposto no supra referido art.º 33º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março.
Com efeito, nela haverá que ter em conta, também, a natureza das pensões em causa, bem como as normas relativas à cumulabilidade das mesmas, insertas no próprio Decreto-Lei nº 362/78, como, ainda, os princípios orientadores estabelecidos no art.º 15º da Lei de Bases da Segurança Social quanto à matéria.

6. Começando por estes últimos, verifica-se que o art.º 15 dessa Lei integra três princípios orientadores:
-de acordo com o primeiro, verifica-se a impossibilidade da cumulação de prestações emergentes do mesmo facto ou contingência, desde que se reportem ao mesmo interesse protegido;
-de acordo com o segundo, as prestações emergentes de diferentes eventualidades têm o seu regime de acumulação regulado em cada caso, isto é, na legislação relativa a cada uma delas, dependendo de vários factores a consideração da existência ou não de interesses diferentes a proteger;
-finalmente, de acordo com o terceiro princípio, podem ser tomadas em conta prestações concedidas por outros regimes de segurança social, quer nacionais, quer estrangeiros.

7. Atento o primeiro desses princípios, cumpre, pois, avaliar em que medida, no caso concreto, se está em presença de prestações emergentes do mesmo facto ou contingência.

8. As pensões de aposentação em causa foram atribuídas aos funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas que contassem cinco anos de serviço e houvessem efectuado descontos para aquele efeito, ainda que não fossem já subscritores na data da independência do território em que estavam colocados.

9. Verifica-se, pois, que a atribuição dessas pensões resulta da verificação de três requisitos:
– o primeiro, de que se tratasse de funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas;
– o segundo, de que esses funcionários ou agentes contassem cinco anos de serviço;
– finalmente, o terceiro, de que houvessem efectuado descontos para efeitos de aposentação.

10. A atribuição das prestações em causa não se encontra, pois, condicionada pela verificação de factos ou eventualidades como a velhice ou a invalidez, nem mesmo o desemprego involuntário.
Nessa medida, não pode deixar de concluir-se que a impossibilidade de acumulação das pensões atribuídas ao abrigo do Decreto-Lei nº 362/78 não resulta do primeiro dos princípios acima referidos.

11. Importa, pois, avaliar em que medida essa impossibilidade resulta do segundo daqueles princípios, de acordo com o qual a possibilidade de cumulação das prestações emergentes de diferentes eventualidades haverá que ser aferida face ao regime de acumulação previsto na legislação relativa a cada uma delas.

12. Ora , o regime de cumulação previsto no Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, apenas afasta, à partida, a possibilidade de acumulação quanto às pensões atribuídas ao abrigo do respectivo artº 4º, nº 1.
Tal não acontece, no entanto, quanto às pensões atribuídas ao abrigo do seu art.º 1º, nº 1, que foi o caso da exponente.

13. Significa isto que essas pensões podem ser acumuladas com outras prestações, salvo quando essa impossibilidade resultar do regime da prestação com a qual, em concreto, se suscitar a questão da cumulação.

14. Ora, no caso concreto, a questão suscitou-se quanto às prestações de desemprego, pelo que, a possibilidade de cumulação há que ser aferida face ao disposto no art.º 33º do Decreto-Lei nº 79-A/89, de 13 de Março. De acordo com essa norma, as prestações de desemprego não são acumuláveis com outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho nem com prestações de pré-reforma.

15. Assim sendo e dado que as pensões em causa não são confundíveis com prestações de pré-reforma, a questão inicialmente colocada restringe-se à necessidade de determinar se a pensão recebida pela reclamante se consiste numa prestação cuja natureza é compensatória da falta de remuneração do trabalho.

16. Nessa apreciação importa, antes de mais, recordar o contexto histórico em que foi decidido adoptar a medida legislativa que veio estabelecer a possibilidade de atribuição das pensões em causa.

17. Esse momento coincidiu com o período imediatamente subsequente à fase final do processo de descolonização, durante o qual, como se sabe, se verificou o regresso a Portugal de um número muito significativo de pessoas vindas das antigas colónias portuguesas.
Essas pessoas para além de se encontrarem, muitas vezes, em precária situação económica, estavam, na maior parte dos casos, socialmente desinseridas.
Tornou-se, pois, necessário dar resposta às necessidades que resultavam desses défices, sendo que, a reintegração sócio económica dessas pessoas constituiu o objectivo essencial a atingir, conforme, aliás, reconhece expressamente o legislador no preâmbulo do DL 210/90, de 27 de Junho que veio revogar o Decreto-Lei nº 363/86, de 30.10, ao referir que se tratou de “uma medida de carácter temporário e excepcional, destinada a acudir a situações de carência decorrentes da descolonização”.

18. Faço, aliás, notar a Vossa Excelência que o próprio Supremo Tribunal Administrativo reconhece, no Acórdão de 3 de Julho de 1997, a excepcionalidade desse regime, referindo:
“Com aquele regime quis notoriamente o legislador dar àqueles funcionários da ex-administração ultramarina, que, apesar de terem servido o Estado Português durante um período de tempo considerado relevante e de terem feito descontos para a aposentação, mas com acesso legalmente vedado ao quadro geral de adidos, a possibilidade de obterem uma pensão de aposentação com regime especial e excepcional, e algum modo reparadora de situações de desprotecção social e desigualdade derivadas da descolonização.” (1).

19. É, aliás, essa excepcionalidade, reportada a situações de carência e não apenas a uma mera perda de capacidade de ganho, que permite explicar a excepcionalidade da concepção, estrutura e objectivos dessas prestações quando comparadas com outras prestações consagradas no ordenamento jurídico da segurança social.

20. Com efeito, as prestações em causa não vieram dar resposta às eventualidades que, no âmbito dos diversos regimes de segurança social, fundamentam tipicamente a atribuição das pensões de reforma/aposentação, isto é, a velhice ou a invalidez.
Ao contrário destas, em que se visa assegurar a protecção face a eventualidades que se constituem como fortes condicionantes da continuação do exercício de uma actividade profissional ou, mesmo, o seu final, as pensões em causa, ao serem atribuídas a quem apenas exerceu a sua actividade durante, pelo menos, cinco anos e sem que essa atribuição esteja dependente de nenhuma eventualidade daquele tipo, assentam, necessariamente, num pressuposto diferente.

21. Na verdade a situação subjacente à atribuição destas pensões é totalmente diferente da situação referenciada no ofício desse Gabinete nº …, porque não pode ser reconduzida a uma “…cessação do exercício de funções com a consequente perda de ganho”, nem a acumulação desta pensão com o exercício de uma actividade profissional pode fundamentar-se “…como pagamento de exercício de capacidades remanescentes…”

22. É, pois, essencial compreender que neste caso não se está perante uma situação típica de aposentação em que se verifique uma mera cessação de funções e a consequente perda de ganho.
Recorrendo, mais uma vez, ao Acórdão do S.T.A. atrás citado, veja-se que nele se refere expressamente que “tratando-se de um regime especial, só são aplicáveis as normas do regime geral para que expressamente remete e eventualmente outras que com ele não se mostrem incompatíveis.”

23. Não está, igualmente, em causa uma compensação cujo objectivo se prenda com a protecção na eventualidade desemprego.
Isto porque, para além do diploma que instituiu as prestações não fazer especificamente referência a essa eventualidade, sendo irrelevante que os beneficiários estivessem ou não a exercer uma actividade remunerada, o regime então consagrado quanto à respectiva atribuição é estruturalmente diverso do aplicável às situações de desemprego.

24. Atenta a letra da lei, bem como os outros elementos interpretativos, não é permitido ao intérprete reconduzir a uma razão simples a fundamentação que presidiu à atribuição das prestações em causa.
A situação que, então, se apresentava ao legislador era, pelo contrário, bastante complexa, sendo igualmente múltiplas e complexas as razões a que importava obviar, sendo esse contexto que se constitui como impedimento da identificação como único ou principal objectivo do legislador a consagração de uma mera compensação da perda de remuneração de trabalho.

25. É, também por força desse contexto que não é sustentável a impossibilidade de cumulação das pensões com as prestações de desemprego em razão da matéria ou da eventualidade.

26. Acresce que, para além disso, sustentar-se a inacumulabilidade das prestações em causa seria admitir que a beneficiária estava simultaneamente obrigada a pagar a protecção relativa a uma eventualidade e impedida de dela beneficiar.

27. Com efeito, a beneficiária, durante o período compreendido entre Junho de 1986 e Abril de 1993, esteve enquadrada no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, tendo a obrigação contributiva efectivamente preenchida pela reclamante abrangido a protecção no desemprego.
O regime de inacumulabilidade em causa é, pois, na terminologia utilizada pelo julgador, incompatível com o regime das pensões em causa.

28. Essa situação é, aliás, tanto ou mais injusta que, conforme é referido no ofício desse Gabinete nº …, o legislador sentiu a necessidade de introduzir no Decreto-Lei nº 199/99, de 8 de Junho, a possibilidade de pagamento das contribuições com base em taxas reduzidas.

29. Diga-se, aliás, que, como é certamente do conhecimento de Vossa Excelência, a questão da cumulabilidade das prestações em causa foi já debatida no âmbito de uma reunião havida entre representantes desse Gabinete e desta Provedoria, no dia 22 do passado mês de Fevereiro.
Nessas oportunidade, foi, desde logo, manifestado pelos representantes desta Provedoria que se tornava necessário clarificar o regime em vigor, que razões de justiça aconselhavam, de jure condendo, a adopção de um regime moderado pela possibilidade de os beneficiários optarem por uma das duas prestações ou pela possibilidade de o valor das pensões ser deduzido no valor das prestações de desemprego a que os beneficiários tivessem, eventualmente, direito.
De acordo com o então informado, esta possibilidade iria ser colocada à consideração de Vossa Excelência.

30. No entanto, veio a verificar-se que a norma introduzida quanto à matéria no Decreto-Lei nº 119/99, de 14 de Abril, embora tenha, de facto, procedido à clarificação que se impunha, fê-lo pela negativa, isto é, afastou definitivamente a possibilidade de cumulação das pensões com as prestações de desemprego.

31. Ora, conforme resulta das razões anteriormente aduzidas, da aplicação deste regime, sem mais, resultam situações manifestamente injustas, sendo a introdução da possibilidade da aplicação de taxas reduzidas aos pensionistas o reconhecimento evidente de que se torna necessário evitar os efeitos perversos resultantes de uma obrigação contributiva para qual, à partida, não existe qualquer contrapartida específica.

32. No entanto, ainda que, ao contrário do ora sustentado, se entender que se verifica uma situação de dupla protecção, haverá, pelo menos, que evitar os efeitos manifestamente perversos da aplicação, sem mais, do actual regime de acumulação.
Com efeito, não existe qualquer razão de interesse público que obste à solução anteriormente apresentada como forma de evitar esses efeitos perversos, admitindo-se, nestes casos, a possibilidade de ao valor da prestação de desemprego ser deduzido o valor da pensão, ou, simplesmente, admitir a possibilidade de o beneficiário optar por uma ou outra prestação. Saliente-se que as pensões em causa foram atribuídas há muito tempo com base em pouco tempo de serviço (exactamente porque não eram verdadeiras pensões de velhice) pelo que o seu valor é reduzido.
1. Em face do exposto,

RECOMENDO a Vossa Excelência:
a) que transmita aos Serviços Regionais de Segurança Social as orientações que viabilizem a revisão do processo de atribuição do subsídio social de desemprego subsequencial à beneficiária;
b) a introdução de uma alteração legislativa que venha prever a possibilidade de o valor das pensões atribuídas ao abrigo do art.º 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, serem deduzidas ao valor das prestações de desemprego a que os beneficiários eventualmente tenham direito.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1) O sublinhado é nosso.