Presidente do Júri Nacional de Exames
R-3766/99
N. º 77/A/99
1999.11.03
Área:A3
Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – EXAME – 12º ANO – RECLAMAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO – REVOGAÇÃO – RECTIFICAÇÃO.
Sequência:Não Acatada.
1. Como é do conhecimento de V. Ex.ª, foram-me apresentadas reclamações por parte das alunas A. e B, que contestam a revogação dos despachos que haviam decidido favoravelmente as reclamações por si apresentadas no âmbito da prova em epígrafe. Tais revogações tiveram por fundamento o facto de o professor especialista que reapreciou as provas não ter seguido as instruções de correcção e classificação emanadas do Gabinete de Avaliação Educativa (GAVE), relativamente a uma das questões colocadas no exame.
2. Entendeu V. Ex.ª que a apreciação da reclamação assim realizada constituía um acto ilegal porquanto, “de acordo com os normativos que regulam os exames nacionais do ensino secundário, os critérios do GAVE têm de ser obrigatoriamente cumpridos por todos os intervenientes no processo”.
Nesse contexto, foram os actos considerados anuláveis, nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, ocorrendo a sua revogação ao abrigo dos artigos 141.º, n.º 1 e 142, n.º 1 do mesmo diploma.
3. Entendo, no entanto, que a actuação descrita não pode deixar de se considerar incorrecta, atendendo às considerações que passo a enunciar. Antes, porém, importa esclarecer que o problema apenas se coloca neste momento relativamente à aluna A (que não foi colocada no curso de Medicina por dois pontos), já que a aluna B foi colocada no curso que representava a sua primeira preferência.
4. O acto inválido por violação de Lei é aquele que surge desconforme a um comando legal em relação ao qual o mesmo esteja subordinado.
Pressupõe, portanto, a existência de uma norma jurídica aplicável no caso concreto, que vincule a Administração, a qual conformará a sua actuação ao teor da norma em causa.
Tais normas deverão, naturalmente, constar de instrumento adequado, de modo a poderem ser conhecidas dos seus destinatários, criando neles a convicção de obrigatoriedade relativamente ao seu acatamento.
5. Ora, no quadro normativo que rege a realização de exames do ensino secundário, em lado algum se refere que os critérios do GAVE são vinculativos para os correctores das provas nem delas resulta que a sua observância constitui requisito de legalidade na correcção das provas. De igual modo, a Lei não remete para quaisquer critérios a elaborar por algumas das entidades responsáveis no processo de avaliação dos alunos do secundário.
Podendo fazê-lo, o legislador optou por não adoptar um regime de padronização geral e necessário dos critérios de correcção, aos quais se devessem ater todas as correcções realizadas.
Assim sendo, os critérios do GAVE revestem, à luz das normas aplicáveis, carácter meramente indicativo, cuja inobservância por parte dos correctores não gera, por si só, qualquer irregularidade da correcção realizada nem, desta forma, a invalidade do acto que a homologue.
6.Repare-se que os professores correctores não poderão naturalmente usar de arbitrariedade ou discriminação nas avaliações que realizarem, sendo antes exigível que desempenham a sua função com o rigor e a isenção devidos.
Mas isso não quer dizer que se tenham de conformar necessariamente aos critérios do GAVE, os quais, como se disse, surgem com carácter facultativo e orientador.
Assim, e não sendo apontadas outras circunstâncias passíveis de gerar qualquer outro vício nas classificações em apreço, as mesmas serão válidas e legítimas à luz do enquadramento legal aplicável, sendo igualmente válidos os subsequentes deferimentos das reclamações, emitidos ao abrigo do ponto 44.4 do Regulamento dos Exames.
7. Saliente-se que os critérios de correcção, porque dotados de eficácia meramente interna, não chegam a integrar o bloco de legalidade que está ínsito no princípio da conformação dos actos ao Direito. Com efeito, tais directrizes reflectem-se apenas nas classificações que os correctores irão atribuir às provas, sendo que estas classificações mais não são do que meros pareceres técnicos, sobre os quais incidirá posteriormente um acto de homologação do presidente do Júri Nacional de Exames.
8. Do exposto se conclui, pois, que o fundamento invocado por V. Ex.ª para a revogação em causa é, essencialmente, de mérito.
Esta conclusão torna-se mais evidente se atentarmos na natureza do juízo que está subjacente àquela decisão. Assim, na correcção das provas, o dever de boa administração impõe que se prossigam dois objectivos: por um lado que a classificação obedeça a critérios cientificamente válidos e, por outro, que se garanta a máxima uniformização dos procedimentos de avaliação. Ora, quer um quer outro destes princípios – que poderão por vezes colidir -, configuram diferentes facetas do interesse público em presença, pelo que a opção em concreto por um deles corresponde ao exercício do dever de boa administração. O controlo deste exercício faz-se não no domínio da legalidade mas do mérito.
9.Como se sabe, o Código do Procedimento Administrativo diferencia o regime de revogabilidade dos actos administrativos, conforme estes sejam válidos ou inválidos.
No primeiro caso, condiciona-se a admissibilidade da revogação à manutenção dos direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 140, n.º 1, alínea a).
No caso vertente, o acto que deferiu a reclamação das alunas veio elevar a classificação final do exame e, consequentemente, a respectiva média de acesso ao ensino superior das alunas.
A sua revogação, nos termos em que tomou lugar, não foi pois legítima, por contrariar o disposto no já referido artigo 140.º, n.º 1, alínea b).
10. O Provedor de Justiça não é insensível às preocupações de justiça e equidade que se colocam a este respeito, designadamente no que respeita à necessidade de, nos exames nacionais, os alunos serem avaliados com critérios tão uniformes quanto possível.
Essa preocupação não deverá, no entanto e antes de mais, justificar a adopção de procedimentos contrários à Lei. Por outro lado, entendo ser a todos os títulos desejável que qualquer rectificação a fazer neste contexto salvaguarde, na medida do possível, as legítimas expectativas dos alunos, situação que aqui manifestamente não sucedeu, tanto mais que o acto revogado (aliás, sem qualquer aviso) foi praticado pelo órgão máximo com competência nesta matéria, facto que justificaria nas alunas acrescida convicção na sua manutenção.
Atento o exposto, e ao abrigo dos poderes que me são legalmente pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Provedor de Justiça, contido na Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO
a V. Ex.ª que seja retomado o acto que deferiu a reclamação apresentada pelas alunas ao abrigo do ponto 44.4. do Regulamento de Exames, revogando-se o acto que revogou este deferimento.
Deste facto deverá ser dado conhecimento à Direcção dos Serviços de Acesso ao Ensino Superior, a fim de esta proceder à devida rectificação da situação de concurso das alunas.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel