Primeiro-Ministro
Número: 19/A/99
Processo: 3979/97
Data: 22.03.1999
Área: Açores
Assunto: ESTRANGEIROS – DUPLA NACIONALIDADE – ACORDO DE COOPERAÇÃO E DEFESA – PORTUGAL-EUA – CONTRATO DE TRABALHO
Sequência: Sem Resposta
I – Introdução
Foi recebida na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores uma reclamação relativa à não contratação pelas USFORAZORES de cidadãos portugueses nascidos nos Estados Unidos da América. Motivou a queixa o entendimento das forças norte-americanas estacionadas na Base das Lajes, nos Açores, segundo o qual os cidadãos detentores de dupla nacionalidade (portuguesa e americana) não estão em condições de celebrar contratos de trabalho com as USFORAZORES, em virtude do Acordo Laboral apenas permitir a contratação de “trabalhadores portugueses”.
No âmbito da instrução do processo aberto na Provedoria de Justiça foram ouvidas a Comissão Laboral criada pelo Acordo da Base das Lajes, a qual não expressou qualquer entendimento relativamente à matéria em apreço, e a Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional do Ministério da Defesa, que remeteu a este Órgão do Estado uma informação do senhor Director do Departamento de Estudos e Coordenação na qual o senhor Director-Geral de Política de Defesa Nacional exarou despacho, e um parecer jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Acrescidamente, o Gabinete de Sua Excelência o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, a coberto do ofício nº 1780, de 05/02/99, expressou a posição respectiva sobre a questão em análise.
A informação do senhor Director do Departamento de Estudos e Coordenação da Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional do Ministério da Defesa conclui, após diversas considerações relativamente às circunstâncias explicativas da posição das USFORAZORES, “(…) haver todo o interesse em submeter o (…) assunto à apreciação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Direcção-Geral das Relações Bilaterais)” em especial atendendo ao facto de “(…) que a questão não se esgota nos seus aspectos jurídico-laborais”.
O senhor Director-Geral de Política de Defesa Nacional exarou despacho de concordância “(…) com o desejável envolvimento do MNE/DGRB (…)”.
O supra mencionado parecer jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros resultou de solicitação da Direcção de Serviços da América do Norte da Direcção-Geral das Relações Bilaterais e pronunciou-se “(…) sobre a interpretação das normas do acordo laboral no tocante à sua aplicabilidade ou não às relações de trabalho constituídas entre as Forças Armadas dos Estados Unidos da América nos Açores e os trabalhadores luso-americanos” .
Afirma este estudo, entre outras conclusões, que “as pessoas com dupla nacionalidade portuguesa e americana, em Portugal são consideradas portuguesas, só esta nacionalidade relevando perante as autoridades portuguesas. Por isso, todos os sujeitos de direito interno português, designadamente as USFORAZORES, que para o efeito são entidades privadas, têm de reconhecer esses cidadãos portugueses como tal, porque o são segundo o direito territorialmente aplicável”.
A posição do Estado-Maior da Força Aérea, aparece sintetizada em três parágrafos do mencionado ofício:
“Os contratos de trabalho a celebrar ocorrem em Portugal e, para além de sujeitos ao regime previsto nos Acordos (nomeadamente o Acordo Laboral), estão também sujeitos às normas internas sobre matéria laboral. Outras normas, que não tenham estas origens, não podem ser consideradas.
Por outro lado, apesar dos cidadãos em causa terem outra nacionalidade – situação reconhecida pacificamente por Portugal -, não deixam de ser portugueses e por isso devem ter o mesmo tratamento que os demais.
A (…) expressão “trabalhadores portugueses” é entendida como todos aqueles que, face à Lei portuguesa, são considerados cidadãos nacionais (artº 27º da Lei nº 37/81, de 03OUT)”.
Não deve deixar de se anotar, nesta fase da análise, a argumentação da parte norte-americana chegada à Provedoria de Justiça através de cópia de ofício do Comando das Forças dos Estados Unidos nos Açores, apresentado em anexo à já referida comunicação do Gabinete do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea.
A leitura do ofício dirigido ao Comando Aéreo dos Açores permite ir extraindo algumas das motivações da posição das entidades militares norte-americanas. A dado passo é afirmado que “the primary reason why USFORAZORES may not employ local nationals, who also possess U.S. citizenship, in local national positions is that the United States does not recognize dual citizenship. If an individual possesses U.S. citizenship and is also a citizen of another country, the United States must consider them only to be a citizen of the United States”.
Mas a matéria em análise não só não se afigura nova para as autoridades norte-americanas como aparece regulada por normativo invocado no ofício que tenho vindo a referir. Com efeito é afirmado, adiante, que “the applicable regulation in this case is the Air Force Supplement to the Federal Personnel Manual (…) which states, “Some countries recognize dual citizenship but the U.S. government does not. There is no authority to hire a U.S. citizen as a local national because such employment is not exempt from U.S. employment and pay laws and implementing regulations. Where a U.S. citizen is employed unknowingly as a local national and later makes known his or her U.S. citizenship, the employment must be terminated promptly because the employee is serving under unauthorized appointment””.
Seguidamente, conclui o mesmo ofício, referindo-se a duas situações de dupla nacionalidade e à forma anteriormente encontrada para solucionar as dificuldades em empregar cidadãos nestas condições, que “in one case matter was resolved by the individual renouncing their U.S. citizenship. This is certainly one possible solution. In the other case, the position was converted to a U.S. citizen position (…). This in not an appropriate solution because it would negatively affect Portuguese nationals by decreasing the number of Portuguese positions available”.
II – Exposição de Motivos
Apresentada a matéria objecto da presente análise, e sintetizadas as posições em confronto, importa enquadrar juridicamente a questão para tentar buscar uma solução justa, sem descurar a conformidade com os princípios e normas do ordenamento jurídico português. O problema em análise é, pois, o da inscrição, no processo de recrutamento resultante do Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, de cidadãos detentores de dupla nacionalidade portuguesa e norte-americana.
O Decreto do Presidente da República nº 72/95, de 11 de Outubro, ratificou o Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, o Acordo Técnico e o Acordo Laboral, assinados em Lisboa em 1 de Junho de 1995, e aprovados para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 38/95, de 21 de Junho de 1995.
Dispõe o nº 2 do artigo IV, do Acordo de Cooperação e Defesa que “os termos da contratação de cidadãos portugueses pelas Forças dos Estados Unidos da América estacionadas na Região Autónoma dos Açores são regulados pelo Acordo Laboral (…)”. O artigo 1º do Acordo Laboral prevê que, conjuntamente com a disciplina contida neste, a regulação das relações de emprego entre as USFORAZORES e os trabalhadores portugueses seja feita nos termos Regulamento do Trabalho. O Decreto nº 58/97, de 15 de Outubro, aprovou este regulamento.
Conforme é estatuído no artigo 7º do Acordo Laboral, a Secção de Recrutamento de Pessoal Civil (SRPC) instrui os processos de candidatura dos cidadãos portugueses que, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 6º do mesmo Acordo, pretendam celebrar contrato de trabalho com as USFORAZORES, pelo que é naquele serviço que os candidatos devem proceder à sua inscrição (artigo 22º, nº 1, do Regulamento do Trabalho). A Secção de Recrutamento de Pessoal Civil convoca, então, os candidatos ao CPF [ou seja, ao Escritório do Pessoal Civil das USFORAZORES [artigo 12º, nº 1, também do Regulamento do Trabalho)], e fornece uma lista, também ao CPF, de todos candidatos disponíveis que satisfaçam as exigências da função (artigo 23º, nº 3, do mesmo Regulamento). Seguidamente, o pessoal escolhido apresenta-se ao CPF para marcação de exames médicos e testes (artigo 31º, nº 1, ainda do Regulamento que tenho vindo a referir), o qual organiza as propostas individuais de admissão que são enviadas para a Secção de Recrutamento de Pessoal Civil para finalização do processo (artigo 31º, nº 2, igualmente do Regulamento do Trabalho).
A regulamentação do procedimento que acabo de expor sucintamente não inclui nenhuma restrição relativamente à admissão dos candidatos portugueses – designadamente atendendo à condição dos portugueses também cidadãos de outro Estado. Mas, a par desta constatação essencial, deve ter-se presente a disposição contida no artigo 5º do Acordo Laboral. A norma em causa dispõe assim:
Artigo 5º
Postos de trabalho
As USFORAZORES não colocarão cidadãos dos Estados Unidos da América, quer a tempo inteiro que em part-time, em postos de trabalho anteriormente ocupados por trabalhadores portugueses apenas com a finalidade de evitar o recrutamento e colocação destes últimos,excepto se não houver candidatos portugueses convocados devidamente qualificados.
É bom de ver que a disposição citada tem uma redacção, para dizer o mínimo, ambígua. Ao proibir que as USFORAZORES contratem cidadãos norte-americanos “apenas com a finalidade de evitar o recrutamento e colocação” dos trabalhadores portugueses, poder-se-iam encontrar razões para defender que a celebração daqueles contratos de trabalho seria permitida se a sua finalidade não fosse exclusivamente o evitar o recrutamento e colocação de cidadãos portugueses. Logo, a redacção da disposição permitiria concluir que as USFORAZORES poderiam contratar trabalhadores norte-americanos com a finalidade, desde que não exclusiva, de evitar o recrutamento e colocação de cidadãos portugueses. Como é fácil de ver, o argumento literal não é, por si só, decisivo.
Com efeito, resulta com nitidez que não foi esta a intenção das partes contratantes. Mais: a finalidade da norma em apreço, ainda que imperfeitamente expressa na letra do artigo 5º, é obviamente a protecção dos cidadãos portugueses, em especial dos residentes na ilha Terceira . Por agora justifica-se mais concluir que, pese embora haver sido consagrado um regime de protecção ao trabalhador português, não foi prevista a situação de candidatura de cidadãos com dupla nacionalidade portuguesa e norte-americana.
A doutrina qualifica o indivíduo, no caso em que “mais de um Estado [o considera] como integrado no respectivo património humano”, como “plurinacional” . E os autores cujos estudos incidem nestas questões reconhecem que esta ocorrência, em que “o indivíduo aparece vinculado a uma dupla dependência estadual (…)”, pode “em certos casos provocar situações de compatibilidade difícil e delicadas questões de conflitos de deveres”.
Não querendo problematizar a questão da pertinência do fenómeno da plurinacionalidade – discussão que não faz sentido nesta sede -, não posso deixar de concordar com aqueles que vêem na dupla nacionalidade “o reconhecimento de uma realidade: a da pluralidade de ligações de um mesmo indivíduo a várias culturas nacionais” .
Serve esta constatação para afastar in limine a possibilidade do conflito positivo de nacionalidades ser resolvido com recurso à renúncia de uma das nacionalidades (que, no caso em apreço e tendo em vista a pretendida obtenção de emprego, corresponderia à perda da nacionalidade norte-americana). A hipótese, exposta ainda que com reservas no supra mencionado ofício do Comando das Forças dos Estados Unidos nos Açores, deve ser rejeitada em absoluto, até porque corresponde, não à resolução do problema, mas à sua negação: solucionar a questão da dupla nacionalidade através da transformação do facto que lhe está subjacente numa situação de uma só nacionalidade significaria negar o reconhecimento jurídico da ligação efectiva às duas comunidades nacionais.
É certo que o ordenamento jurídico português encontra solução para o conflito entre a nacionalidade portuguesa e a estrangeira mediante o disposto no artigo 27º, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade). Rememore-se o preceito:
Artigo 27º
Conflitos de nacionalidade portuguesa e estrangeira
Se alguém tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for portuguesa, só esta releva face à Lei portuguesa.
Todavia, as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores (USFORAZORES) e os trabalhadores portugueses são reguladas nos termos do Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, e não pelo direito ordinário português (seja o da nacionalidade, seja o laboral, ou seja qualquer outro). Em concreto, o regime jurídico aplicável ao recrutamento de trabalhadores, à celebração de contratos de trabalho, à classificação profissional, à remuneração, e aos demais aspectos da relação laboral vem previsto no Acordo Laboral e no Regulamento do Trabalho .
Do mesmo passo, os aspectos relativos à utilização de instalações, ao trânsito de aviões militares e ao estacionamento de pessoal militar e civil dos Estados Unidos da América são disciplinados no Acordo Técnico afastando-se, desse modo, o funcionamento das normais disposições legais que resultariam da plena soberania e do controlo sobre o território, o mar territorial e o espaço aéreo português.
Esta especificidade de regime aplicável resulta do disposto no artigo 8º da Constituição da República Portuguesa e, em especial, do nº 2 que estabelece a recepção automática das normas de direito internacional público convencional internacionalmente vinculativas do Estado Português. O Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, o Acordo Técnico e o Acordo Laboral vigoram na ordem jurídica interna portuguesa como se de disposições de direito interno se tratassem.
Sendo certo que a doutrina discute a questão da primazia do direito internacional público (convencional) sobre o direito ordinário interno , igualmente pacífico é que “as normas de DIP vigoram na ordem interna com a mesma relevância das normas de direito interno, desde logo quanto à subordinação hierárquica à Constituição – sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da Constituição ou os seus princípios (…)” .
Faz sentido, pois, confrontar as disposições do Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, do Acordo Técnico e do Acordo Laboral com as normas da Constituição. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA fazem notar que na “(…) matéria de fiscalização da constitucionalidade, a Constituição não faz distinções, pelo que caem na sua alçada todas as convenções internacionais (…)” , e concluem que “(…) a Constituição prevalece sobre o DIP” .
O direito ao trabalho (artigo 58º, nº 1, da Constituição), “o primeiro dos direitos económicos, social e culturais” , pese embora não conferir um direito subjectivo de obtenção de um particular posto de trabalho, não deixa de configurar “um direito positivo” nos termos do qual os cidadãos esperam do Estado a garantia da sua efectivação. Acresce a indissociável ligação do trabalho (ou do emprego) à garantia de uma dignidade humana que cabe ao Estado não só garantir como efectivar. E, enquanto direito à sobrevivência, o direito ao trabalho integra o conteúdo do próprio direito à vida.
A conclusão não pode deixar de ser só uma: atendendo à definição constitucional de cidadania portuguesa (artigo 4º) não é legítima a restrição do exercício do direito ao trabalho aos cidadãos portugueses fundada na detenção simultânea da nacionalidade americana. Esta diferenciação de tratamento jurídico apresenta-se contrária à dignidade humana e incompatível com o princípio do Estado de direito democrático. Neste sentido, a dupla nacionalidade constitui um factor de discriminação ilegítimo pelo que a diferenciação de tratamento dos cidadãos portugueses por ela motivada é ilícita e ofensiva do princípio da igualdade (artigo 13º).
Os preceitos do Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, do Acordo Técnico e do Acordo Laboral não podem deixar de ser lidos à luz do que acabei de deixar exposto. E decorre daqui que a circunstância de não ter sido autonomizada a posição jurídica dos cidadãos detentores de dupla nacionalidade resultou da absoluta irrelevância, em termos de capacidade de gozo de direitos, que tal situação assume no ordenamento jurídico português: cidadãos portugueses são todos aqueles como tal reconhecidos pela Lei portuguesa.
Subsiste, no entanto, a invocada impossibilidade das autoridades norte-americanas em considerar como portugueses cidadãos que sejam, ao mesmo tempo, seus nacionais.
O ordenamento jurídico português encontra-se em posição privilegiada para compreender a recusa norte-americana em contratar cidadãos com (também) a nacionalidade americana. Afinal, tal circunstância resulta de entendimento próximo do expendido no artigo 27º da Lei portuguesa da nacionalidade: se alguém tiver duas ou mais nacionalidades só a norte-americana releva perante as respectivas entidades americanas. A supressão deve ser obtida, então, mediante o Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, e do Acordo Laboral.
Versando a questão dos conflitos relativos à situação dos trabalhadores foi consagrado no Acordo Laboral o artigo 15º, que é do seguinte teor:
Artigo 15º
Resolução de conflitos
1. Para além da execução das disposições constantes do presente Acordo e do Regulamento do Trabalho, o processo de intervenção a vários níveis previsto no artigo 2º será também observado para a resolução de conflitos que envolvam reclamações de trabalhadores.
2. A aplicação deste mecanismo deverá ser realizada, de modo a salvaguardar a soberania, os sistemas constitucional e legal de cada uma das Partes e os direitos dos respectivos cidadãos.
3. No caso de todas as medidas disponíveis no âmbito dos três níveis do processo bilateral se encontrarem esgotadas sem que tenha sido alcançada uma resolução para um conflito laboral concreto, e caso tal venha a ser posteriormente objecto de contestação por parte de um trabalhador português da qual resulte uma sentença judicial, Portugal e os Estados Unidos da América, sem intenção de proceder à reapreciação daquela sentença, reconhecem que esta situação constituiria uma questão para resolução entre os dois países, enquanto Estados soberanos, no quadro da comissão bilateral permanente.
Recordo o teor do artigo 27º do Acordo Laboral que estabelece o sistema de três níveis de intervenção:
Artigo 2º
Relações Funcionais
1. Na aplicação das normas do presente Acordo e do Regulamento do Trabalho, e tendo em vista contribuir para o desenvolvimento de um bom relacionamento laboral, são considerados os seguintes níveis de intervenção:
a) Primeiro nível – comandante da Base Aérea nº 4/comandante das USFORAZORES;
b) Segundo nível – comissão laboral;
c) Terceiro nível – comissão bilateral permanente, estabelecida pelo artigo III do Acordo de Cooperação e Defesa.
2 – Ambas as Partes, em cada nível, utilizarão todas as possibilidades destas relações funcionais de moda mais efectivo possível, por forma que o maior número de assuntos possa ser resolvido ao nível mais baixo possível.
Justifica-se, igualmente, a transcrição da parte relevante para o presente estudo do preceito relativo à comissão bilateral permanente, o qual consta do artigo III do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América:
Artigo III
Comissão bilateral permanente
1. As Partes decidem criar uma comissão bilateral permanente (adiante designada Comissão), com vista à promoção da execução do presente Acordo e da cooperação entre os seus dois países, de acordo com as disposições legais aplicáveis das duas Partes.
2. A Comissão será constituída por um número idêntico de altos funcionários governamentais designados por cada uma das Partes (…).
3. A Comissão reunirá semestralmente e sempre que necessário (…).
Parece-me seguro concluir que a questão da recusa de inscrição, no processo de recrutamento resultante do Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, de cidadãos detentores de dupla nacionalidade portuguesa e norte-americana deveria ter sido incluída na agenda da comissão bilateral permanente . A situação de incerteza em que vivem os cidadãos plurinacionais interessados – que na prática corresponde à inviabilidade da titularidade do direito ao trabalho – deve ser feita cessar por iniciativa da Parte portuguesa, atendendo a que a prática da não aceitação de candidatos com a nacionalidade portuguesa fere o ordenamento jurídico-constitucional português nos termos referidos.
Acresce que, como deixei exposto e na decorrência do princípio da subordinação hierárquica à Constituição, tenho por inconstitucional, por violação das disposições constantes dos artigos 4º, 13º e 58º da Constituição, a interpretação do artigo 5º do Acordo Laboral no sentido de excluir do conceito de trabalhadores portugueses os cidadãos detentores de dupla nacionalidade portuguesa e americana.
III
Conclusões
Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO
A. Que, com urgência, Portugal, enquanto Parte no Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, apresente para resolução na comissão bilateral permanente a questão da contratação de cidadãos portugueses detentores de dupla nacionalidade portuguesa e norte-americana;
B. Que a Parte portuguesa faça notar a inconstitucionalidade, por violação das disposições constantes dos artigos 4º, 13º e 58º da Constituição, da interpretação do Acordo Laboral que exclui do conceito de trabalhadores portugueses os cidadãos detentores de dupla nacionalidade portuguesa e americana.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENERES PIMENTEL