Presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra
Número: 30/A/99
Processo:585/97
Data: 24.09.1999
Área: A2

Assunto: CONSUMIDORES – ÁGUA – FORNECIMENTO – ÁGUAS RESIDUAIS – TRATAMENTO – TARIFA – DIREITO A QUITAÇÃO PARCIAL

Sequência: Não Acatada

1. O Senhor… apresentou queixa junto deste Órgão do Estado contra os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra, por estes lhe exigirem, conjuntamente com a tarifa relativa ao consumo de água, o pagamento da tarifa de tratamento de águas residuais, imposição que considera abusiva, pois a casa de que é proprietário não só não se encontra ligada à rede pública de esgotos, como dispõe de uma fossa séptica, que, aliás, nunca foi despejada.

2. Acrescentava ainda o queixoso ter-lhe sido recusado o pagamento parcial da factura (única) relativa à prestação dos serviços de fornecimento de água e de tratamento de águas residuais (por forma a liquidar apenas a tarifa correspondente ao fornecimento de água), o que, no seu entender, consubstanciava uma violação do disposto no artº 5º, nº 4, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, por se tratar de serviços funcionalmente dissociáveis.

3. Convidados a pronunciarem-se sobre o assunto junto desta Provedoria, invocaram esses SMAS, como fundamento para a posição adoptada, que “(…) qualquer água que seja fornecida irá gerar um efluente, efluente esse que terá que ser drenado e tratado por forma a que se garanta o equilíbrio ambiental e a qualidade da própria água”, referindo, ainda, que “(…) estes Serviços têm a seu cargo não só as águas de abastecimento como as águas residuais, uma vez que umas resultam nas outras e mediante o tratamento adequado destas, possibilita-se a manutenção do ciclo da água que é um ciclo natural e como tal impossível de ser dissociado”.

4. Relativamente à exigência do pagamento da tarifa de tratamento de águas residuais aos munícipes não servidos pela rede de saneamento, defendiam que ” (…) se os consumidores não pagarem o tratamento das suas águas residuais, seja este tratamento feito através do sistema geral de esgotos domésticos ou através da recolha dos resíduos das fossas sépticas que são posteriormente conduzidos a Estações de Tratamento, não poderão estes Serviços fazer face às despesas necessárias para a depuração destas e dificilmente poderão assegurar a qualidade das águas para abastecimento”.

5. Analisados os elementos reunidos no decurso das diligências instrutórias do presente processo, ressaltam à evidência duas questões que urge apreciar:a da dissociabilidade ou indissociabilidade dos serviços em causa e a de concluir sobre se, no caso vertente, será devida a tarifa de tratamento de águas residuais.

I – Dissociabilidade ou indissociabilidade da prestação dos serviços de fornecimento de água e de tratamento de águas residuais.

1. Quanto a esta questão importa, desde logo, dizer que o facto de a prestação de ambos os serviços pertencer conjuntamente a esses SMAS, não significa que eles possam ser tratados “globalmente” como se de uma só prestação de serviço se tratasse.

2. Com efeito, podem existir variados tipos de relação entre os serviços camarários prestados aos utentes, nomeadamente os referidos no caso sub judice – fornecimento de água e recolha de efluentes. Porém, para que se aplique a regra do artº 6º, conjugado com o disposto no artº 5º, nº 4, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, aquela relação não é uma qualquer, mas apenas a que ali é referida, isto é: função ou actividade indissociável.

3. Ora, no caso em análise, tal relação não existe.

4. Com efeito, ao referir-se à prestação de serviços “funcionalmente indissociáveis”, o artº 5º, nº 4, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, refere-se a uma indissociabilidade dos mecanismos postos em acção com o objectivo de prestar os variados serviços, de tal modo que, se o accionamento de um mecanismo importar o accionamento de outro, então, sim, estaremos em presença de serviços funcionalmente indissociáveis.

5. Por outras palavras, poderá também dizer-se que, se forem funcionalmente indissociáveis, a cessação da prestação de um dos serviços significará necessariamente a cessação da prestação do outro, pelo que, nesse caso, poderão os SMAS recusar o pagamento parcial da factura que inclua os dois serviços, sob pena da sua suspensão. Assim, e a contrario sensu, sempre que a cessação de um serviço não implique a cessação do outro, estamos perante serviços dissociáveis, razão pela qual não poderá ser recusado o direito à quitação parcial.

6. Ora, a própria prática o demonstra, o fornecimento de água não depende da recolha e tratamento das águas residuais. Que assim é, prova-o o facto de ser possível a interrupção do fornecimento de água, sem que deixe de ser assegurado, por isso, o tratamento de águas residuais e vice-versa.

7. No caso em análise, esta constatação surge ainda reforçada pelo facto de o imóvel não se encontrar ligado à rede pública de saneamento, mas sim a uma fossa séptica, o que me leva à segunda questão objecto de queixa do interessado.

II – Exigibilidade da tarifa de tratamento de águas residuais.

1. Alega o reclamante, recorde-se, que o facto de a casa de que é proprietário não se encontrar ligada à rede pública de esgotos, o deveria dispensar do pagamento da tarifa de tratamento de águas residuais.

2. A tarifa em causa constitui uma verdadeira taxa, já que a sua cobrança é contrapartida da prestação de um serviço individualizado: o transporte e depuração dos efluentes. Existe, pois, um nexo sinalagmático entre esta taxa e a prestação efectiva do serviço.

3. Deste modo, por não terem ainda esses Serviços procedido à limpeza da fossa em causa – o que, aliás, fazem gratuitamente -, parece evidente que, dada a impossibilidade de terem efectuado o transporte e a depuração de quaisquer resíduos, não será devido o pagamento daquela tarifa por parte do utente.

4. Na verdade, e contrariamente ao que sucede nos casos em que existe ligação domiciliária à rede pública de esgotos, estamos perante um caso em que não existe uma prestação continuada do serviço, antes se tratando de prestações pontuais que, como tal, devem ser tarifadas.

Atento o exposto,

RECOMENDO

a) Que seja reconhecido ao queixoso e a todos os munícipes utentes em situação análoga, no que respeita à prestação dos serviços de fornecimento de água e do tratamento de águas residuais, o direito à quitação parcial, previsto no art. 6º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, sem a restrição consignada no art. 5º, nº 4 do mesmo diploma, já que se trata de serviços funcionalmente dissociáveis.

b) Que, nos casos em que não exista ligação domiciliária à rede pública de esgotos, a tarifa de tratamento de águas residuais não seja cobrada nos moldes em que o é actualmente – isto é, com periodicidade fixa – por não se verificar, nestes casos uma prestação continuada do serviço de transporte e tratamento dos resíduos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL