Ministro das Finanças
Rec. n.º 14/A/97
Processo: 2759/91
Data: 06.03.1997
Área: A2
Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – ADSE – DÍVIDAS A PARTICULARES – ATRASO NO PAGAMENTO – JUROS DE MORA
Sequência: Acatada
I – Dos Factos
1. O Senhor Dr…, na qualidade de Advogado do Hospital Académico de Antuérpia, solicitou a intervenção deste órgão de Estado, em ordem a ser efectuado o pagamento à sua representada dos juros de mora contados desde a data em que havia sido solicitado, à Direcção-Geral de Protecção Social dos Funcionários e Agentes da Administração Pública/ADSE,por parte daquele estabelecimento de saúde, o pagamento da quantia em divida (relativa a um transplante renal a que foi sujeito o beneficiário Sr…) e até ao momento em que este se verificou (cerca de seis anos após aquele pedido).
2. Atentos os esclarecimentos prestados pela ADSE, conclui-se:
2.1. O Hospital Académico de Antuérpia interpelou a ADSE, pela primeira das vezes, por carta datada de … de 1985, no sentido de ser reembolsado das despesas efectuadas.
2.2. Em … de 1985, terá a ADSE solicitado ao cônjuge do beneficiário a regularização dos documentos que entretanto entregou relativos à intervenção cirúrgica, dado que os mesmos não obedeciam aos requisitos exigidos.
2.3. Instalada a dúvida sobre se já teria havido pagamentos àquele estabelecimento por entidade portuguesa distinta da ADSE (atendendo a que o beneficiário da ADSE também o era da Segurança Social, a titulo de beneficiário familiar), tornou-se necessário apurar do sucedido.
2.4. Entendeu, então, a ADSE que se tornava imperioso apurar do montante exacto da comparticipação a que estaria obrigada, pelo que estabeleceu contactos vários com a Direcção Geral de Cuidados de Saúde Primários e Administração Regional de Saúde de Portalegre (entidades potencialmente pagadoras).
2.5. Em … de 1990, foi a ADSE informada, pela Administração Regional de Saúde de Portalegre, do montante pago por esta entidade e das despesas a que tal montante se destinava a fazer face.
2.6. Em … de 1990, foi autorizado o pagamento da quantia em dívida ao Hospital Académico de Antuérpia.
2.7. Em … de 1991, através da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Bruxelas, foi posta à disposição daquele hospital a quantia em divida.
II – Dos Fundamentos
3. Atento o disposto, nomeadamente, no art. 804.º, nos n.ºs 1 e 3 do art. 805.º e nos n.ºs 1 e 2 do art. 806.º, todos do Código Civil, conclui-se que a mora pressupõe a existência de um simples retardamento na prestação (cujo cumprimento se mantém, no entanto, possível e desejável).
4. Para que haja mora, é necessário que a prestação seja certa – determinada -, líquida – por já estar perfeitamente apurado/fixado o seu montante – e exigível (e.g. por já ter sido o devedor interpelado para o cumprimento).
5. A responsabilidade do devedor pelos danos causados pela mora só fica excluída se este provar que a mesma não lhe é imputável, assistindo-se, portanto, a uma presunção, ilidível, de culpa do devedor.
6. O credor terá, assim, direito à prestação devida, acrescida da indemnização moratória que, regra geral, coincidirá com o montante de juros, à taxa legal, contados do momento da constituição em mora e até efectivo e integral pagamento.
7. Verifica-se, no caso em apreço, que a morosidade do processo relativo à fixação do montante efectivamente em dívida pela ADSE poderá ser explicável pela deficiente comunicação entre as várias entidades envolvidas no sistema de segurança social de que beneficiava o doente assistido pelo credor e pelas regras legais relativas à responsabilidade na comparticipação vigentes em Portugal.
8. Todavia, a tais factos é o credor absolutamente alheio, sendo certo que, na sua perspectiva, e aquando da interpelação, estava perfeitamente fixado o capital que lhe era devido (e que correspondia às despesas que suportou com o tratamento do doente/beneficiário).
9. Pelo exposto, e verificando-se que o credor interpelou a entidade correcta (o efectivo responsável pelo pagamento da quantia devida, que, aliás, acabou por pagá-la), parece ser da mais elementar justiça que não seja aquele o penalizado – com a falta de pagamento de juros de mora – pelas dificuldades sentidas pelo devedor no apuramento da exacta medida da sua obrigação.
10. Deverá, então, a ADSE, entidade efectivamente devedora, e que já se reconheceu como tal, assumir perante o credor a responsabilidade pelo pagamento dos juros de mora sobre o capital em dívida, à taxa legal, contados da data da interpelação (… de 1985), e até à data em que efectuou o pagamento das despesas que a entidade hospitalar suportou com o tratamento do doente (… de 1991).
11. Verificando-se que a prestação realizada pela ADSE, em … de 1991, porque feita em singelo (capital sem juros), não determinou o cumprimento total da obrigação, conclui-se pela subsistência do incumprimento relativamente à indemnização pela mora.
12. Deste modo, calculados sobre o montante de juros acima referido (ponto 10), deverão, ainda, acrescer outros, contados desde a data daquele pagamento (… de 1991), até ao efectivo e integral cumprimento da obrigação (que só se verificará no momento do pagamento integral da indemnização pela mora).
13. Independentemente de depois se vir a apurar, entre as entidades envolvidas no processo da determinação e cumprimento da obrigação, da medida das respectivas culpas pelo atraso deste processo, entendo que deverá ser a ADSE a, para já, assumir perante o credor o pagamento dos juros de mora devidos.
Na verdade, era a ADSE a efectiva devedora da quantia em causa, foi ela a interpelada pelo credor, e os atrasos no respectivo pagamento devem-se exclusivamente às regras internas do Estado Português e ao funcionamento da sua Administração. Portanto, não parece justo penalizar o credor adicionalmente obrigando-o a, depois de todo o tempo entretanto decorrido, interpelar cada uma das entidades possivelmente responsáveis por partes do atraso verificado.
14. E não se diga que por efeito do disposto no n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 49 168, de 5 de Agosto de 1969, estão o Estado, seus serviços, estabelecimentos e organismos sempre isentos do pagamento de juros de mora.
15. Efectivamente, urge interpretar tal norma juntamente com a do n.º 1 do art. 1.º do mesmo diploma legal, tendo em conta os propósitos que o legislador visou alcançar com a sua publicação.
16. Feito tal exercício, necessário será concluir que o que se pretendeu com o diploma ora em apreço foi substituir o regime do art. 139.º do Decreto-Lei n.º 16 731, de 13 de Abril de 1929, que se reportava apenas aos juros nas dívidas ao Estado e aos corpos administrativos.
17. Nesta conformidade, e surgindo o preceito legal ora em apreço logo após aquele que respeita à incidência, e sem especificar a que dívidas se reporta tal isenção, impõe-se concluir que as isenções ali previstas têm como único destinatário os juros de mora relativos às dívidas previstas no artigo precedente e quando sejam credoras as entidades ali enunciadas (Estado, seus serviços ou organismos autónomos e autarquias locais) – neste sentido vide Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 27/84, de 10 de Maio de 1984, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 341, p. 74 e seg..
18. Aliás, a interpretar-se o preceito legal em apreço no sentido da total isenção, por parte do Estado e demais entidades públicas, do pagamento de juros de mora, estar-se-ia a contrariar a norma contida no art. 22.º da Constituição da República Portuguesa, por tal redundar na sua desresponsabilização pela prática de ilícito extracontratual.
III – Conclusões
São estas motivações, Senhor Ministro das Finanças, e atendendo a que é exigível ao Estado o uso de toda a diligência e de todos os recursos ao seu alcance de forma a apressar o pagamento das quantias de que é devedor, como tal,
RECOMENDO
A Vossa Excelência que seja determinado que a Direcção-Geral de Protecção Social dos Funcionários e Agentes da Administração Pública/ADSE assuma a responsabilidade pelos danos decorrentes da mora no pagamento ao Hospital Académico de Antuérpia da quantia que lhe era devida, pagando os respectivos juros, à taxa legal, contados da data em que, pela primeira das vezes, foi a ADSE interpelada para o pagamento das despesas que suportou com o tratamento do doente/beneficiário (… de 1985) e até efectivo e integral cumprimento.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL