Secretário de Estado do Orçamento
Rec. n.º 15/B/2000
Proc.:IP- 49/90
Data:2000-05-23
Área: A 3
Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS POR APOSENTADO.
Sequência: Acatada
1. Um grupo significativo de aposentados da função pública dirigiu-me diversas reclamações que têm em comum a contestação ao regime, contido no artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, aplicável no caso de exercício de funções públicas por aposentados.
Reclamam, essencialmente, da circunstância de, por via da regra da inacumulabilidade, não auferirem pensão de aposentação correspondente à totalidade do tempo de serviço que prestaram, tempo esse durante o qual efectuaram os competentes descontos para a Caixa Geral de Aposentações.
2. Antes de passar à análise do referido preceito, importa esclarecer, previamente, que não se questiona aqui o princípio subjacente aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.
Na verdade, como refere Simões Correia (1), “da situação de aposentação deriva, em princípio, a incapacidade para exercer funções públicas ou em certos organismos, quer se trate de funções que o subscritor já exercia antes da aposentação, quer de investidura em novas funções.” Daí que a situação de cumulação de uma relação jurídica de aposentação com uma nova relação jurídica de emprego seja sempre uma situação excepcional. Esta é, efectivamente, a lógica do sistema que levou à consagração do princípio da não acumulação de pensões de natureza ou fins semelhantes.
Só assim, aliás, se compreende que a lei tenha feito depender de autorização ministerial o exercício de funções públicas por parte de aposentados.
Não obstante, a aceitar-se esta situação, ou seja, a autorizar-se o exercício de funções públicas por parte de aposentados, não faz sentido que estes venham posteriormente a ser prejudicados, não vendo repercutido na aposentação o esforço adicional que despenderam em termos de prestação pública ao Estado.
Tanto mais que, durante esse tempo, os aposentados ficam vinculados à obrigação de efectuar descontos para a Caixa Geral de Aposentações sobre a remuneração integral que compete ao novo cargo, independentemente do montante efectivamente auferido por cada um (1/3 ou mais da remuneração, se autorizado) (2).
3. Dispõem os n.ºs 1 e 2 do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação o seguinte:
“1. Se o aposentado, quer pelas províncias ultramarinas, quer pela Caixa, tiver direito de inscrição nesta última pelo novo cargo que lhe seja permitido exercer, poderá optar pela aposentação correspondente a esse cargo e ao tempo de serviço que nele prestar, salvo nos casos em que lei especial permita a acumulação das pensões.
2. Não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço anterior à primeira aposentação”.
Daqui resulta que a opção pela aposentação correspondente ao novo cargo que o aposentado tenha sido autorizado a exercer implica não só a renúncia à primeira pensão, mas também a irrelevância de todo o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira aposentação, quer o mesmo tenha sido ou não considerado para o cálculo desta pensão.
Sucede, todavia, que o n.º 5, do artigo 63º da Constituição, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho (actualmente n.º 4, na versão de 1997), veio determinar que “todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”. Pretendeu-se, aqui, salvaguardar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho, onde quer que o mesmo tenha sido prestado.
Consequentemente, pelo artigo 8.º da Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 1993), foram aditados os n.ºs 3 e 4 ao referido artigo 80.º do Estatuto da Aposentação, introduzindo-se um factor correctivo da pensão mas, apenas, para o caso de o aposentado optar pela primeira pensão. A verificar-se esta opção, o montante daquela pensão será, então, alterado considerando-se para o seu cálculo todo o tempo de serviço prestado até ao limite de 36 anos.
Nada ficou, porém, estabelecido para a hipótese de o aposentado optar pela segunda pensão, mantendo-se, pois, quanto a esta opção, o disposto no n.º 1 e 2 do mesmo artigo.
Assim, continuou a aplicar-se a regra do fraccionamento do tempo de serviço para efeitos de cálculo da pensão, sempre que o aposentado opte pela segunda pensão, ou seja, pela pensão correspondente ao novo cargo exercido.
4. É verdade que a nova redacção do artigo 80.º do Estatuto de Aposentação diminuiu muito a injustiça criada, já que permitiu, na generalidade das situações, a possibilidade de os aposentados verem contado todo o tempo de serviço efectivamente prestado, até ao limite, obviamente, de 36 anos. Todavia, também é certo que a manutenção do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 80.º continua a ser fonte de injustiças que merecem ser ponderadas e acauteladas.
Trata-se dos casos em que a carreira profissional dos pensionistas está dividida em partes equivalentes pelos dois períodos de tempo de serviço ou em que o segundo é mais extenso que o primeiro. Neste contexto, há duas situações que me preocupam particularmente e que têm na sua base circunstâncias especiais que justificam, por essa razão, tratamento igualmente especial.
4.1. Em primeiro lugar, não posso deixar de evidenciar aqui uma das situações de injustiça mais gritante que emergem da aplicação deste normativo legal. Trata-se do caso dos antigos funcionários e agentes da ex-administração pública ultramarina que não ingressaram no Quadro Geral de Adidos e que, por essa razão, adquiriram a qualidade de pensionistas, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro.
Estas pensões, de carácter excepcional, tinham por objectivo “acudir a situações de carência decorrentes da descolonização”(3) e foram atribuídas a pessoas com apenas cinco anos de serviço, independentemente de uma situação de invalidez ou de velhice. Com efeito, não se tratou de pensões atribuídas em face da ocorrência de uma das causas típicas de cessação da relação jurídica de emprego público. Pelo contrário, ocorreu uma situação anómala – a transferência de serviços públicos para outro Estado – que impôs ao Estado Português o dever de compensar os seus ex-funcionários – a quem não pôde atribuir nova ocupação – pelas funções exercidas.
Por essa razão, a maioria destes aposentados refez a sua vida profissional, muitos logrando obter nova admissão na Administração Pública. Que sentido fará então que os mesmos se vejam agora obrigados a renunciar a tais pensões, bem como ao tempo de serviço que prestaram e que serviu para base do respectivo cálculo, ao optarem pela aposentação pelo cargo que posteriormente exerceram? É que, para tais beneficiários, a aposentação não significou o termo de uma relação jurídica de emprego público, já que, com meros cinco anos de serviço, puderam ser aposentados, sendo certo, além do mais, que a maior parte deles se encontrava em plena idade de vida activa.
Refira-se, a título exemplificativo, o caso de uma reclamante a quem foi reconhecido o direito a auferir uma pensão, nos termos do já citado Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, em virtude do tempo de serviço prestado pela mesma em Moçambique, entre Março de 1963 e Janeiro de 1975. Após o seu regresso a Portugal, a reclamante foi readmitida nos Serviço Financeiros dos CTT, local onde, aliás, já havia trabalhado entre 1953 e 1961. Ao aposentar-se, em 1996, a Caixa Geral de Aposentações confrontou-a com facto de ter de optar entre a primeira pensão, de valor muito reduzido, ou a pensão correspondente ao novo cargo, sendo certo, além do mais, que o tempo anteriormente prestado nos CTT (que não influiu no cálculo da primeira pensão, por desconhecimento da reclamante e, certamente, por lapso da Caixa) não lhe poderia ser contado para efeitos da nova pensão, por força do disposto no n.º 2, do artigo 80.º do Estatuto da Aposentação. Assim, viu-se a mesma forçada, ao optar pela segunda pensão – de valor mais benéfico do que a primeira -, a prescindir quer da primeira pensão, quer do tempo de serviço anteriormente prestado nos CTT.
4.2. A outra situação que me preocupa prende-se com os pensionistas por invalidez, ou seja, com os funcionários públicos que se tornaram incapazes para o exercício da sua função e que, por essa razão, tiveram de aposentar-se. Sucede que, alguns deles conseguiram, posteriormente, reabilitar-se, ingressando novamente na função pública e fazendo, muitas vezes, uma longa carreira no exercício de outra profissão. Ora, mal se compreende, nestes casos, que não lhes seja permitido ter uma pensão justa e correspondente à totalidade do tempo de serviço efectivamente prestado. É que, se optarem pela revisão da primeira pensão, esta tem necessariamente na sua base remunerações muito baixas relativamente às correspondentes remunerações do activo e, se optarem pela segunda, não poderão ver contado todo o tempo de serviço prestado.
Na verdade, se é certo que, em regra, a aposentação ocorre no final de uma carreira profissional para a qual o funcionário se tornou “incapaz”, no sentido apresentado por Simões Correia e já citado, é natural que o mesmo, ao exercer novamente funções públicas, possa ver completado o tempo que falta para perfazer os 36 anos de serviço e, assim, dar-se integral cumprimento ao preceito constitucional supra referido. No entanto, já nas situações que referi e que se afastam das situações-regra que subjazem ao normativo do artigo 80.º, n.ºs 3 e 4, a aplicação do n.º 2 deste preceito torna-se injusta.
É certo que, no caso de invalidez decorrente de acidente em serviço ou doença profissional, o regime já foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, permitindo-se, agora, a acumulação de pensões por incapacidade permanente com as atribuídas por invalidez ou velhice (cfr. al. a), do n.º 3, do artigo 43.º). Todavia, este novo regime só se aplica aos acidentes ocorridos após a respectiva entrada em vigor, pelo que permanece a injustiça relativamente a todos os acidentes que tiveram lugar em momento anterior e que deram lugar a aposentações extraordinárias, bem como às situações de invalidez decorrente de doença natural.
4.3. Veja-se ainda, a este propósito, o caso paralelo dos pensionistas por invalidez decorrente de acidente ocorrido no decurso do serviço militar obrigatório. Durante muito tempo, não lhes foi possível acumular tais pensões com as pensões de aposentação, o que se revelou ser de grande injustiça. Esta situação, porém, veio a ser ultrapassada com a publicação do Decreto-Lei n.º 240/98, de 7 de Agosto, o qual veio permitir, especialmente, não só a acumulação destas pensões com a pensão de aposentação pelo exercício de outro cargo na função pública, mas também a acumulação da pensão de invalidez com a remuneração por inteiro relativa ao exercício de funções públicas.
Com efeito, reconheceu-se, através deste diploma, “a necessidade de adoptar algumas medidas que visem, nomeadamente, apoiar e facilitar a reintegração socioprofissional destes cidadãos”, conforme se pode ler no respectivo preâmbulo. Foi, pois, por se reconhecer estarmos perante situações de contornos específicos que se entendeu justificado um regime também especial. É atendendo a razões similares que considero que, nos dois casos identificados, deveriam ser devidamente ponderadas as circunstâncias que os tornam merecedores de tratamento autónomo.
Antes de avançar, não posso, porém, deixar de referir que, neste domínio dos acidentados em serviço militar, nem tudo está integralmente resolvido.
O Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, que estabeleceu o regime dos Deficientes das Foças Armadas, veio, por força da nova redacção dada ao seu artigo 13.º, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 203/87, de 16 de Maio, permitir a acumulação destas pensões com a totalidade das remunerações dos cargos em que os aposentados forem posteriormente providos. No entanto, de acordo com o procedimento que tem vindo a ser adoptado pela Caixa Geral de Aposentações, verifica-se que, no cálculo da pensão de aposentação atribuída a um DFA pelo exercício de outro cargo na função pública, não lhe é contado o tempo de serviço anterior à prestação do serviço militar obrigatório. Apoia-se a Caixa, para fundamentar este seu procedimento, no teor do artigo 80.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação.
Sucede, porém, que, nos termos do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, o “montante da pensão de reforma extraordinária ou da pensão de invalidez devido aos militares considerados DFA nos termos deste diploma será sempre calculado por inteiro”. A lógica deste preceito é, pois, a de considerar irrelevante o tempo de serviço prestado anteriormente pelos pensionistas. Ou seja, é indiferente que o Deficiente das Forças Armadas nunca haja trabalhado anteriormente na função pública ou, caso tenha trabalhado, o tenha feito por um período de 5, 10 ou 20 anos. A regra do citado artigo 9.º constitui uma excepção às regras de cálculo das pensões, bastando, para o efeito, que se verifiquem dois requisitos previstos neste último diploma: que o cidadão, no cumprimento do serviço militar, tenha adquirido uma diminuição da capacidade geral de ganho e que a mesma tenha resultado de acidente ocorrido numa das situações ai discriminadas (artigo 1.º).
Resulta, assim, que a Caixa optou por uma interpretação literal do já citado artigo 80.º, n.º 2, quando aquilo a que o legislador se quer ali referir é ao tempo de serviço que relevou para efeitos de cálculo da primeira pensão e não este tempo a que me reporto e que é de todo irrelevante para o cálculo da pensão de invalidez de um DFA.
Este entendimento vale, igualmente, para as situações de acidentes em serviço, ocorridos antes da entrada em vigor do já referido Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, quando ao funcionário, aposentado extraordinariamente, tenha sido aplicado o disposto no artigo 54.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação, ou seja, quando a desvalorização na capacidade geral de ganho é total. Na verdade, também nestes casos o tempo de serviço efectivamente prestado anteriormente à primeira aposentação foi irrelevante para o respectivo cálculo.
São, pois, situações como estas que apresentei que merecem, em meu entender, ser repensadas nas suas consequências, tendo em vista a criação de um regime excepcional relativamente à generalidade das situações abrangidas artigo 80.º, n.º 2, do Estatuto da Aposentação.
4.4. Para além disso e para as situações-regra em que tem lugar a aplicação deste preceito, importa também clarificar o sentido da própria norma do artigo 80.º, n.º 2, no que respeita à interpretação da expressão “tempo anterior”. Os casos apresentados tornam evidente que o intérprete não se pode ater a uma mera interpretação literal do preceito, de modo a tornar irrelevante todo o tempo de serviço cronologicamente anterior à primeira aposentação. Com efeito, torna-se essencial fazer coincidir esse tempo com o tempo de serviço que relevou para o cálculo da primeira aposentação. Caso contrário, para além das situações já apresentadas, poderá chegar-se a resultados absurdos que o legislador certamente não pretendeu criar.
Veja-se, para ilustrar o exposto, a situação de um reclamante que prestou serviço público nas ex-províncias ultramarinas, desde 2.01.59 até à data em que foi chamado a prestar serviço militar obrigatório, em 24 de Março de 1964.
No decurso do serviço militar obrigatório, foi vítima, em 24.05.66, de um acidente em serviço, tendo, em consequência, ficado internado no Hospital Militar e só tendo retomado funções públicas em 3.08.68. Mais tarde, em 26.06.77 ingressou no Quadro Geral de Adidos e adquiriu, a partir dessa data, a qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
Em virtude do referido acidente em serviço, foi-lhe reconhecida, em 1982 (após pedido de revisão do respectivo processo militar), uma incapacidade de 47% e, nessa medida, foi-lhe atribuída uma pensão de invalidez, em conformidade com o disposto no artigo 127.º do Estatuto da Aposentação.
Para cálculo desta pensão apenas lhe foi contado o tempo de serviço militar, já que, só tendo o mesmo adquirido a qualidade de subscritor em data posterior, o tempo de serviço anteriormente prestado nas ex-províncias ultramarinas não lhe pôde ser considerado, nem como tempo de subscritor, nem como tempo acrescido ao tempo de subscritor, conforme se prevê no artigo 25.º, alínea a), do Estatuto de Aposentação.
Por outro lado, esse período de exercício de funções na ex-Administração Ultramarina, porque “cronologicamente” anterior à primeira pensão – apesar de não ter relevado para o respectivo cálculo – não é contado pela Caixa Geral de Aposentações no cálculo da segunda pensão de aposentação, conforme já foi o reclamante informado.
Desta aplicação sucessiva de normas resulta que, pelo facto de o reclamante ter sofrido um acidente durante o serviço militar obrigatório e ter recebido, consequentemente, uma pensão de invalidez com carácter indemnizatório, deixou de poder ver considerado, para quaisquer efeitos, o tempo de serviço que prestou no Ultramar, durante o qual efectuou os competentes descontos para a aposentação. Ora, não pode ter sido esta a intenção do legislador ao consagrar uma norma como a do artigo 80.º, n.º 2.
4.5. Antecipando, desde já, conclusões, torna-se assim necessário:
a) a alteração do artigo 80.º, n.º 2, no sentido de prever um regime excepcional para as situações também excepcionais já aqui apresentadas;
b) quanto à regra geral do artigo 80.º, n.º 2, a alteração da sua interpretação, no sentido de apenas não poder ser contado para efeitos da segunda aposentação o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo.
5. Poderá argumentar-se, em defesa de posição oposta àquela que ora apresento, que o aposentado, durante o período de exercício do novo cargo, se encontra a receber, simultaneamente, a primeira pensão e o vencimento correspondente ao cargo, ainda que este possa estar limitado a um terço, razão pela qual poderá alegar-se não fazer sentido a consideração, de novo, do tempo de serviço anterior à primeira aposentação.
Todavia, naquelas situações que considero excepcionais, tendo o aposentado conseguido a sua reintegração socioprofissional e tendo, nalguns desses casos, sido autorizado a exercer de novo funções públicas, bem como efectuado os descontos em conformidade com as disposições legais aplicáveis, não se compreende, nem aceita, que o mesmo fique prejudicado em termos de carreira contributiva e consequente reflexo desta na pensão, quer em caso de possibilidade de cumulação das duas pensões, quer, em situação inversa, sempre que opte pela segunda pensão.
6. Verifica-se, deste modo, que as alterações introduzidas no artigo 80.º do Estatuto da Aposentação pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de Dezembro, não deram integral cumprimento ao imperativo constitucional decorrente do actual n.º 4, do artigo 63.º. Na verdade, a manutenção da aplicação daquele normativo a todos os casos constitui uma clara violação do preceito constitucional já referido.
Aliás, neste sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no recentemente publicado Acórdão n.º 411/99(4), no âmbito do Processo n.º 1089/98, no qual se refere “… Se a lei fraccionar o tempo de trabalho para efeitos de aposentação – assim eliminando uma parte do tempo de trabalho prestado -, já não será todo o tempo de trabalho a contribuir para o cálculo das pensões, mas apenas uma parte dele. Tal solução implicaria interpretar a Constituição de acordo com a lei, e não interpretar a lei de acordo com a Constituição, como se impõe”. E mais adiante acrescenta que o fraccionamento do tempo de serviço “… afronta o princípio constitucional do total aproveitamento”.
Trata-se, na verdade, da violação de um direito e, simultaneamente, garantia dos trabalhadores, constitucionalmente reconhecido, ao qual é aplicável, por força do disposto no artigo 17.º da Constituição, o regime dos direitos, liberdades e garantias que impede a diminuição da extensão e do alcance do seu conteúdo essencial.
Acresce, ainda, que mal se compreende a razão pela qual a lei vigente permite, no caso de opção pela primeira pensão, o cômputo de todo o tempo de serviço prestado e não adopte igual princípio quando a opção recaia sobre a segunda pensão, sempre que razões de fundo, como aquelas que aqui apresento, o justifiquem.
7. Em face do exposto, RECOMENDO a Vossa Excelência:
A adopção de medidas com vista à alteração do n.º 2, do artigo 80.º, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, no sentido de se prever um regime excepcional para as situações também excepcionais atrás descritas: pensionistas ao abrigo do disposto no Dec-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro e pensionistas de invalidez que, posteriormente, conseguiram reabilitar-se, ingressando novamente na função pública;
A definição de orientação no sentido de ser corrigida a interpretação da regra geral contida no artigo 80.º, n.º 2, no sentido de apenas não poder ser contado para efeitos da segunda aposentação o tempo de serviço prestado anteriormente à primeira e que relevou para o respectivo cálculo.
Com o pedido de que, com a brevidade possível, me seja comunicada a posição que vier a ser assumida relativamente a esta Recomendação.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
______________________________
(1) In anotação ao artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, anotado e comentado, Coimbra, 1973, pág. 181
(2) Cfr. anotação ao artigo 5.º do Estatuto da Aposentação, idem.
(3) Vide preâmbulo do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho.
(4) Publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Março de 2000.