Secretário de Estado do Orçamento

Rec. n.º 14/B/00
Proc.: R-18/98
Data: 22-05-2000
Área: A 3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. ADSE. REVISÃO DO REGULAMENTO.

Sequência: Sem resposta conclusiva

1. A Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (ADSE) foi criada, como serviço administrativamente autónomo, pelo Decreto-Lei n.º 45002, de 27 de Abril de 1963, visando estabelecer em relação à generalidade dos funcionários públicos um sistema de prestações na doença. O progressivo desenvolvimento da ADSE, em resultado da generalização dos respectivos benefícios à totalidade dos funcionários e agentes do Estado e dos organismos autónomos, e aos seus agregados familiares, determinou um redimensionamento e a consequente reorganização dos serviços, o que se verificou com a publicação do Decreto-Lei n.º 476/80, de 15 de Outubro. Nos termos do seu art.º 1.º, n.º 1, a ADSE foi transformada em Direcção-Geral, passando a constituir um serviço dotado de autonomia administrativa, na directa dependência do Ministério das Finanças, com a finalidade de “(…) assegurar a protecção aos seus utentes nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, cura e reabilitação e proceder à verificação do direito aos encargos de família e seu registo, bem como intervir a favor do beneficiário no caso de eventos de carácter geral e típico que tenham como consequência uma alteração desfavorável do equilíbrio entre as suas necessidades e os meios de que dispõe para as satisfazer”.

2. O funcionamento e o esquema de benefícios da ADSE veio a ser regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, dentro dos princípios consignados no referido Decreto-Lei n.º 476/80. O regime jurídico em causa tem-se mantido, desde então, praticamente inalterado, não obstante as profundas alterações entretanto verificadas a vários níveis, nomeadamente no que diz respeito ao Serviço Nacional de Saúde, às alterações dos regimes de protecção social e às transformações do fenómeno social.

3. No âmbito das muitas reclamações que me têm chegado identifico como principais problemas:

3.1. Atraso na emissão dos cartões de beneficiários, o que nos termos do disposto no art.º 11.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 118/83, determina o atraso no início da fruição das regalias da ADSE, não obstante o facto de os funcionários passarem a descontar para a ADSE desde a data da respectiva tomada de posse;

3.2. A definição rigorosa e transparente das regras de inscrição do beneficiário familiar, nomeadamente no que diz respeito à actualização do requisito de o interessado “(…) não beneficiar de qualquer outro regime de protecção social” (art.º 7.º, n.º 2 e art.º 15.º do mesmo diploma legal);

3.3. Alargamento do direito de inscrição às pessoas que vivam em situação análoga à dos cônjuges (art. 8.º);

3.4. Revisão dos critérios relativos ao direito de inscrição dos descendentes, com vista a salvaguardar de modo expresso, nomeadamente, a situação dos filhos estudantes a aguardar o ingresso no ensino superior, bem como a situação dos filhos maiores com deficiência permanente parcial que frequentem qualquer grau de ensino [art.º 9.º, n.º 2, al. a)];

3.5. Atrasos da ADSE no pagamento das comparticipações das despesas de saúde e na consequente emissão de declarações para efeitos de complemento de comparticipação, o que nalguns casos determina a impossibilidade de os beneficiários poderem recorrer, em tempo útil, aos seus seguros de saúde, com vista à obtenção da comparticipação sobre o remanescente não comparticipado pela ADSE;

3.6. Clarificação das regras de comparticipação das despesas no âmbito do regime livre da ADSE, nomeadamente, no que concerne à possibilidade ou não do fraccionamento de despesas.

4. Permito-me salientar que, através dos meus serviços, tenho acompanhado o alegado processo de reestruturação da ADSE. Nesse sentido, desde a tomada de posse do actual Director-Geral que foram estabelecidos diversos contactos com vista à identificação dos problemas e ao trabalho desenvolvido pela ADSE no sentido de os resolver, para além do esclarecimento e resolução de casos concretos de reclamantes. Para além da troca de correspondência sobre o assunto, foram realizadas duas reuniões entre os meus representantes e o Senhor Director-Geral da ADSE, respectivamente em 30 de Março de 1998 e em 16 de Junho de 1999. O diagnóstico da situação na ADSE transparece claramente, aliás, no “Relatório de Actividades de 1998” e no “Plano de Actividades de 1999”, aí se evidenciando como principais obstáculos à actividade da ADSE:
– instalações insuficientes e inadaptadas às actuais exigências de organização e funcionamento dos serviços;
– sistema informático e demais equipamento obsoletos;
– pessoal em número insuficiente e de uma faixa etária alta, registando um elevado nível de absentismo e uma cultura de trabalho desadequada às actuais exigências e volume de serviço gerado pelos 1,5 milhões de beneficiários;
– tratamento exclusivamente manual dos cerca de 2 milhões de documentos que mensalmente entram na ADSE;
– utilização de circuitos de informação com graves deficiências;
– morosidade processual;
– apatia e desmotivação do pessoal.

5. Face a este quadro preocupante de problemas de organização e de funcionamento daquela entidade, compreendo a difícil e complexa reestruturação que os serviços da ADSE carecem, daí que tenha decidido aguardar, ao longo deste tempo, a adopção de medidas concretas de reestruturação e os resultados das mesmas, mantendo um diálogo construtivo com o representante máximo daqueles serviços. O senhor director-geral tem referido à Provedoria de Justiça que foram entretanto tomadas algumas medidas com vista à resolução dos problemas mais prementes: contratação de pessoal a prazo e recurso a trabalho suplementar, com vista a recuperar os atrasos na emissão de cartões de beneficiários e, sobretudo, no processamento e pagamento das comparticipações das despesas de saúde. No que diz respeito às instalações, foi-me dado saber que se prevê a construção de um edifício devidamente adaptado às necessidades do Serviço, o qual, contudo, apenas estará operacional dentro de dois ou três anos. Ao nível informático, e com o apoio do Instituto de Informática do Ministério das Finanças, terá sido estabelecido um programa de reestruturação gradual do sistema, alegadamente no sentido de assegurar celeridade, segurança e eficiência no tratamento dos documentos entrados nos serviços, simplificação de procedimentos e economia de recursos humanos.

6. Se é certo que ultimamente se terá registado uma melhoria no que diz respeito aos atrasos na emissão de cartões de beneficiário e aos atrasos no pagamento das comparticipações das despesas de saúde – atrasos esses que, neste último caso, chegaram a atingir os 8 meses -, não menos certo é, porém, que as reclamações dirigidas a este órgão do Estado persistem, verificando-se ainda hoje atrasos significativos, sobretudo no que concerne ao pagamento de comparticipações aos beneficiários com atrasos estimados em aproximadamente 5 meses. Como V.Ex.ª por certo compreenderá, tais atrasos afiguram-se de maior gravidade nos casos dos aposentados e, ao nível dos agregados familiares, os de maior dimensão e os de mais baixos recursos. Efectivamente, no caso dos aposentados, devido a uma conjugação de factores (idade avançada, recurso mais acentuado aos cuidados de saúde e com rendimentos tendencialmente mais baixos advindos da pensão de aposentação), o atraso no pagamento das comparticipações resulta bastante penoso senão mesmo incomportável, uma vez que, no âmbito do regime livre da ADSE, os beneficiários têm que pagar primeiro e esperar para serem reembolsados pela ADSE. Ora, como facilmente se compreenderá, para os aposentados e/ou para as famílias de mais escassos rendimentos, o atraso no pagamento das comparticipações acaba por afastar tais beneficiários do regime livre da ADSE, o que se traduz, afinal, na denegação do direito à assistência na saúde no quadro dos benefícios da ADSE. Só os beneficiários com maior rendimento disponível é que poderão permitir-se suportar os atrasos na comparticipação das despesas, pelo que só a estes é que verdadeiramente acaba por ser assegurado o recurso ao regime livre da ADSE.

7. Creia Vossa Excelência que ao referir-me a esta situação dos atrasos nos pagamentos das comparticipações não esqueço, nem subestimo, o esforço e empenho demonstrados pelo actual Director-Geral da ADSE na resolução deste e de outros problemas. Contudo, entendo que a matéria da reforma da organização e do funcionamento da ADSE impõem o envolvimento da tutela, nomeadamente no que concerne à fixação de um quadro legal adequado, devidamente adaptado às novas necessidades sociais, justificando-se uma alteração profunda da respectiva lei orgânica, a qual, como se sabe, remonta a 1980 (Decreto-Lei n.º 476/80, de 15 de Outubro), bem como do respectivo diploma regulamentar que remonta a 1983 (Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro). Para além disso, a intervenção da tutela demonstra-se determinante para o regular funcionamento do sistema, cabendo-lhe, nomeadamente, dar cumprimento atempado às transferências orçamentais necessárias ao pagamento pontual das comparticipações aos beneficiários por parte da ADSE.

8. Mas, para além do processo de reestruturação dos serviços da ADSE e da consequente alteração dos instrumentos jurídicos que lhe permitam uma actuação mais célere e eficaz, justifica-se também a introdução de algumas alterações no regime de benefícios propriamente dito e já evidenciadas no ponto 3 desta Recomendação.

Assim:

9. Inscrição do beneficiário titular e início dos benefícios (vd. ponto 3.1. desta Recomendação):

9.1. Na actual redacção do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 118/83 prevê-se:
“1 – A aquisição da qualidade de beneficiário da ADSE depende de prévia inscrição dos candidatos que se encontrem nas condições legais.
2 – O início da fruição das regalias concedidas pela ADSE reportar-se-á à data da emissão do cartão de beneficiário”.

9.2. Verifica-se assim que a actual lei faz reportar a fruição dos benefícios à data da emissão do cartão de beneficiário, sendo certo que o funcionário desde a data da tomada de posse que vê automaticamente descontado no seu vencimento o desconto para a ADSE (previsto no Decreto-Lei n.º 125/81, de 27 de Maio). A situação afigura-se tanto mais injusta quando é certo que entre a data do início do exercício de funções e a data da emissão do cartão de beneficiário da ADSE medeiam vários meses.

9.3. Faz-se notar que a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública se concretiza com a “aceitação da nomeação” ou “tomada de posse” (1). Esta, nos exactos termos da lei, “determina o início de funções para todos os efeitos legais, designadamente abono de remunerações e contagem de tempo de serviço” (cfr. artigos 9.º e 12.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro). Conclui-se, assim, que a “posse” é que é determinante ou relevante para todos os efeitos legais, nomeadamente, para efeitos da contagem do tempo de serviço para a aposentação ou, por maioria de razão, para efeitos de outro benefícios de protecção social, maxime, de assistência na saúde (ADSE).

9.4. Acresce que os benefícios decorrentes do sistema de assistência da ADSE dependem do pagamento ao Estado de uma quota mensal por parte do funcionário, a qual, nos termos do disposto no art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 125/81, de 27 de Maio, corresponde a 1% do vencimento mensal auferido e é automaticamente descontada pelo serviço processador de vencimentos. Verifica-se existir, deste modo, uma relação jurídica sinalagmática, ou seja, um conjunto de direitos e obrigações recíprocos entre o Estado e o funcionário. Não se afigura razoável nem justo que o Estado exija do funcionário o pagamento da contribuição para efeitos da ADSE desde a data da tomada de posse e, em contrapartida, só lhe permita aceder aos benefícios a partir de data incerta, ou seja, aquando da emissão do respectivo cartão de beneficiário. O art.º 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/83, traduz-se numa clara violação do princípio sinalagmático, comutatitvista ou contratualista que inquestionavelmente enforma a relação jurídica de “seguro” ou de assistência na saúde em que se traduz o sistema da ADSE.

9.5. Além disso, a cobrança de contribuições sem a correspondente prestação dos benefícios sociais faz incorrer o Estado numa situação de enriquecimento sem causa.

9.6. Não questiono a obrigatoriedade do funcionário-beneficiário contribuir para o sistema da ADSE desde a data da sua tomada de posse. Questiono sim o protelamento da prestação dos benefícios por parte da ADSE nos termos em que está consagrado no art.º 11.º, n.º 2.

9.7. Em consequência, entendo que esta norma legal deve ser alterada no sentido de obstar a este injustificado e injusto período de desprotecção social dos beneficiários.A norma em causa deverá consagrar o reporte dos benefícios à data da posse – por ser este, como referi, o acto relevante para todos os efeitos legais -, o que pode verificar-se, nomeadamente, através da emissão de um cartão provisório e, por outro lado, aceitando-se para comparticipação, no âmbito do regime livre, as despesas de saúde verificadas desde essa data.

10. Condição para inscrição do beneficiário familiar prevista no art.º 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 118/83 (vd. ponto 3.2. desta Recomendação):

10.1. Dispõe a norma em causa que a inscrição dos beneficiários familiares “(…) só será viável desde que provem não beneficiar de qualquer outro regime de protecção social e enquanto se mantiver esta situação” (cfr., também, art.º 15.º Decreto-Lei n.º 118/83). A avaliação e a aplicação da condição imposta na referida disposição legal tem suscitado as maiores dúvidas, nomeadamente, tendo em atenção a evolução entretanto verificada no domínio da protecção social, maxime, do Serviço Nacional de Saúde.

10.2. Faço notar que a ADSE tem entendido que o simples facto de alguém estar enquadrado pelo regime geral de segurança social é por si só condição determinante da impossibilidade de inscrição como beneficiário familiar, uma vez que o mesmo estaria abrangido por um sistema próprio de protecção na doença.

10.3. Efectivamente, para uma correcta interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.º 118/83, importa trazer à colação alguns elementos históricos que rodearam a sua publicação. Assim, verifica-se que o diploma legal em causa é anterior à Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto) e à Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto). À data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 118/83, o sistema de protecção social do regime privado assegurava, cumulativamente, através dos SMS. – Serviços Médico-Sociais, não só as prestações sociais típicas da segurança social, como, também, a assistência na saúde. Contudo, o regime evoluiu, entretanto, em sentido diverso. Efectivamente, a Lei de Bases da Segurança Social veio estabelecer claramente que as eventualidades protegidas no âmbito do sistema de Segurança Social se prendem com “…as situações de falta ou diminuição da capacidade para o trabalho, de desemprego involuntário e de morte, e garante a compensação de encargos familiares”, contudo não abrange a assistência na doença. Por outro lado, a Lei de Bases da Saúde veio consagrar o carácter universal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sendo dele beneficiários todos os cidadãos portugueses (Base XXIV, al. a) e Base XXV, n.º 1). Faz-se notar, por isso, que os próprios beneficiários da ADSE são, também, beneficiários do SNS. Donde se conclui, desde logo, que os beneficiários dos regimes de segurança social não usufruem de um sistema de protecção na doença específico, nem consequentemente se pode dizer que os mesmos se encontram abrangidos por outro regime de protecção na doença concorrente da ADSE. Na realidade, os beneficiários dos regimes de Segurança Social não têm um sistema próprio de assistência na saúde, estando abrangidos pelo SNS como qualquer cidadão português, seja este ou não beneficiário de qualquer regime de segurança social. Assim sendo, demonstra-se ser irrelevante, para efeito do reconhecimento do direito à inscrição na ADSE, que um interessado seja beneficiário do SNS, uma vez que a qualidade de beneficiário do SNS se adquire pelo simples facto de se ser cidadão português.

10.4. A norma em causa carece, por isso, de uma adequada revisão, para que se clarifique devidamente o âmbito pessoal dos benefícios da ADSE. Em tempo oportuno, os meus serviços auscultaram a ADSE sobre o assunto, a qual, por via de ofício de 98.07.08, expressou a posição que, por comodidade de exposição, passo a transcrever: “(…) importa referir que se trata de matéria cuja análise, necessariamente aprofundada, terá de passar pelo enquadramento e articulação do Serviço Nacional de Saúde, dos subsistemas existentes e também do sistema de Acção Social Complementar da Administração Central, numa perspectiva global e integrada. A revisão do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, deverá reflectir as conclusões decorrentes do estudo cuidado destas matérias”.

10.5. Como V.Ex.ª compreenderá, face ao que vem exposto, ao tempo entretanto decorrido e considerando a posição sustentada pela própria ADSE, impõe-se que, com a brevidade possível, se proceda à adequada alteração legislativa.

11. Alargamento do direito de inscrição às pessoas que vivam em situação análoga à dos cônjuges (vd. ponto 3.3. desta Recomendação):

11.1. O art.º 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 476/80, de 15 de Outubro, e os art.ºs. 7.º, n.º 1, al. a) e art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 118/83, 25 de Fevereiro, reconhecem aos cônjuges dos funcionários ou agentes do Estado o direito de inscrição como beneficiários familiares da ADSE. Contudo, a lei actual não reconhece tal direito às pessoas que vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou seja, às pessoas que vivam em regime de união de facto, nas condições previstas no art.º 2020.º do Código Civil.

11.2. Face à evolução social verificada ao longo dos últimos anos, nomeadamente no que diz respeito à constituição, organização e funcionamento da família, não faz hoje qualquer sentido que exista uma discriminação das pessoas neste domínio da protecção social em que se consubstancia, nomeadamente, o sistema de assistência na saúde da ADSE. A integração das pessoas em regime de união de facto, sobretudo no que concerne ao acesso às prestações sociais, é um imperativo do Estado Social de Direito.

11.3. Como é do conhecimento de Vossa Excelência, em tempos, o âmbito pessoal da ADSE compreendia, também, as pessoas que vivessem maritalmente com os beneficiários familiares, desde que: a união de facto se mantivesse há mais de dois anos, comprovada por atestado de residência emitido pela respectiva Junta de Freguesia; o beneficiário fosse solteiro, separado judicialmente de pessoas e bens, divorciado ou viúvo. Este entendimento, contudo, veio a ser ultrapassado pela entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro. A questão veio a ser novamente suscitada logo de seguida, tendo a ADSE emitido o parecer constante da Informação n.º 70/SJ/83, de 26 de Julho, sobre a qual veio a incidir o despacho do Secretário de Estado das Finanças de 29.07.83, com vista à apreciação do assunto na Assembleia da República. A posição sustentada no referido despacho admitia a hipótese de reconhecer, mediante a verificação de determinadas condições, o direito de inscrição neste tipo de situação.

11.4. Volvidos todos estes anos e considerando a evolução social verificada, quer ao nível dos princípios, quer ao nível do Direito (2), parece justificar-se o alargamento do âmbito pessoal da ADSE às pessoas em regime de união de facto, desde que verificados alguns condicionalismos, como por exemplo, os que anteriormente permitiram tal alargamento, reforçando, eventualmente, os meios de prova, podendo exigir-se a apresentação da declaração anual de IRS ou certidão da respectiva Repartição das Finanças (atento o disposto no art.º 3.º, al. d), da Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto).

12. Revisão dos critérios relativos ao direito de inscrição dos descendentes como beneficiários familiares (vd. ponto 3.4. desta Recomendação):

12.1. As reformas verificadas no sistema educativo posteriormente à publicação do Decreto-Lei n.º 118/83 – nomeadamente, no que concerne às condições de acesso ao ensino superior que mercê do sistema de “numerus clausus” retardam o ingresso dos interessados -, bem como a profunda reforma do regime das prestações familiares e, concretamente, do subsídio para crianças e jovens (cfr. art.ºs 19.º a 21.º e art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio), impõem uma profunda revisão das condições de inscrição dos descendentes como beneficiários familiares da ADSE, actualmente previstas no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 118/83.

12.2. Se é certo que a ADSE tem reconhecido ultimamente o direito de inscrição aos descendentes que se encontrem a aguardar o ingresso no ensino superior (3), acompanhando a solução vertida no art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97, de 30 de Maio, a verdade é que tal solução deverá ser expressamente consagrada no diploma que regulamenta os benefícios da ADSE, de forma a clarificar o sistema e a evitar equívocos.

12.3. Importa não ignorar, a propósito, que o actual regime jurídico das prestações familiares consagrado no referido Decreto-Lei n.º 133-B/97 se aplica, também, aos funcionários e agentes da Administração Pública [vd. art.º 3.º n.º 1 al. a)], pelo que, por maioria de razão, se justifica que o regime de acesso aos benefícios da ADSE acompanhe tal evolução legislativa.

12.4. Ainda no domínio da inscrição dos descendentes, julgo que a revisão do Decreto-Lei n.º 118/83 deverá também acolher uma alteração que reputo de enorme importância e de grande alcance social. Refiro-me concretamente à situação dos descendentes maiores com deficiência permanente parcial. No actual quadro legal estes estão sujeitos, no que diz respeito ao acesso da qualidade de beneficiário familiar, aos mesmos condicionalismos exigidos aos demais interessados não deficientes, ou seja, nos termos do disposto no art.º 9.º, n.º 2, al. a), mantêm a qualidade de beneficiário familiar os descendentes “até aos 26 anos, desde que frequentem cursos de nível médio ou superior, se se encontrarem a preparar a respectiva tese de licenciatura ou a realizar estágio de fim de curso indispensável à obtenção do respectivo diploma, ainda que o mesmo seja remunerado”.

12.5. Contudo, importa não esquecer os jovens que, por motivo de deficiência parcial permanente, se vêem naturalmente impedidos de acompanhar os graus académicos normais e, assim, por razões que manifestamente lhe não são imputáveis, se vêem obrigados a frequentar, durante mais tempo, níveis de ensino mais baixos ou mesmo estabelecimentos de ensino especial. A integração do jovem deficiente – cada vez mais na ordem do dia ao nível das questões sociais – não pode deixar de merecer protecção especialmente adequada, nomeadamente no que concerne à sua recuperação, educação e protecção social. Se ao nível da educação têm sido dados passos significativos para o efeito, também se justifica, por maioria de razão, que o mesmo se verifique ao nível dos sistemas de assistência na saúde, no caso concreto, da ADSE. As condições actualmente previstas no referido art.º 9.º, n.º 2, al. a), constituem factores de exclusão social para os descendentes nestas circunstâncias, situação que, como Vossa Excelência por certo compreenderá, importa corrigir.

12.6. Recomendo, por isso, que no âmbito da revisão do diploma legal em causa seja acolhido o direito de inscrição na ADSE aos descendentes com deficiência parcial permanente até aos 26 anos, desde que inscritos em qualquer grau de ensino, sem que, consequentemente, seja exigida a frequência de curso de nível médio ou superior.

13. Clarificação das regras de comparticipação das despesas no âmbito do regime livre da ADSE, nomeadamente no que concerne à possibilidade ou não do fraccionamento de despesas de saúde (vd. ponto 3.6 desta Recomendação):

13.1. Muitas das reclamações que me são remetidas por beneficiários da ADSE devem-se à falta de clareza das regras de comparticipação relativas ao regime livre, sobretudo nas situações de cirurgia com internamento.

13.2. No que diz respeito ao regime livre, verifica-se que as regras e tabelas de cuidados de saúde da ADSE constam de despacho do Secretário de Estado do Orçamento, o qual é anualmente divulgado por Aviso publicado na II Série do Diário da República, conforme resulta do disposto nos art.ºs 35.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 118/83).

13.3. Compreende-se que as tabelas propriamente ditas, pela sua especificidade e complexidade, sejam aprovadas e divulgadas nos termos actualmente em vigor. De qualquer modo, quanto a estas, não posso deixar de referir que a sua apresentação gráfica é susceptível de criar confusão a quem pretende consultá-las, sobretudo porque se torna difícil distinguir e identificar cada uma das tabelas (por especialidade e/ou por cuidado de saúde).

13.4. No que diz respeito às regras específicas de comparticipação das despesas e que antecedem as tabelas propriamente ditas, justifica-se que as mesmas sejam revistas no sentido de um melhor enquadramento técnico e de uma maior clareza, justificando-se que as mesmas sejam publicadas em anexo ao diploma regulamentar da ADSE.

13.5. Refiro-me a este propósito e a título de exemplo ao problema do fraccionamento das despesas de saúde. É entendimento da ADSE não aceitar o fraccionamento de despesas para comparticipação, ou seja, no caso de uma intervenção cirúrgica com internamento não admite como possível fraccionar honorários, consultas, medicamentos e/ou internamento/alojamento, admitindo apenas a comparticipação sobre o conjunto da facturação inerente ao cuidado de saúde prestado. Em certo sentido até compreendo o actual entendimento da ADSE sobre o assunto. Por um lado, porque se está perante um subsistema de saúde específico (dos funcionários e agentes do Estado) e não de um sistema complementar de saúde e, por isso, compreendo que funcione como um regime de primeira linha no tocante à comparticipação das despesas de saúde. Por outro lado, afigura-se razoável que a comparticipação da despesa, no caso de um cuidado de saúde complexo (por exemplo, de uma cirurgia com internamento que exige uma multiplicidade convergente de cuidados), só possa incidir sobre a globalidade da despesa. Por fim, a transparência e a coerência do sistema da ADSE a isso parecem obrigar.

13.6. Contudo, como Vossa Excelência compreenderá, qualquer que seja a posição que sobre este assunto venha a ser efectivamente adoptada, o certo é que os mesmos princípios da transparência e da coerência do sistema, impõem que a mesma seja expressa e claramente consagrada no diploma regulamentar da ADSE e não continue a resultar de interpretações duvidosas da lei em vigor, nem de meros expedientes administrativos casuisticamente adoptados, tanto mais que o disposto no art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 118/83 não é suficientemente claro no sentido de permitir fundamentar a posição que tem sido sustentada, a propósito, pela ADSE.

São estas as recomendações que, a propósito das várias reclamações que me vão chegando, entendi por bem formular a Vossa Excelência e que constituem, afinal, um contributo para a revisão do quadro legal da ADSE.

Com o pedido de que, com a máxima brevidade possível, me seja comunicada a posição que vier a ser assumida relativamente a esta Recomendação (art.º 38.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril), apresento a V.Ex.ª os meus melhores cumprimentos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
____________________________________________________
(1) A nomeação está sujeita a publicação no Diário da República (art.º 34.º do DL n.º 427/89, de 27/12), constituindo, tal formalidade, condição da eficácia daquele acto administrativo, por força do disposto no art.º 130.º do Código do Procedimento Administrativo.
(2) Atente-se, por exemplo, na recente Lei n.º 135/99, de 28/8.
(3) Nesse sentido, vd. ofício da ADSE de 24-06-98.