Inspector Regional do Trabalho

Rec. n.º 46/A/00
Proc. R-973/99
Data: 08.06.2000
Área: Açores

Assunto: FUNÇÃO PÚBLICA. NÃO ENVIO DOS MAPAS DO QUADRO DE PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DO IMPRESSO. INCUMPRIMENTO DO PRAZO. PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL.

Sequência: Acatada

I – INTRODUÇÃO

Tendo sido dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação relativa ao procedimento contra-ordenacional nº 60/99, foi instruído o respectivo processo na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores.

Nos termos da queixa, a interessada não fez entrega do mapa do quadro de pessoal no prazo legal em virtude de não se encontrarem disponíveis nos locais de venda os respectivos impressos; a este facto acrescia a circunstância de um funcionário da Inspecção do Trabalho da Horta (senhor C) ter sido informado da impossibilidade de aquisição. Mas, não obstante, a reclamante foi notificada para pagar a coima que lhe fora aplicada na sequência do processo contra-ordenacional supra mencionado. Era deste procedimento que vinha feita a queixa.

Deve destacar-se que o montante da coima aplicada – sete mil escudos – não é susceptível de ser considerado um valor elevado. Assim sendo, resulta com clareza que não foi o prejuízo material provocado pela reclamada aplicação da coima que motivou a queixa – nem é por conseguinte esse mesmo prejuízo que justifica esta minha comunicação. Diferentemente, são as circunstâncias que estão na origem da instauração do procedimento contra-ordenacional e da aplicação da coima que me levam a fazer esta chamada de atenção.

No âmbito da instrução foi cumprido o dever de audição prévia (artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril) a coberto dos ofícios de 16/03/99 e 21/10/99, respectivamente; e, em suma, foram obtidos os seguintes esclarecimentos (cf. ofícios de 05/04/99 e 11/11/99, respectivamente):

a) Sobre os factos que deram origem à instauração do processo contra-ordenacional n.º 60/99 V. Ex.ª dignou-se informar que fora o “facto da arguida no dia 18 de Dezembro de 1998, não ter remetido aos (…) serviços, o mapa de quadro de pessoal, conforme estabelecem os artigos 1.º e 3.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 332/93, de 25 de Setembro”;
b) Sobre o facto da Inspecção Regional do Trabalho ter tido conhecimento da inexistência, nos locais de venda habituais, dos impressos necessários ao cumprimento da obrigação de entrega do mapa do quadro de pessoal V. Ex.ª esclareceu que havia determinado “que o prazo fosse dilatado até dia 7 de Dezembro”, “dado ter sabido que havia alguma dificuldade na sua aquisição”.

II – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

Como é bom de ver, não constitui matéria controvertida a questão da obrigatoriedade do envio dos mapas de pessoal nem, tão pouco, o prazo fixado para o seu cumprimento. O regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei n.º 332/93, de 25 de Setembro é – no domínio das prescrições às entidades empregadoras bem como no que se refere às consequências do incumprimento das respectivas normas – absolutamente claro. Note-se o teor das disposições mais relevantes:

Artigo 1.°
Âmbito de aplicação
1- As entidades com trabalhadores ao seu serviço são obrigadas a enviar às entidades referidas no presente diploma, dentro dos prazos fixados, os mapas do quadro de pessoal devidamente preenchidos.
(…)

Artigo 3.°
Destinatários e prazo de envio dos mapas do quadro de pessoal
1- Durante o mês de Novembro de cada ano, serão enviados dois exemplares do mapa, com dados actualizados em relação ao mês de Outubro anterior, às seguintes entidades:
(…)
b) Em relação a trabalhadores cujo posto de trabalho se situe nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, aos respectivos serviços regionais.
(…)

Artigo 5.°
Impressão, distribuição e substituição
1- A impressão e a distribuição dos impressos dos mapas de pessoal serão asseguradas pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, nas condições e formas acordadas com o Ministério do Emprego e da Segurança Social, quer no formato normal quer no formato informático.
(…)

Artigo 8.°
Contra-ordenações
1- Constitui contra-ordenação:
(…)
e) O não envio dos mapas a qualquer das entidades referidas no n.° 1 do artigo 3.°;
(…)
2- As contra-ordenações previstas no número anterior são punidas, nos termos do Decreto-Lei n.° 491/85, de 26 de Novembro, com coima de:
a) 2.500$00 a 20.000$, se o número de trabalhadores ao serviço for inferior ou igual a 5;
b) 5.000$00 a 40.000$, se o número de trabalhadores ao serviço for de 6 a 20;
c) 10.000$00 a 80.000$, se o número de trabalhadores ao serviço for de 21 a 50;
d) 20.000$00 a 160.000$, se o número de trabalhadores ao serviço for de 50 a 100;
e) 40.000$00 a 320.000$, se o número de trabalhadores ao serviço for superior a 100.
(…)

Não obstante este quadro normativo, V. Ex.ª informou que teve conhecimento da dificuldade de aquisição dos impressos relativos ao quadro de pessoal. Mais: V. Ex.ª atribui a essa circunstância relevância justificativa da prorrogação do prazo de entrega. Este facto constitui, por si só, o motivo da presente chamada de atenção. Com efeito, tendo V. Ex.ª verificado a impossibilidade de aquisição dos impressos relativos ao quadro de pessoal, pareceria fazer mais sentido aceitar que a prorrogação do prazo de entrega dos mapas fosse feita coincidir com a existência impressos no mercado.
A instrução do processo não permitiu apurar a data a partir da qual a interessada pôde adquirir impressos na ilha do Pico:
a) Foi estabelecido contacto telefónico com a papelaria Bel’Arte, na Madalena do Pico, através do qual foi confirmado que os impressos em causa estiveram esgotados;
b) Foi oficiada a Imprensa Nacional Casa da Moeda, S.A. (INCM) a coberto do ofício de 26/01/00 e foram obtidos esclarecimentos (cf. ofício de 31/03/00) relevantes. Com efeito, no que concerne ao estabelecimento Bel’Arte da Madalena foram feitos dois pedidos de impressos (modelo 1311) – nos dias 22/09/98 e 02/12/98 – tendo a INCM expedido as encomendas em 29/09/98 e em 10/12/98.

Parece então poder concluir-se que, se em Novembro de 1998 os impressos estavam esgotados na ilha do Pico e o único estabelecimento que aí os vendia (Bel’Arte) somente recebeu nova remessa em 10 de Dezembro, nunca os interessados poderiam ter cumprido a obrigação de entrega até ao dia 7 de Dezembro, a não ser que os adquirissem noutro estabelecimento – sendo que o mais próximo é a Tabacaria da Sorte, na cidade da Horta na ilha do Faial.

Não restando dúvidas sobre o facto de caber aos interessados a incumbência de diligenciar pela obtenção dos respectivos impressos (tal como V. Ex.ª afirma, e bem, no ofício de 11/11/99) importa frisar que, na presente situação, a interessada procurou – embora em vão – comprar impressos no único estabelecimento revendedor da Imprensa Nacional Casa da Moeda, S.A. existente na ilha do Pico.

Refira-se acrescidamente que a interessada estabeleceu contacto telefónico com um funcionário da delegação da Horta da Inspecção Regional do Trabalho.

Não pode o Provedor de Justiça, em face do quanto fica dito, deixar de verificar a desproporção da actuação administrativa reclamada e o afloramento da burocratização e da ineficiência que a presente situação revela (vide artigos 5.º e 10.º do Código do Procedimento Administrativo).

Com efeito, o caso em análise reconduz-se, a final, à questão de se saber se é legítimo impor aos interessados o ónus de se deslocarem a uma outra ilha do arquipélago dos Açores para cumprirem uma obrigação legal; e tudo isto, note-se, quando existia na Administração a plena consciência – reforçada pela informação prestada telefonicamente pela interessada à delegação da Horta – de que os impressos necessários estavam esgotados.

Ora a necessidade de deslocação a outra ilha inerente ao cumprimento da obrigação de entrega dos mapas de pessoal é, estou em crer, absolutamente desproporcionada. A este propósito permita-me V. Ex.ª que refira, sem mais comentários, a norma contida no artigo 13.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, diploma que “estabelece medidas de modernização administrativa” (vide artigo 1.º, n.º 1) aplicando-se “(…) a todos os serviços da administração central, regional e local” (n.º 2):

Artigo 13.º
Formalidades administrativas
1- Os serviços e organismos da Administração Pública devem facultar aos respectivos utentes os formulários e os valores selados necessários à instrução dos seus processos, de modo a evitar que o público tenha de se deslocar para os adquirir.
(…)

Por outro lado, a alegada obrigatoriedade de ser mantida, pelos diversos interessados, uma reserva de impressos colide igualmente com o princípio da proporcionalidade. Com efeito, não é aceitável que se imponha aos administrados a obrigação de manterem reservas de impressos cuja utilização futura não está garantida uma vez que os respectivos modelos podem, a todo o tempo, ser alterados. Até porque, a fazer vencimento este entendimento, os administrados deveriam possuir uma reserva da totalidade dos impressos necessários ao cumprimento da imensidão de obrigações legais (de registo, fiscais, da segurança social, etc.) actualmente existentes e que, em abstracto, podem vir a ter que satisfazer.

Sendo certo que a Inspecção Regional do Trabalho não pode ser responsabilizada pela inexistência de impressos no mercado não deixa de ser igualmente verdade que se esperaria, de um serviço da Administração Regional dos Açores, uma melhor compreensão pela situação de interessados açorianos. É que a situação que motivou a presente reclamação resulta, indubitavelmente, de uma especificidade regional motivada pela descontinuidade geográfica e pela exiguidade territorial da ilha do Pico.

Ao atribuir relevância ao facto dos impressos estarem esgotados através da prorrogação do prazo de entrega dos mapas até ao dia 7 de Dezembro – quando in casu este alargamento do prazo em nada contribuiu para a efectiva possibilidade de cumprimento da obrigação – a Administração não foi eficiente e quedou-se por uma actuação burocratizada.

Diga-se, por fim, que a interessada não reclamou, que pagou voluntariamente a coima e que o valor desta não foi elevado; também não fez uso da faculdade conferida pelo artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 491/85, de 26 de Novembro.

Estes factos, não afectando o sentimento de injustiça que a presente situação revela, impedem que o Provedor de Justiça recomende a não instauração de processo de contra-ordenação à interessada, ou que defenda a decisão do procedimento em determinado sentido.

Não obstante, importa recomendar a não instauração de procedimentos de contra-ordenação por infracção ao disposto nos artigos 1.º e 3.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 332/93, de 25 de Setembro, nas situações em que os interessados – por circunstâncias excepcionais que lhes são estranhas – apenas possam fazer a entrega dos mapas do quadro de pessoal mediante diligências desproporcionadas, designadamente em termos de deslocações.

III – CONCLUSÕES

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO:

Que a Inspecção Regional do Trabalho atenda com especial atenção às situações em que os interessados – por circunstâncias excepcionais, que lhes são estranhas e que resultam das características de descontinuidade geográfica da Região Autónoma dos Açores – apenas possam cumprir as obrigações de entrega de formulários ou impressos mediante diligências desproporcionadas, designadamente em termos de deslocações.

Chamo a atenção de V. Ex.ª para a circunstância da presente Recomendação, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, não dispensar a comunicação a este órgão do Estado da posição que venha a ser assumida em face das respectivas conclusões.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL