Director Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo
Rec. n.º 55/A/00
Proc. R- 3277/97
Data: 08.06.2000
Área: A1
Assunto: URBANISMO E HABITAÇÃO. DOMÍNIO PÚBLICO HÍDRICO. ORLA COSTEIRA. APOIO DE PRAIA.
Sequência: Acatada
I- EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
A. Dos factos
1. Foi solicitada a minha intervenção sobre assunto relativo à gestão da orla marítima abrangida pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira do troço Cidadela-Forte de São Julião da Barra, em especial, no tocante ao licenciamento de uma esplanada-bar junto ao Forte de Santo António, em São João do Estoril, no concelho de Cascais.
2. Invocou o reclamante que a instalação da referida esplanada havia merecido contestação por parte dos moradores naquela área, porquanto contribuiria para a degradação paisagística da zona, assim como para a insegurança dos residentes, pressupondo que aquele espaço público merecia ser recuperado e colocado ao serviço da população.
3. Sobre a situação reclamada foram solicitados esclarecimentos à Câmara Municipal de Cascais e à Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo.
4. A instrução do processo permitiu recensear os seguintes factos:
a) Em 23 de Setembro de 1996, o Senhor D. N. apresentou, à Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo, um pedido de viabilidade para a instalação de um equipamento de apoio à Praia do Forte, em São João do Estoril, com a denominação de ………………..
b) O projecto do apoio de praia previa uma instalação com uma área coberta de 55 m2 e 80 m2 de área descoberta, destinada a bar-esplanada, instalações sanitárias e arrecadação para o material balneário e socorrista.
c) Sobre o pedido pronunciaram-se favoravelmente a Capitania do Porto de Cascais e a Câmara Municipal de Cascais. Consultado o Instituto Português do Património Arquitectónico, este confirmou que o local onde se pretendia implantar o bar-esplanada não se encontrava abrangido por servidão administrativa instituída na área do património cultural.
d) A Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo concedeu ao requerente a licença de ocupação do domínio público marítimo n.º 281/97/DPM, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 309/93, de 2 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 218/94, de 20 de Agosto, e atendendo ainda ao estabelecido no Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, para instalação de um apoio-equipamento, junto à Praia do Forte, designado por …
e) Em 20 de Julho de 1997, o titular da referida licença solicitou a conversão desta de sazonal para anual, o que veio a ser deferido pela Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, após parecer favorável da Capitania do Porto de Cascais.
f) No decurso da fase de discussão pública do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) para o troço Cidadela/Forte de São Julião da Barra, foi apresentada reclamação no que concerne à previsão, para a Unidade Operativa de Planeamento e Gestão G1 (UOP G1) – Plano de Pormenor da Zona de São João e da Envolvente do Forte de Santo António -, de um equipamento junto ao Forte de Santo António, reclamação essa que não seria atendida.
g) Com a entrada em vigor do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, a Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo admitiu existirem algumas dúvidas sobre o assunto e solicitou um estudo sobre a actuação a adoptar ao Gabinete de Sua Excelência a Ministra do Ambiente.
h) Esse pedido deu lugar à Informação n.º 33/NAAJ/99, que obteve a concordância de Sua Excelência Ministra do Ambiente, concluindo no sentido de as licenças existentes caducarem com a entrada em vigor do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, sem prejuízo da possibilidade de as mesmas poderem ser renovadas, ao abrigo do disposto no art. 96º do Regulamento do POOC Cidadela/Forte de São Julião da Barra, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98, publicada no Diário da República, 1.ª Série-B, n.º 241, de 19 de Outubro de 1998.
i) A coberto do ofício de 3 de Março de 2000, a Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo informou que concluía pela emissão da licença de ocupação do domínio público marítimo, para instalação e exploração do bar-esplanada …, nos termos do disposto no art. 96.º do Regulamento do POOC Cidadela-Forte de São Julião da Barra.
j) A construção ou utilização do bar-esplanada não foi objecto de licenciamento por parte da Câmara Municipal de Cascais, entendendo esta entidade que, por se tratar de uma instalação amovível, não estaria sujeita a qualquer intervenção municipal.
k) Não obstante, a Câmara Municipal de Cascais, com base nas reclamações dos residentes e em parecer da Junta de Freguesia do Estoril, solicitou à Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo que não renovasse a respectiva licença de ocupação do domínio público marítimo.
B. Do direito
5. Em face dos factos descritos, cumpre analisar a legalidade do licenciamento do bar-esplanada Alcatruz, situado junto ao Forte de Santo António.
6. O local onde se situa o bar-esplanada está sujeito ao regime jurídico da utilização do domínio hídrico, previsto no Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro.
7. De acordo com o art. 5.º do citado diploma, a utilização privativa do domínio hídrico deve ser titulada por licença emitida pela competente Direcção Regional do Ambiente ou por contrato de concessão autorizado pelo Ministro do Ambiente.
8. Importa, nos termos daquele regime jurídico, considerar a distinção entre apoios de praia e equipamentos.
9. Assim, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei nº 46/94, entende-se por apoios de praia “o núcleo básico de funções e serviços infra-estruturados que, completo, integra vestiários, balneários, instalações sanitárias, postos de socorros, comunicações de emergência, informação e assistência a banhistas, limpeza de praia e recolha de lixo, sem prejuízo de, complementarmente, assegurar outras funções e serviços, nomeadamente comerciais” (art. 59.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro). São, ainda, consideradas apoios de praia as instalações enunciadas no n.º 2 do citado art. 59.º.
10. Por seu turno, constituem equipamentos “o núcleo de funções e serviços que não corresponda a apoio de praia, nomeadamente restaurantes e snack-bares” (art. 59.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro).
11. Uma vez que está em causa um terreno do domínio público, há que atender ao diferente regime jurídico que o citado diploma estabelece para a ocupação do domínio público por apoios de praia e por equipamentos.
12. Com efeito, no Decreto-Lei n.º 46/94 exige-se que a utilização do domínio público hídrico para apoio de praia seja titulada por licença (art. 59.º, n.º 4), estabelecendo que a sua utilização para instalação e exploração de equipamentos está sujeita à celebração de contrato de concessão, precedida de concurso público (cfr. art. 59.º, n.º 5, e art. 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro).
13. Relativamente ao bar-esplanada …, esclareceu essa Direcção Regional que havia sido apresentado e deferido um pedido de instalação de um apoio de praia em terreno do domínio público marítimo.
14. De resto, a licença de ocupação do domínio público marítimo n.º …/97DPM que veio a ser emitida refere-se a um apoio de praia, situado junto à Praia do Forte. A este propósito, cumpre salientar que a licença foi concedida sob condição de ser promovida a vigilância e segurança de banhistas e de ser assegurada a limpeza da praia.
15. A verdade, porém, é que o bar-esplanada … não pode ser qualificado como apoio de praia, para efeitos de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro.
16. Com efeito, o bar-esplanada …não se situa junto à Praia do Forte, nem está localizado na proximidade de qualquer praia, conforme foi possível observar em visita ao local.
17. De todo o modo, a inexistência de qualquer praia junto ao bar-esplanada … parece já evidenciada, ainda, pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira Cidadela/Forte de São Julião da Barra agora em vigor (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 123/98, publicado no DR, I Série-B, de 19 de Outubro de 1998), uma vez que este instrumento de planeamento territorial não assinala a existência de qualquer praia no local.
18. Desta forma, na ausência de qualquer praia nas imediações do bar-esplanada Alcatruz, fica, irremediavelmente, prejudicada a possibilidade de o mesmo funcionar como apoio de praia.
19. Aliás, a Direcção Regional do Ambiente reconhecera já que a utilização do domínio público marítimo que está em causa corresponde, na verdade, a um equipamento e não a um apoio de praia (cfr. ofício de 03.09.98).
20. Nesta ordem de ideias, porque se trata simplesmente de um equipamento, a utilização do terreno do domínio público marítimo para instalação e exploração do bar-esplanada … só podia ter sido titulada por contrato de concessão, autorizado pelo Ministro do Ambiente e precedendo concurso público (art. 5.º, n.º 2, art. 59.º, n.º 5, e art. 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro).
21. Desta forma, a licença de ocupação do domínio público marítimo n.º …/97DPM foi concedida sem que estivessem preenchidos os pressupostos legais da sua atribuição, designadamente, uma utilização do domínio público marítimo para apoio de praia.
22. O acto de atribuição da licença de ocupação do domínio público marítimo n.º …/97DPM preteriu as normas que impõem a autorização do Ministro do Ambiente, a celebração do contrato de concessão e a necessidade de concurso público para escolha do co-contratante.
23. O acto que atribuiu a licença de utilização do domínio público marítimo enferma, pois, de violação de lei e de vício de forma, assim se revelando inválido, como ocorre, e pela mesmas razões, com os actos que renovaram aquela licença anual.
24. Não há dúvida que as licenças e concessões existentes à data da entrada em vigor do POOC Cidadela/Forte de São Julião da Barra podem não caducar ou podem ser renovadas, quando este instrumento preveja a possibilidade da ocupação da área em causa (art. 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 309/93, de 2 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 218/94, de 20 de Agosto, e art. 96.º e seguintes do Regulamento do referido POOC).
25. Contudo, a possibilidade de atribuir licenças ou concessões, nos termos do POOC Cidadela-Forte de São Julião da Barra, ou a possibilidade de renovar licenças concedidas anteriormente, não prejudica a necessária aplicação das normas legais enunciadas, as quais exigem que a utilização do domínio público marítimo para instalação ou exploração de um equipamento seja titulada por contrato de concessão, autorizado pelo Ministro do Ambiente e precedido de concurso público.
26. Assim, a licença que V. Exa. pretende atribuir ao bar-esplanada …, nos termos do art. 96.º do POOC, enferma de ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 59.º, n.º 5, 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, razão pela qual não posso deixar de recomendar que a Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo se abstenha de praticar o acto de licenciamento ou revogue o mesmo acto, com fundamento em ilegalidade, nos termos do art. 141.º do Código de Procedimento Administrativo, se acaso o já tiver praticado, entretanto.
II – CONCLUSÕES
De acordo com o que ficou exposto, e em nome da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art. 23.º, n.º 1, CRP), entendo fazer uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20.º, nº 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça), e, como tal, RECOMENDAR:
1.º Que a Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo não atribua licença de utilização privativa do domínio hídrico, para instalação e exploração do bar-esplanada, considerando que o mesmo constitui um mero equipamento e que a utilização de um terreno do domínio público marítimo para a sua instalação e exploração só pode ser titulada por contrato de concessão, autorizado pelo Ministro do Ambiente e precedido de concurso público, nos termos dos artigos 5.º, n.º 2, 59.º, n.º 5, 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro.
2.º Ou, no caso de já ter sido atribuída licença ao bar-esplanada …, por renovação da licença anterior, que a Direcção Regional do Ambiente de Lisboa e Vale do Tejo revogue este acto de licenciamento, com fundamento em ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 59.º, n.º 5, 62.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, e nos termos do art. 141.º do Código de Procedimento Administrativo.
Recordo a V. Ex.ª ser a presente Recomendação formulada ao abrigo do disposto no art. 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril. Como tal, obriga o seu destinatário ao cumprimento dos deveres assinalados no art. 38.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL