Presidente do Centro de Estudos e Formação Autárquica
Rec.n.º 56/A/00
Proc.R-2845/98
Data:09-06-2000
Área: A3
ASSUNTO: EDUCAÇÃO – CURSO DE ADMINISTRAÇÃO AUTÁRQUICA – REGIME DE FREQUÊNCIA – FALTA DE APROVEITAMENTO
Sequência: Acatada
No âmbito do processo em referência, tem vindo a ser objecto de apreciação o regime aplicável aos alunos do curso de Formação Autárquica que não tenham obtido aproveitamento em determinado semestre lectivo. Entende esse Centro de Estudos que, nesses casos, o aluno deverá repetir todas as disciplinas do semestre em causa, mesmo aquelas em que tenha registado resultados positivos.
Esta actuação é contestada por ser demasiado penalizadora para os alunos, a nível principalmente pedagógico mas também financeiro, por obrigar à repetição do estudo e do pagamento de propinas relativamente a disciplinas já anteriormente realizadas com sucesso.
Parece-me evidente, no primeiro caso, que assim é. Um regime de frequência como o controvertido representa uma solução acrescidamente onerosa para os alunos, na contingência de serem obrigados a repetir a frequência de determinados módulos em que obtiveram já aproveitamento. Um sistema deste tipo é designadamente muito mais exigente do que o normalmente utilizado em processos de aprendizagem, no qual o aluno apenas repete a frequência dos módulos disciplinares em que tenha reprovado anteriormente.
Não sendo em si censurável, esta maior dificuldade deverá no entanto fundar-se não só em razões relevantes, que permitam concluir da proporcionalidade da actuação relativamente ao objectivo prosseguido, nas três vertentes clássicas da adequação, necessidade e proporcionalidade stricto senso, como também estar consagrada inequivocamente em norma que discipline a frequência do curso em questão.
A resposta a estas duas condicionantes parece-me dubitativa quanto à primeira e negativa quanto à segunda, no caso sub judicio.
Veja-se, antes de mais, a interpretação do normativo legal que rege o curso, constante da Portaria n.º 948/95, de 2 de Agosto e do regulamento interno do curso.
Nos termos do artigo 5.º da Portaria em causa, a transição de semestre está dependente da conclusão de cinco disciplinas, sendo, portanto, de dois o número limite de disciplinas em que se pode reprovar. A Portaria prevê ainda um regime especial de avaliação de que os alunos poderão beneficiar em até duas disciplinas, no máximo (cf. n.º 6, 7 e 8 do artigo 5º).
O Centro de Estudos e Formação Autárquica tem entendido que o facto de essa época especial estar limitada à realização de duas disciplinas implica que a ela só possam aceder os alunos que tenham registado aproveitamento do semestre, embora com uma ou duas disciplinas não realizadas. Tem-se também entendido, pela mesma razão, que os alunos que tenham reprovado em mais de duas disciplinas, não podendo beneficiar de regimes especiais para a realização das mesmas, serão obrigados a repetir todas as disciplinas do semestre.
Esta interpretação não assenta, porém, em nenhum elemento normativo explícito ou implícito. De facto, o diploma não circunscreve o acesso ao regime especial de exame aos alunos que possam transitar de semestre ou concluir o curso. Mas, ainda que assim fosse, não é nunca referido qual o regime de frequência aplicável aos alunos que tenham reprovado num dos semestres. Como se viu, a lei limita-se a estabelecer em que termos um aluno transita ou reprova e ainda a prever uma época especial de avaliação; nada diz, nem a contrario, relativamente ao tratamento que merecerão os alunos que reprovarem em mais de duas disciplinas e, muito menos, que, nestes casos, será necessária a repetição de todas as disciplinas do semestre, qualquer que tenha sido o resultado alcançado.
Nesse contexto, é forçoso concluir que a actuação reclamada, não decorrendo de lei, onde não está prevista, resultou do exercício de autonomia pedagógica conferida a esse Centro, no âmbito da qual se considerou que, face à natureza e às características do curso de Formação Autárquica, seria conveniente e adequada a aplicação do regime em questão.
Assim sendo, cumpre apreciar os vários fundamentos aduzidos a este respeito, já amplamente comunicados à Provedoria de Justiça no decorrer da instrução deste processo.
A razão predominante para a adopção do regime de repetição integral das disciplinas prende-se com a preocupação de se evitar uma realização do curso descontínua e desfasada, prolongando-se por um período mais longo do que o previsto, motivando-se antes uma aprendizagem uniforme, concentrada e linear, mais adequada às características do curso e do tipo de formação aí concedido.
São ainda aduzidos outro tipo de argumentos em defesa do procedimento em causa, a saber, que a admissão de um regime menos exigente iria permitir a formação de alunos com fracas capacidades, que tal redundaria em aumento significativo do número de formandos supranumerários, por essa razão não abrangidos pelos apoios financeiros existentes.
Ora, salvo o devido respeito, nenhum dos argumentos acima transcritos me parece decisivo para sustentar irrefragavelmente a necessidade da repetição do total de disciplinas por parte dos formandos que tenham reprovado em três ou mais módulos.
Assim, quanto à primeira razão invocada, relativa à necessidade de se assegurar uma formação contínua e uniforme, entendo que, sendo embora um objectivo meritório, não é o mesmo assegurado pelo regime de repetição integral de módulos.
De facto, não é forçoso que, repetindo-se apenas as disciplinas em que se haja reprovado, o aluno prolongue excessivamente o período de duração do curso. Pelo contrário, reunirá condições para melhor e mais rapidamente o completar. Se se pretende evitar o arrastamento da realização do curso, o meio mais adequado seria a fixação de um prazo limite para a sua conclusão, inclusivamente reportado a cada um dos semestres. De acordo com o regime actualmente em vigor o curso pode-se prolongar até quatro semestres, quando não haja reprovações de semestres, bastando que um aluno, concluído o segundo semestre do curso, mas com duas disciplinas em atraso, utilize para as realizar as duas épocas seguintes de exame previstas nos n.os 6 e 7 do artigo 5.º da Portaria n.º 948/95, ou seja, a época especial e a subsequente frequência como supranumerário.
Tendo esse facto por referência, poder-se-ia fixar um número limite de semestres para a conclusão do curso, não inferior a quatro. Por esta via, seria possível garantir uma concentração temporal do período de realização do curso, permitindo simultaneamente uma efectiva uniformidade no processo de aprendizagem dos conteúdos do curso, sem que se verificassem efeitos danosos desnecessários para os alunos, sujeitos à frequência e avaliação em disciplinas em que já tiveram aprovação, quiçá com elevadas classificações. Creio que o
prejuízo pedagógico e o incentivo ao desinteresse é evidente.
Alega-se também que, admitindo a frequência apenas dos módulos não realizados no semestre anterior, estar-se-ia a introduzir um processo de aprendizagem permissivo e facilitista, que não asseguraria a qualidade final da formação.
Este entendimento não colhe, por um lado, porque, na medida em que se permite a repetição ano após ano do elenco integral das disciplinas, não é possível assegurar que todos os alunos do curso sejam de um nível médio ou superior, não sendo a repetição um elemento válido para essa qualificação. Esse escopo é muito mais bem prosseguido pela fixação do já referido período máximo para a conclusão do curso.
Por fim, argumenta-se que a alteração do regime de frequência acarretaria a criação de um número de alunos supranumerários, com encargos incomportáveis para os mesmos. Também aqui entendo não colher a fundamentação aduzida. Por exemplo, no caso suscitado no presente processo, é exactamente devido aos encargos que representa a repetição integral das disciplinas do 1º semestre que a reclamação é apresentada, sendo portanto fácil de ver que nem sempre a actuação em apreço representará uma diminuição dos custos ou uma solução mais favorável para os formandos que, de todo o modo, poderão ou não sempre optar pela continuidade dos seus estudos.
Por último, argumento que creio ser decisivo, mesmo admitindo sem conceder que V.ª Ex.ª tem toda a razão quanto à bondade do regime aplicado, necessário se torna reconhecer que em nenhuma norma reguladora do curso de formação autárquica se pode extrair, directa ou indirectamente, por qualquer meio legítimo de interpretação de regras jurídicas o sentido defendido por esse Centro. Não é a partir de normas que regulam a realização de uma época especial e o número máximo de exames a nela realizar que se pode tirar conclusões quanto à necessidade ou não de repetição de disciplinas em que se obteve aproveitamento.
O tratamento monolítico dos semestres não é afirmado em nenhuma norma dos regulamentos invocados, podendo pelo contrário presumir-se o contrário face à divisão em disciplinas e a várias regras a ela atinentes (cap. III, n.º 6, do Regulamento e todo o capítulo IV, em especial os n.º 1, 3 e 6).
Acresce que regras similares relativamente a épocas especiais existem nos regulamentos de avaliação de várias, se não todas, as escolas do ensino superior e em nenhuma, que eu saiba, se retirou tão estranha dedução quanto à necessidade de repetição de disciplinas.
Face ao exposto, RECOMENDO:
-que, no âmbito do regime de frequência dos cursos de Formação Autárquica, seja autorizada aos alunos que não transitem de semestre, a repetição apenas dos módulos em que não tenham obtido anterior aproveitamento, sem prejuízo da estipulação de um prazo máximo previamente fixado para a conclusão do curso, ou, assim não sendo, que pelo menos não seja observado o entendimento seguido por esse Centro em relação aos alunos já em frequência do mesmo curso, aprovando-se entretanto as normas regulamentares necessárias que o legitimem.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel