Presidente do Conselho de Administração da EPAL, SA
Rec. n.º 60/A/00
Proc.: R-1686/99
Data: 28-07-2000
Área: A 6
Assunto: CONSUMO. CONSUMO DE ÁGUA. FACTURAÇÃO POR ESTIMATIVA. COMPENSAÇÃO DO CRÉDITO.
Sequência: Acatada
Foi apresentada uma reclamação nesta Provedoria de Justiça segundo a qual a compensação operada por essa empresa em determinada factura entre os valores resultantes de leitura do contador e as estimativas anteriormente cobradas se afigurava incorrecta, representando um prejuízo para o reclamante.
Mais não compreendia o utente as deduções feitas nas várias rubricas nem o modo como foram apurados os valores finais, uma vez que os cálculos por ele efectuados não coincidiam com a soma ou subtracção das parcelas indicadas na factura. Pretendia assim o queixoso que o valor aparentemente facturado em excesso nessa factura de correcção de leituras lhe fosse devolvido ou então explicados os fundamentos dos acertos operados.
Solicitados os esclarecimentos pertinentes, veio essa empresa remeter, a coberto do ofício citado em epígrafe, uma “tabela de acertos” relativa ao cliente, esclarecimentos depois completados oralmente por uma funcionária dessa empresa, tendo-se concluído que os valores apurados estavam correctos, muito embora a totalidade do montante devido ao utente ter sido repartida pela factura impugnada e pelas facturas seguintes.
Ultrapassada a questão da correcção substantiva do acerto de contas, subsiste a questão genérica da correcção do procedimento havido para com o reclamante, supostamente paradigmático daquele que essa empresa tem com a generalidade dos consumidores.
É manifesto que qualquer destinatário médio de uma factura como a n.º … não consegue alcançar conclusões seguras quanto à justificação de cada uma das suas parcelas e, principalmente, do total cobrado. Só olhando para o consumo de água, temos a discriminação de 4 parcelas de uma operação aritmética em que se pretende que somando 1368 a 1875,3 e diminuindo o valor total de 3260 adicionado a 1140, se obtém um resultado zero. Há uma manifesta desconformidade entre a informação que é prestada ao consumidor e o resultado que lhe é exigido, sem que tal seja minimamente justificado no mesmo documento, em termos que tornem racional, se não aceitável, a atitude dessa empresa.
Esta discrepância, bem como a consequente necessidade de a dedução dos valores cobrados em excesso em facturas subsequentes, foi justificada por essa empresa na circunstância de ser seu entendimento que a quota de serviço deveria sempre ser cobrada, deduzindo-se o excesso em consumo estimado de água apenas e exclusivamente nas quantias devidas pelo consumo real, num período ou mais, consoante o necessário.
Estão assim em causa duas ordens de questões diversas, a primeira quanto ao cumprimento dos deveres de informação, presentes em qualquer relação contratual mas com especial acuidade numa relação de consumo (cfr. art.ºs 4.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho), a segunda tendo presente a correcção do entendimento seguido por essa empresa quanto aos termos do funcionamento da compensação.
Julgo que V. Ex.ª será o primeiro a concordar comigo na escassa legibilidade das facturas emitidas de acordo com o actual critério. Sem qualquer explicação, que podia consistir numa mensagem genérica ou, de preferência, numa indicação do saldo credor a transitar para a próxima factura, é natural que o consumidor se sinta lesado, assim contribuindo para uma pior imagem do serviço prestado e para o aumento da conflituosidade, com apresentação de reclamações legítimas embora escusadas.
Por outro lado, não parece curial o critério seguido por essa empresa para a compensação das quantias cobradas em excesso por via de estimativas superiores ao consumo real, apenas fazendo-a operar ao nível do consumo de água e não do da quota de serviço.
Argumentará V. Ex.ª que a quantia cobrada em excesso resultou de um consumo de água estimado superior ao real, e não de uma quota de serviço que não fosse devida. Todavia, creio que a análise mais correcta parte da verificação que em certo momento a EPAL terá a percepção de ter cobrado uma quantia em excesso respeitante a um serviço que presta, o de fornecimento de água, tendo a cobrar uma quantia que lhe é inferior. Houve assim uma antecipação do cumprimento por parte do consumidor, sendo natural que essa situação seja prontamente reparada, como na situação inversa, isto é, em que o acerto de contas resultasse a favor da EPAL.
No que à separação de rubricas a que essa empresa procede, não creio que se possa defender que os créditos ou débitos por consumo de água sejam funcionalmente indissociáveis dos originados por quota de serviço. Ambos estão intrinsecamente ligados na prestação do mesmo serviço público de abastecimento de água, sendo perfeitamente legítimo a essa empresa a recusa de quitação parcial em relação a uma destas rubricas, por aplicação dos art.ºs 6.º e 5.º, n.º 4, da Lei nº 23/96. No entanto, o critério utilizado por essa empresa na compensação de créditos permite indiciar, falsamente julgo, que no vosso entendimento a quota de serviço e o fornecimento de água são dissociáveis, já que é essa empresa que se propõe o que grosso modo chamarei “compensação parcial”.
Pelo contrário, parece-me mais defensável a separação entre as compensações ao nível das contas de água e das contas de terceiros.
A leitura por estimativa serve, quer a empresa prestadora de serviço, permitindo desde logo receber as quantias que lhe seriam devidas, presumivelmente aproximando a facturação daquela que corresponderia a uma leitura real, quer o consumidor, evitando a acumulação de dívidas de elevado montante. Contudo, nada permite supor que na licitude deste instrumento esteja envolvida uma obrigação de antecipação do cumprimento da prestação pecuniária do consumidor, seguindo-se a regra actualmente em uso nessa empresa. O utente não tem que ser lesado do ponto de vista económico pelo facto do prestador do serviço não proceder a leituras reais, tendo que esperar pela realização de outros consumos para se ver ressarcido dos pagamentos por estimativa efectuados.
No limite, poder-se-ia imaginar uma estimativa calculada com base em períodos de forte consumo, dando lugar, durante vários meses à cobrança de valores elevados. Se, por alteração de residência permanente ou diminuição do agregado familiar, o consumo real durante o período de estimativa e de futuro fosse diminuto, seria, ao que se crê, possível que a compensação demorasse alguns anos a realizar-se integralmente.
Não creio que critérios meramente administrativos se possam sobrepor a este tipo de considerações.
Face ao exposto, RECOMENDO
a V. Ex.ª, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que, em situações como a descrita:
1. Feita a leitura real do consumo de água, proceda a EPAL, na factura correspondente, à compensação da totalidade do crédito que exista sobre o montante global do fornecimento de água, isto é, não discriminando entre quota de serviço e o consumo de água;
2. Caso exista ainda assim um saldo credor para o consumidor, pelo menos de montante relativamente significativo, seja possibilitada a sua liquidação, através de nota de crédito ou cheque;
Caso V. Ex.ª entenda, fundadamente, de modo diverso, impõe-se no mínimo uma alteração do modelo de facturação actualmente em vigor, esclarecendo devidamente o consumidor daquilo que é ou não creditado ou debitado no período a que a factura diz respeito.
Agradeço a V. Ex.ª, nos termos do art.º 38.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a comunicação da posição que V. Ex.ª assume perante esta minha recomendação.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
H. NASCIMENTO RODRIGUES