Secretário de Estado do Orçamento
R-1855/92
Rec. nº 12/B/95
Data:24.02.95
Área: A1
Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – REGIME JURÍDICO DAS FÉRIAS, FALTAS E LICENÇAS – ALTERAÇÃO – CONSAGRAÇÃO LEGAL DA JUSTIFICAÇÃO DE AUSÊNCIA TOTAL OU PARCIAL – CONSULTA MÉDICA – MEIOS COMPLEMNTARES DE DIAGNÓSTICO.
Sequência:
I-EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1.A este Órgão do Estado foi dirigida queixa, por parte de uma associação sindical, acerca do regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da Administração pública, constante do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro; mais precisamente, sobre a circunstância de no art. 19º, nº 1, deste diploma, não serem tidas como justificadas as faltas motivadas por deslocação a consulta médica.
2.A Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro, a qual aprova o Orçamento do Estado, vem confirmar a intenção por parte do Governo de introduzir uma reforma no diploma supra referido, “de modo a aperfeiçoá-lo e a aproximá-lo da lei geral do trabalho, designadamente, introduzindo alterações em matéria do regime das faltas dadas por incumprimento da duração normal do trabalho nos horários flexíveis e das previstas nas alíneas a), j), t) e v) do nº 1 do artigo 19º daquele diploma” (cfr. art. 8º, nº 1 da Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro).
3.Não obstante e como decorre da mencionada autorização legislativa contida na lei orçamental, não parece ser contemplada a situação que é objecto de queixa, ao invés do que resultaria admitido na informação prestada pelo Gabinete de Vossa Excelência à Provedoria de Justiça em 2 de Março p.p (ofício nº 283).
4.O certo é que, em face da tipologia taxativa dos motivos que permitem justificar “a ausência do funcionário ou agente durante a totalidade ou parte do período de presença obrigatória no serviço” (art. 17º , nº 1 do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro), nos termos do art. 19º, nº 1, nada se prevê acerca de consultas médicas de funcionários ou agentes que não preencham outros requisitos objectivos, como sejam as consultas pré-natais (alínea d), a consulta em situação de doença ou de doença prolongada (alíneas g] e h]) ou a consulta no âmbito de tratamento ambulatório (alínea j]).
5.Não se pretenda que a ausência do serviço por motivo de consulta médica se subsumirá, em todo e qualquer caso atendível, de jure condendo, a um dos tipos acima apontados, esgotando-se a necessidade de um tipo próprio para tal efeito.
6.Assim e sem grandes preocupações de exaustão, enumeram-se situações de vária ordem que importariam deslocação a consulta médica fora de um período de doença actual ou iminente ou em razão de doença que não impossibilite a comparência ao serviço (cfr. artigo 29º, nº 1, sobre o requisito da impossibilidade de comparência ao serviço), para além de ausências necessárias com vista à realização de análises clínicas ou submissão a exames radiológicos.
7.Admite-se a importância de graduar a margem de autonomia do funcionário ou agente na marcação de uma consulta médica ou de outros meios de diagnóstico com uma eventual escassez de meios eficazes de controlo sobre a razoabilidade e necessidade de efectuá-lo dentro do período de trabalho diário.
8.Talvez por esse motivo, ou seja, com o propósito legítimo de evitar abusos no exercício de um direito ou na satisfação de um interesse legalmente protegido, queira o legislador excluir das causas de justificação da ausência o facto de o funcionário ou agente ter necessidade de se deslocar a uma consulta médica.
9.Ao negar a justificação resultante da invocação desse motivo, com ressalva dos casos em que acessoriamente tal ocorre por via da protecção de outros bens jurídicos (v.g. maternidade) ou por interpretação mais ou menos generosa dos conceitos de doença e de tratamento ambulatório, nada permite absolver o Estado de se estar a furtar a uma incumbência prioritária que, por força do disposto no art. 64º, nº 3, alínea a) da Constituição lhe é devido promover – o acesso de todos os cidadãos aos cuidados da medicina preventiva.
10.Na verdade, de acordo com a lei vigente, ficam arredados todos os funcionários e agentes que razoável e atendivelmente suspeitem de doença, de recidiva de doença ou que pretendam deslocar-se a uma consulta médica para controlo de uma situação de enfermidade já ultrapassada, ainda que em qualquer dos casos a necessidade de o fazerem haja sido prescrita clinicamente.
11.Abrem-se diferentes perspectivas de solução que permitem ao legislador encontrar um equilíbrio adequado entre as reais necessidades do funcionário ou agente e a protecção do seu direito à saúde, por um lado, e o interesse da sua permanência no serviço, por outro: a estipulação de um contingente mensal ou anual para tal efeito; a justificação pelo médico assistente da razoabilidade da consulta, assim como da necessidade de a mesma ter lugar em momento que afecte a permanência no local de trabalho.
12.A última hipótese enunciada não seria sequer original no quadro do regime legal em vigor, porquanto, no tocante a consultas pré-natais, se determina que quando a consulta seja possível apenas dentro do horário de funcionamento do serviço poderá ser exigido documento comprovativo dessa circunstância e da realização da consulta ou declaração, sob compromisso de honra, dos mesmos factos (art. 12º da Lei nº 4/84, de 5 de Abril e artigo 9º, do Decreto-Lei nº 135/85, de 3 de Maio, ex vi art. 23º do Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro).
13.De outra forma, ou seja, a ser deixado inalterado o actual regime no tocante a este particular aspecto, podem ocorrer dois efeitos perversos no sistema: primeiro, o de o funcionário ou agente ter de recorrer ao meio previsto no art. 68º, nº 1, ou , pura e simplesmente, faltar por conta do período de férias (art. 65º), havendo no primeiro caso de ficar sujeito á autorização do respectivo dirigente, sendo esta condicionada por razões de excepcionalidade e no segundo caso, de se ver privado do exercício de um direito (a parte das férias) para obter o exercício de outro (à saúde, assistência médica), quando entre ambas as situações jurídicas -constitucionalmente tuteladas como direitos fundamentais- não existe qualquer colisão que proporcionadamente exija sacrifícios ou cedências de uma perante a outra; o segundo efeito perverso é o de, por via do atestado médico, de declaração passada por estabelecimento hospitalar, por centro de saúde ou por serviços médicos privativos, se vir permitir, com maior extensão e alcance, o que o legislador quis excluir, fazendo-se indevido uso destes meios de prova em apelo à integração de uma lacuna que o não e. E esta situação escapa também, em larga medida, ao controlo dos serviços porque escudada na discricionariedade técnica que envolve a leges artis.
II-CONCLUSÕES
Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (art. 23º, nº 1, da C.R.P), entendo fazer uso do poder que me é conferido pelo artigo 20º, nº 1, alínea b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril e, como tal,
RECOMENDO:
A iniciativa legislativa por parte do Governo com vista à consagração no regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da Administração Pública da possibilidade de justificação da ausência total ou parcial do serviço por motivo de deslocação a consulta médica ou para efeitos de meios complementares de diagnóstico.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel