Director do Instituto de Clínica Geral da Zona Sul

R-1995/94
Rec. nºs 47/B/95
Data:26.10.95
Área: A4

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – MÉDICO – GRAU DE ASSISTENTE – DATA DA AQUISIÇÃO DO GRAU – DIA DA AFIXACAO DA LISTA INICIAL.

Sequência:

I-OS FACTOS

1.O Departamento de Recursos Humanos da Saúde (DRH) em Novembro de 1992 consultou a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (DGCSP) acerca do seu entendimento sobre a data em que deve ser considerado concluído o processo de formação específica em exercício dos clínicos gerais e, consequentemente, obtido o grau de assistente e operada a passagem à categoria de assistente de clínica geral.

2.Em 16.12.92, na sequência daquela consulta a DGCSP elaborou parecer jurídico que concluiu, que “não tendo havido impugnação administrativa, a informação final constitui caso resolvido no 11º dia útil após a afixação” (conclusão 4ª) e que “a obtenção do grau de assistente de clínica geral e a transição para a categoria de assistente de clínica geral tem lugar no 11º dia útil posterior à afixação da lista de informação final não impugnada” (conclusão 5ª).

3.O DRH, por ofício nº …, de 26.01.93, informou o Instituto de Clínica Geral da Zona Norte (ICGZN) que “sobre o assunto foi consultada a DGCSP que tem entendimento idêntico ao deste Departamento” e transmitiu-lhe que “a data a considerar para conclusão de formação específica e para obtenção do grau de assistente deverá ser a da entrevista”. E sublinhou que, dada “a consonância de posições, parece dever ser esta a data a constar dos processos de avaliação bem como das comunicações às Administrações Regionais de Saúde para efeitos de formalização das promoções dos respectivos médicos”.

4.Em 4.07.94, em abaixo assinado, médicos que frequentaram o 6º Programa de Formação Específica (F.E.E.) solicitaram a intervenção do Provedor de Justiça com vista à “uniformização das datas de obtenção do grau de generalista”.

II-O DIREITO

5.A Constituição (artº 13º) e o Código do Procedimento Administrativo (C.P.A. – artº 5º, nº 1) consagram o princípio da igualdade o qual, segundo defende a doutrina e a jurisprudência, impõe que se trate igualmente o que for igual e diferentemente o que for diferente.
Tanto a Constituição (artº 268º, nº 5) como o C.P.A. (artº 12º) garantem o acesso à justiça administrativa, assim como reconhecem o direito ao recurso contencioso (respectivamente, artº 268º, nº 4 e artº 12º, in fine).

6.Procedimento é a sucessão ordenada de actos e formalidades, tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública (C.P.A. – artº 1º, nº 1), constituindo o recurso administrativo um procedimento de 2º grau inserido num outro procedimento principal ou de 1º grau, onde se pratica um acto destacável e impugnável cuja revogação ou modificação se pretende (cfr. CPA, artº 158º, 166º e seguintes, Freitas do Amaral in “Direito Administrativo” – vol. III – 1989, pág. 188 e João Caupers in “O Código do Procedimento Administrativo” – INA, 1992, pág. 89 e seguintes).
As normas do C.P.A. sobre esta matéria têm carácter supletivo, sempre que tenham natureza meramente processual (artº 2º, nº 6), mas são inafastáveis quando se trata de princípios gerais (artº 2º, nº 4), como sejam os da igualdade ou do acesso à justiça e as normas que os asseguram ou de normas materiais (C. Civil, artº 12º).
Na ausência de normativo específico que disponha de outro modo, o recurso hierárquico necessário tem efeito suspensivo (artº 170º, nº 1), não sendo executórios os actos de que tenha sido interposto recurso com aquele efeito (artº 150º, nº 1, b)).

7.Os Institutos de Clínica Geral (I.C.G.) asseguram a organização e gestão da F.E.E. que tem, entre outras finalidades, a de “criar as condições necessárias ao acesso dos clínicos gerais não habilitados com o internato complementar de clínica geral ao grau de generalista� (Regulamento aprovado pela Portaria nº 425/90, de 11 de Junho, artº 1º, nº 2).
Cada programa de F.E.E. depende da proposta do director do ICG ao Director-Geral da Saúde (DGS) para que seja publicado no Diário da República, 2ª Série, o respectivo aviso de abertura (Id., artº 6º), ao qual se sucede a apresentação de candidaturas documentais (artº 5º e 8º) e a elaboração da lista de candidatos admitidos (artº 10º).
Concluído o processo formativo de todos os candidatos admitidos, há lugar à avaliação final que abrange a avaliação efectuada pelos orientadores da F.E.E. e por uma comissão designada pelo director do respectivo ICG (artºs 17º e 18º), e se traduz numa informação final que se expressa em “com aproveitamento” e “sem aproveitamento” e é incluída numa lista de informação final cuja divulgação é feita mediante afixação na sede do respectivo ICG (artº 19º).

8.Os clínicos gerais obtêm o grau de generalista mediante aprovação no respectivo internato complementar (Decreto-Lei nº 23/90, de 6 de Março, artº 22º, nº 2) ou com a aprovação no processo de F.E.E. (artº 47º, nº 1).
A designação do grau é hoje para todas as carreiras médicas a de assistente (Decreto-Lei nº 128/92, de 4 de Julho, artº 21º, nº 2).

9.Os I.C.G., cujo Regulamento foi aprovado pela Portaria nº 505/86, de 9 de Setembro, nos termos do seu artº 2º, “funcionam sob a direcção e avaliação directas da D.G.C.S.P., são serviços dotados de autonomia administrativa e têm por objectivo a formação profissional em exercício dos médicos da carreira de clínica geral e a realização de acções de investigação conexas com a referida formação (…)”.

9.1.Os órgãos dos ICG são o director e o conselho científico cujas competências estão descritas nos artºs 7º e 8º do Regulamento.
Não existe norma expressa de fixação da competência de qualquer dos dois órgãos ou de outro quanto à direcção da instrução, à elaboração ou homologação da lista de informação final ou quanto à decisão de rejeição de candidaturas à F.E.E..

9.2.Segundo Marcello Caetano “o complexo de poderes funcionais conferido por lei a cada órgão para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado” é o que se chama competência desse órgão (in Manual de Direito Administrativo”, Coimbra Editora, 1970, tomo 1, pág. 219), não podendo ser exercida fora do âmbito daquelas atribuições.
“A competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada pela lei: é sempre a lei que fixa a competência dos órgãos de Administração Pública. É o princípio de legalidade da competência também expresso, às vezes, pela ideia de que a competência é de ordem pública (…). A competência não se presume: isto quer dizer que só há competência quando a lei inequivocamente a confere a um dado órgão (Freitas do Amaral obra citada, pág. 610).
“A competência pode ser explicita ou implícita. Diz-se que a competência é explícita quando a lei a confere por forma clara e directa; pelo contrário, é implícita a competência que apenas é deduzida de outras determinações legais” (id. pág. 612). Sobre esta matéria veja-se também o artº 29º do C.P.A..

9.3.”Das decisões de exclusão da candidatura ou da frequência da F.E.E.” cabe recurso hierárquico necessário para o Director-Geral da Saúde (Regulamento da FEE, artº 11º). Daqui resulta implícita a competência do Director do ICG para tomar aquelas decisões.
Dos resultados da informação final cabe recurso hierárquico necessário para o director do ICG (id. artº 20º, nº 1), deduzindo-se que a lista de informação final não é elaborada nem homologada pelo director (vd. C.P.A. artº 44º g))

9.4.Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 345/93, de 1 de Outubro, os ICG passaram a funcionar “na dependência e sob a orientação da DGS” (artº 34º), o que parece confirmar a sua natureza de serviços desconcentrados da Administração Central, a que o Prof. Freitas do Amaral chama de serviços locais, externos ou periféricos (Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 1986, pág. 276 e 387 e seguintes) inseridos na organização vertical ou hierárquica da Administração directa do Estado (administração periférica do Estado).
João Caupers insere-os nas redes periféricas organizadas em 3 áreas (“A Administração Periférica do Estado”, Ed. Notícias, 1994, pág. 467).

9.5.Embora sem sujeição expressa ao regime jurídico específico dos concurso, a F.E.E. com o seu início, admissão de candidaturas, formação e avaliação final, constitui, nas fases em que se revela e na sequência que as articula um procedimento de primeiro grau (com um desenvolvimento semelhante ao dos concursos). Aplicam-se-lhe, portanto, os normativos do C.P.A.

III-ANÁLISE CRÍTICA

10.Na medida em que a F.E.E. tem carácter instrumental face à carreira médica de clínica geral e porque cada processo formativo se refere sempre, e em simultâneo, a um número plural de médicos, é necessário assegurar que os princípios da igualdade e do acesso à justiça administrativa sejam respeitados, conjugadamente, em relação a qualquer formando dentro da unidade do procedimento que constitui cada programa da F.E.E..

11.As listas de candidatos e as listas de informação final formalizam actos administrativos colectivos ou plurais, que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas ou que tomam uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes (vd. Freitas do Amaral, id, pág. 81 e seguintes).
Na tipologia dos actos administrativos deste Autor, são actos primários, simultaneamente impositivos (sujeitam alguém a determinados efeitos jurídicos) e com natureza de juízos (qualificam pessoas, segundo critérios de justiça administrativa ou discricionariedade técnica).
A afixação das listas de informação final integra a exigência de publicidade (C.P.A. artº 130º) que condiciona a eficácia do acto nelas implícito; e o envio de cópia da lista às A.R.S. interessadas e à Comissão Nacional dos Internatos Médicos (CNIM) tem fins gestionários inerentes à actualização de registos e ao processamento de remunerações (artº 19º, nº3 do Regulamento de F.E.E.).
A previsão de recurso para o director do ICG da lista de informação tem implícita a prática de um acto administrativo.
A competência para o praticar não está expressa, mas pode admitir-se que caiba à comissão de avaliação, composta por 3 médicos designados pelo director do I.C.G. a qual assim desempenha funções idênticas às do júri num concurso e não apenas as que estão fixadas no artº 17º, nºs 3 e 5 do Regulamento da FEE.
Por isso, na divulgação inicial de que vai realizar-se um programa, deveria indicar-se a composição da comissão de avaliação e o facto de que será ela a elaborar a lista de informação final e a promover a sua afixação.

12.Havendo recurso desta lista, ele tem efeito suspensivo, e a apreciação desse recurso pode concluir pela existência de irregularidades formais ou materiais que se reflectem na avaliação de todos ou parte dos restantes formandos.
Por isso, a remessa de cópia da lista para a CNIM e para as Regiões e Sub-regiões de Saúde com instruções para a execução consequente só deve ter lugar depois de o(s) recurso(s) ter(em) sido decidido(s) ou depois de expirado o prazo para a sua interposição (11º dia útil posterior à afixação – artº 20º, nº 1 do Regulamento e artº 72º do C.P.A.), sem prejuízo de fazer reportar a eficácia do acto ao dia da sua divulgação.

13.Resumindo e concluindo:

13.1.Depois de apurar a menção que for devida, a comissão de avaliação deve proceder à audiência prévia de cada formando sem aproveitamento nos termos dos artºs 100º a 103º do C.P.A.;

13.2.O último acto praticado pela comissão de avaliação dos formandos na F.E.E. é o da elaboração da lista de informação final, sendo as menções de “com aproveitamento” ou “sem aproveitamento” apuradas através de uma fórmula que inclui a pontuação atribuída pelos notadores e a pontuação da entrevista conduzida pela mesma comissão, e que tem uma ponderação superior à da primeira.

13.3.Para que as menções adquiram eficácia externa e produzam efeitos jurídicos a lista de informação deve ser afixada;

13.4.Estando prevista a figura do recurso hierárquico necessário, só no termo do prazo de 10 dias úteis é possível saber se aquele foi ou não interposto;

13.5.Havendo recurso hierárquico necessário, a lista afixada fica suspensa e não pode produzir efeitos em relação a qualquer formando antes de ser confirmada (se a impugnação não procede) ou alterada e novamente afixada, se o pedido mereceu provimento.

13.6.No dia da afixação da lista inicial ou da lista alterada não havendo já a possibilidade de recorrer, os formandos adquirem o grau de assistente da carreira médica de clínica geral.

14.Termos em que RECOMENDO:

que seja considerada para efeito de aquisição do grau em cada programa de F.E.E. a data indicada na conclusão 13.6..

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel