Presidente da Comissão Regional de Reserva Agrícola de Entre-Douro e Minho
Processo:R-441/95
Rec.nº 37/A/95
Data: 1995-04-12
Área: A1
Assunto:URBANISMO E OBRAS – PEDIDO DE LICENCIAMENTO – CONSTRUÇÃO DE HABITAÇÃO – PROPRIEDADE PRIVADA – ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO – RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL (RAN) – FUNDAMENTAÇÃO DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS – NULIDADE.
Sequência:
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1. 0 Senhor… apresentou reclamação ao Provedor de Justiça, em 14.02.1995, por discordar do indeferimento de pedido de desafectação de um terreno – sito em Outeiro, Recarei, concelho de Paredes – da Reserva Agrícola Nacional, porquanto ali pretende construir habitação própria.
2.Em síntese, alega o Senhor … tratar-se do único terreno que é de sua propriedade, residir presentemente em habitação de
escassa qualidade e superfície (um anexo contíguo à casa de seu pai), ter na sua dependência um agregado familiar extenso
e não possuir meios económicos que lhe permitam a aquisição de habitação própria.
3. Nestes termos, considera reunidos os pressupostos do deferimento da sua pretensão, à luz do disposto no art. 9º, nº 2, alínea c) do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho.
4.Instada a Comissão Regional presidida por V. Exa. acerca da fundamentação dos indeferimentos sucessivos que tiveram lugar
em 12.11.1993, 22.08.1994 e 02.12.1994, foi respondido que a recusa se baseou nos prejuízos para a RAN e o ordenamento do
território que a satisfação da pretensão do Senhor …. comportaria.
5.A mesma resposta acrescentava que o Senhor …. jamais recorrera dos actos citados para o Conselho Nacional da Reserva Agrícola, nos termos do art. 17º, nº 2 do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho.
6.Analisada a fundamentação dos actos de indeferimento, ainda que concedendo tratarem-se os dois últimos de actos
confirmativos, não pode deixar de caracterizar-se a mesma como manifestamente insuficiente, em termos que afectam a
validade dos respectivos actos, uma vez que os actos reclamados decidiram em contrário da pretensão formulada pelo
interessado (art. 124º, nº 1, alínea c], do CPA).
7.Com efeito, os fundamentos invocados são vagos e demasiado genéricos, visto que, por hipótese, serviriam como fundamento
a qualquer acto de indeferimento de pretensão semelhante.
8.Por outro lado, não permitem identificar, de modo algum, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido no procedimento que antecedeu o acto.
9.0 Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 11.04.1991, do Pleno, considerou, a este respeito, que meros juízos
conclusivos, sem concretização da factualidade que lhes serviu de base, são insuficientes, para a fundamentação factual do acto administrativo.
10. Sendo certo que a insuficiência da fundamentação equivale à sua falta, nos termos do art. 125º, nº 2 do CPA, não restam
dúvidas quanto à invalidade do acto de indeferimento de 12.11.1993, bem como dos actos que se seguiram no mesmo
sentido.
11. A fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos
constitui direito fundamental dos administrados, nos termos do art. 268º, nº 3 da Constituição.
12. Logo, a absoluta insuficiência de fundamentação do acto de indeferimento praticado em 12.11.1993, porquanto afecta o
conteúdo essencial do direito citado, na esfera jurídica do Senhor ….., gera a sua nulidade (art. 133º, nº 2, alínea d], do CPA),
o que impede o mesmo de produzir quaisquer efeitos jurídicos (art. 134º, nº 1, idem); nem mesmo o de vir a servir de
pressuposto à qualificação como confirmativos dos indeferimentos que se lhe seguiram. Também estes últimos, pela mesma razão, são nulos e de nenhum efeito na ordem jurídica.
13. De resto, quanto à consideração de um direito constitucional à fundamentação de actos administrativos, ficou assente na
jurisprudência constitucional, de forma pacífica, que ” semprehaveria de considerar-se que se tratava de um natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias constitucionais, pois que se trata de uma garantia de defesa perante o Estado, que é a relação típica de incidência dos clássicos direitos, liberdades e garantias ” ( Ac. nº 78/86, de 05.03.1986, in ATC, vol. 7º, Tomo II, p.688).
14. Neste sentido, pronuncia-se SÉRVULO CORREIA relativamente à violação de direito fundamental contido em acto
infra-constitucional – o direito de audiência prévia no procedimento administrativo ( O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento, in Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação, 9/10, INA, 1994, pp. 156), em termos que levam o ilustre Autor a concluir que a ofensa do conteúdo essencial de tal direito, pelas mesmas razões, determina a nulidade do acto principal do procedimento.
15. Expor a motivação de um indeferimento por simples remissão para a afectação da Reserva Agrícola Nacional e o ordenamento
do território é manifestamente redutor, principalmente quando são vinculados os pressupostos de emissão de parecer favorável, apesar de conferirem às comissões alguma margem de livre apreciação (cfr. art. 9º, nº 2 do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho). Assim, não restam dúvidas quanto à falta de um núcleo essencial de fundamentação; por outras palavras, fica atingido o conteúdo essencial do direito do Senhor … à fundamentação do acto administrativo que indeferiu a sua pretensão.
CONCLUSÕES
De acordo com o que vem exposto, entendo serem nulos e de nenhum efeito os actos de indeferimento dos requerimentos do
Senhor ……. praticados pela Comissão Regional de Reserva Agrícola de Entre-Douro e Minho, em 12.11.1993, 20.08.1994 e 02.12.1994, por se subsumirem no art. 133º, nº 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo, razão pela qual, no exercício dos poderes que me são conferidos no art. 20º, nº 1, alínea a) da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, devo RECOMENDAR:
A) A declaração da nulidade dos citados actos, nos termos do art. 134º, nº 2 do CPA;
B) a apreciação dos requerimentos apresentados e decisão sobre os mesmos com devida fundamentação, caso seja de novo preenchido algum dos pressupostos enunciados no art. 124º, nº 1 do CM.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel