Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Proc.:R-3157/94
Rec. nº91/A/95
Data: 1995-09-06
Área: A1

Assunto:SAÚDE PÚBLICA – FELÍDEOS – CASA DE HABITAÇÃO – ORDEM DE REMOÇÃO – INCUMPRIMENTO – EXECUÇÃO COACTIVA.

Sequência:Acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. A este órgão do Estado foi dirigida queixa sobre a grave situação de insalubridade causada pela existência de vários felídeos no 14 andar esquerdo, do prédio correspondente ao nº 20, da Rua Frei Manuel do Cenáculo,em Lisboa.

2. No decurso dos procedimentos instrutórios a que tal queixa deu origem, tive conhecimento de que constatada a grave situação de ausência de condições de higiene e limpeza, bem assim como os riscos para a saúde e tranquilidade dos restantes moradores de tal prédio, determinou essa Câmara, por duas vezes, a remoção dos animais, nos termos previstos pelo artº 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 317/85, de 17 de Agosto, decisões de que foi a respectiva proprietária notificada, de acordo com o nº 3 daquele artigo, em 1993.06.07 e 1994.10.27.

3. Verificando-se o incumprimento pela destinatária, da primeira ordem de remoção, indicia tal comportamento responsabilidade criminal por crime de desobediência (artº 388º do Código Penal),tendo sido instaurado o competente processo, o qual veio a
ser arquivado por despacho de 1993.11.09, em virtude falta de apreciação do recurso interposto da decisão camarária (artº 10º, nºs 3 a 5, do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto).

4. Não tendo a particular cumprido voluntariamente a imposição contida na notificação que lhe foi dirigida em 27 de Outubro do ano transacto, foi instaurado novo procedimento criminal e remetidos os correspondentes autos, em 17 de Fevereiro p.p., à Polícia Municipal para efeitos de promoção das diligências de inquérito, nos termos previstos pelo artº 270º do Código de Processo
Penal.

5. Do exposto resulta que tem a Câmara Municipal de Lisboa utilizado os meios ao seu alcance para induzir a destinatária da ordem de remoção ao respectivo cumprimento voluntário.
De facto, a instauração e prossecução do procedimento criminal em virtude de desobediência à ordem em causa, consiste
numa medida de compulsão psicológica significativa para a sua execução e cumprimento (OLIVEIRA, Mário Esteves e Outros, Código do Procedimento Administrativo, comentado, Vol II, Coimbra 1985, pág. 230).

6. Todavia, não é uma medida de execução do acto administrativo e, por tal razão, não está apta a realizar os respectivos efeitos, quais sejam: a remoção efectiva dos animais e, em consequência, a restauração das condições de salubridade e higiene do imóvel, conforto e tranquilidade para os respectivos moradores.

7. Sem pretender questionar a margem de livre apreciação de que a Administração dispõe na tomada da decisão de execução coactiva de um certo acto, a qual dependerá de um juízo que pressuponha a necessária ponderação relativa dos prejuízos que para o interesse público advenham da sua não execução, da ausência de prejuízo ou lesão de direitos ou interesses legítimos de terceiros e do sacrificio imposto ao particular, certo é que, no caso em análise, a inexecução da ordem de remoção provoca a contínua e
reiterada lesão do direito dos vizinhos a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado, pelas manifestas condições de insalubridade existentes no prédio em questão.

8. Para tal juízo de ponderação relativa parece apontar o nº 7, do artº 10º, do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto, ao estatuir que o juiz apenas pode conceder efeito suspensivo ao recurso interposto da decisão camarária que ordena a remoção dos animais se,
em função da prova oferecida e dos pareceres da autoridade sanitária veterinária e do médico veterinário assistente, concluir
que o decurso do prazo para a emissão da sentença, sem execução imediata da decisão camarária, não implicará a
possibilidade de riscos apreciáveis na salubridade e tranquilidade de quaisquer pessoas.

9. Realça esta norma, quer a característica que, em geral, já decorre do artº 149º, nºs 1 e 2, do Código do Procedimento
Administrativo, quanto à executoriedade dos actos administrativos, quer o facto de a execução imediata da decisão camarária de remoção apenas poder ser evitada com base num juízo de probabilidade da não ocorrência de riscos para a salubridade e tranquilidade das pessoas susceptíveis de virem a ser afectadas com a manutenção da situação, o que constituindo o único fundamento para a atribuição de carácter suspensivo ao recurso, deverá nortear a decisão de proceder à execução coactiva do acto.

10. “A contrario”, verificando-se na presente situação, não apenas riscos de lesão de tais bens jurídicos, mas a efectiva produção de danos, cabe a esse órgão autárquico a promoção e realização dos actos e operações materiais que obstem à manutenção da situação que os gera.

11. Reconhecida a verificação de factos dos quais a lei faz derivar certas consequências, “nasce para o seu autor a vinculação de emitir um comando com um certo conteúdo” (CORREIA, José Manuel Sérvulo, Noções de Direito Administrativo, pág. 458)

II-CONCLUSÕES

Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (artº 23º, nº 1, da CRP), entendo dever fazer uso do poder que me atribuído pelo artº 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de
Abril, e, como tal, RECOMENDAR:

1º) Que promova a Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do disposto no artº 157º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo, a execução imediata da decisão camarária que ordenou a remoção dos felideos existentes na Rua Frei Manuel do Cenáculo, nº 20, 1º esq., por razões da insalubridade provocada por esses animais, atendendo, designadamente, a que a não execução imediata de tal decisão acarreta riscos significativos para a saúde e tranquilidade da vizinhança.

2º) Para tal fim, seja notificada a proprietária dos animais, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 152º, do Código do Procedimento Administrativo, da decisão de se proceder à execução da ordem de remoção e com indicação dos termos em que a mesma irá ser realizada (artº 157º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo).

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel